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Quando deixaremos de usar máscaras no Brasil?
Reportagem

Quando deixaremos de usar máscaras no Brasil?

Ministro e Bolsonaro querem definir data para máscaras deixarem de ser obrigatórias, mas ainda falta muito para que deixem de ser necessárias
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Uso de máscaras ajuda a prevenir a contaminação contra Covid-19 e Influenza (Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima Uso de máscaras ajuda a prevenir a contaminação contra Covid-19 e Influenza

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, estaria propenso, a partir de novembro, a "recomendar" o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras contra a Covid-19, segundo informações de bastidores. A decisão depende de os números da pandemia no País seguirem em queda, segundo as informações do jornalista Igor Gadelha, do site Metrópoles. No mês passado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) havia informado da intenção de definir com o ministro uma data para sugerir que as máscaras deixem de ser obrigatórias. Porém, especialistas apontam que a decisão de deixar de usar máscaras não é tão simples, pode não estar tão próxima e não tem data para acontecer.

Publicamente, Queiroga já havia sinalizado positivamente sobre a intenção do presidente, embora ressaltando que a flexibilização deveria ser adotada apenas em ambientes ao ar livre. Pela projeção do ministro, o uso continuaria a ser exigido em ambientes fechados.

A flexibilização depende da redução na transmissão do vírus no País e não há prazo para que isso aconteça no Brasil, segundo avalia Eduardo Ruback, pesquisador em Saúde Pública e coordenador da Unidade de Apoio ao Diagnóstico da Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Ceará.

"Não é possível dar uma data para isso. A gente não pode dar uma data porque o não uso da máscara está atrelado a outros fatores que têm de melhorar", constata. Segundo o especialista, a taxa de transmissão do vírus ainda preocupa. O Brasil confirmou 13.406 novos casos em um dia, segundo última atualização do Ministério da Saúde nesta terça-feira, 14.

O dado é muito alto para que se possa abrir mão da máscara, que é "a primeira barreira contra o vírus e uma das melhores formas de proteção". Ele estima que é necessário reduzir para aproximadamente 5 mil casos por dia para que então a flexibilização seja considerada em alguns locais. Isso porque o Brasil tem cenários de transmissão diversificados entre os estados. O índice que ele aponta para se pensar em flexibilização é menos da metade do número atual.

Um fator importante atrelado à queda da transmissão do coronavírus, segundo a virologista Giliane Trindade, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é a cobertura vacinal. Segundo ela, é necessário ter mais de 80% da população imunizada com duas doses para avaliar o desuso da máscara. "E isso está longe de acontecer. A vacinação não anda no ritmo acelerado que temos competência de vacinar", completa.

Atualmente, 35% dos brasileiros estão imunizados com duas doses ou dose única, segundo dados do consórcio de imprensa atualizados ontem. Pelo menos 65% da população já recebeu a primeira dose. "Acho muito arriscado, irresponsável pensar na remoção de máscaras agora", adverte Giliane considerando os dados.

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Terceira onda "já está começando"

A variante Delta, identificada na Índia, causa preocupação entre os especialistas pelo alto potencial de transmissão. "A gente vai ter essa terceira onda, ela já está começando", comenta Eduardo Ruback, da Fiocruz Ceará, afirmando que a nova cepa vem se sobrepondo rapidamente à variante Gama, originária em Manaus.

No estado do Rio de Janeiro, a Delta já é predominante, o que levou a capital carioca a suspender o plano de flexibilização das atividades, que começaria a vigorar em 2 de setembro. No Ceará, até o fim de agosto eram 96 casos confirmados da variante Delta, segundo a última atualização da Secretaria de Saúde (Sesa).

Nos próximos dias devem sair resultados de novas amostras de sequenciamento no Estado. Cada rodada de sequenciamento custa R$ 16 mil e reúne 100 amostras, levando cerca de oito dias para ficar pronta.

Segundo Eduardo, enquanto uma pessoa infectada com a variante Gama poderia passar a Covid-19 para até quatro indivíduos, esse número pode chegar a oito, no caso da Delta. Para o pesquisador, o maior risco é de que uma nova variante seja originada, tendo em vista o avanço lento da vacinação no Brasil. "Esse é o perigo, de repente surge uma variante mais agressiva e pode virar uma terceira onda muito mais forte", comenta.

Variantes são fator extra de incerteza

A epidemiologista Caroline Gurgel Florêncio, docente da Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal do Ceará (UFC), concorda quanto a ser precipitado pensar em dispensar o uso de máscaras agora. A professora alerta para o avanço da variante Delta, mais contagiosa, e que tem se tornado rapidamente predominante.

"Não é momento de pensar em remover as máscaras, e sim fortalecer o uso delas", enfatiza. Mesmo os vacinados com duas doses podem ser infectados pelo vírus, transmitindo às pessoas não vacinadas e mais vulneráveis. E quanto mais gente infectada, mais chance de o coronavírus se modificar e dar origem a novas variantes, mais infecciosas.

"O desuso da máscara vai sendo adiado porque não tem como você pensar na nova variante e em não utilizar a máscara. Quando a gente percebe uma certa estabilidade genética do vírus, aí sim a gente pode pensar em remover a máscara", explica Caroline.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 14.08.2021: Vacinacao no Shopping Iguatemi. Acao acontece no piso terreo na area de expansao do shopping. (Foto: Thais Mesquita/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 14.08.2021: Vacinacao no Shopping Iguatemi. Acao acontece no piso terreo na area de expansao do shopping. (Foto: Thais Mesquita/O POVO)

Flexibilização do uso de máscaras deve ser gradual

Quando o Brasil alcançar a estabilidade de casos e a cobertura vacinal recomendadas pelos especialistas, o ideal é que exista uma flexibilização gradual no uso da máscara. Ou seja, primeiro o equipamento de proteção deixaria de ser obrigatório em ambientes abertos, como parques, praias e jardins. Por outro lado, em escritórios, supermercados e transportes públicos, por exemplo, ainda será necessário usar máscara.

Em Israel, um dos primeiros a desobrigar máscaras no mundo, o governo reinstituiu o uso obrigatório em ambientes internos e avalia impor mais restrições por causa da variante Delta.

Nos Estados Unidos, em agosto, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) mudou as diretrizes e passou a recomendar a todos, independentemente do status de vacinação, o uso de máscaras em focos da pandemia. Estados do Sul, como Louisiana e Nevada, ordenaram que quase todos, vacinados ou não, voltassem a usar máscaras em todos os locais públicos fechados, incluindo escolas e faculdades.

Para a epidemiologista Caroline Gurgel Florêncio, da Famed da UFC, o uso da máscara deveria ser incorporado no dia a dia de forma permanente para proteção contra vírus respiratórios. "Penso que se as pessoas usassem máscara de forma rotineira nas suas vidas, a gente não teria chegado ao ponto em que nós chegamos (em relação à pandemia de Covid-19)", avalia.

A virologista Giliane Trindade, da UFMG, acrescenta ainda que "sempre haverá tendência de surto do novo coronavírus" e por isso será necessário usar máscara pontualmente, quando novos surtos locais eclodirem. "O vírus não vai desaparecer e tem um contingente de pessoas que vão nascer e alimentar essa cadeia de transmissão", aponta.

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