Logo O POVO+
O que pode mudar no Conselhão do Ministério Público
Reportagem

O que pode mudar no Conselhão do Ministério Público

| Regulação | Proposta na pauta da Câmara mexe nas regras do CNMP, órgão que fiscaliza o trabalho de integrantes do Ministério Público, e gera temor entre promotores e procuradores
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
MINISTÉRIOS Público Estadual, Federal e do Trabalho no Ceará promoveram ato conjunto contra a PEC na última quarta-feira, 13 (Foto: (Thais Mesquita/OPOVO))
Foto: (Thais Mesquita/OPOVO) MINISTÉRIOS Público Estadual, Federal e do Trabalho no Ceará promoveram ato conjunto contra a PEC na última quarta-feira, 13

Imagine a seguinte situação: um promotor de Justiça, informado de irregularidades em uma obra na fazenda de um deputado, decide abrir uma investigação sobre o caso. Dias depois, no entanto, um conselho superior "cancela" o inquérito. Logo em seguida, a corregedoria do órgão abre um processo disciplinar contra o promotor pelo ato. Em ambos os casos, as ações ficarão nas mãos de um conselheiro indicado pelo deputado alvo da denúncia.

Neste cenário, não existiria o risco de o promotor não apresentar sequer a denúncia inicial, temendo retaliações? É esse o questionamento que membros do Ministério Público de todo o País têm feito, desde o início do mês, sobre a Proposta de Emenda à Constituição 5/2021, que deve ser votada na Câmara dos Deputados já na próxima terça-feira, 19.

A proposta, assinada por 182 deputados de diversos partidos, promove uma série de mudanças nas regras de composição e funcionamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) - o "Conselhão" do MP -, órgão responsável pela fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do Ministério Público no Brasil.

Na prática, o CNMP está para a atuação de promotores e procuradores assim como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está para juízes e desembargadores. São os membros do Conselhão, portanto, que julgam processos administrativos disciplinares contra integrantes do Ministério Público por possíveis faltas no exercício do cargo.

Entre os pontos mais rejeitados por promotores e procuradores, está a ampliação do número de conselheiros indicados pelo Congresso, que passarão de dois para cinco. Além disso, o substitutivo do relator Paulo Magalhães (PSD-BA) prevê que a corregedoria do CNMP - responsável pela condução de processos disciplinares contra membros do MP -será sempre ocupada por um dos conselheiros indicados pelo Congresso.

Desde a última semana, promotores e procuradores de todo o Brasil têm realizado protestos contra a medida, em mobilização que já teve atos em 18 capitais, incluindo Fortaleza. "É um duro golpe na independência dos membros do Ministério Público. E, sem independência, não vamos poder combater a criminalidade, o crime organizado, a corrupção ou defender o patrimônio público", afirma o promotor Manoel Murrieta, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).

Internamente, a PEC foi recebida como uma resposta da classe política a investigações tocadas pelo Ministério Público contra a corrupção. A proposta chegou até a ser batizada de "PEC da Vingança" em mobilizações da categoria, que teme que as mudanças abram caminho para a manipulação de processos administrativos contra o trabalho do órgão.

Além dos atos, uma frente de 38 subprocuradores-gerais da República lançou, na última semana, um manifesto classificando a PEC como um "golpe" na autonomia do MP. Já a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) afirma que, se for aprovada, a mudança será "instrumento de cerceio da liberdade e da independência funcional". "É uma tentativa legislativa de atingir o coração do Ministério Público", disse nota da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Defensores da PEC, no entanto, rejeitam as teses e criticam o pouco controle da sociedade civil sobre o órgão. "O Ministério Público é a única entidade do Brasil que não tem um código de ética. Ela fiscaliza todo mundo e não tem o seu próprio código de ética", disse, na última sexta-feira, 15, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

"Não há nenhum objetivo, como se ventila, de amordaçar, tolher ou exterminar atividade funcional do MP", diz ainda, afirmando que o projeto busca apenas dar "paridade" entre membros do Ministério Público e da sociedade civil no Conselhão. "Não é possível que, no mundo em que nós estamos, quem fiscaliza não tenha ninguém pra fiscalizar, não aceite um sistema de preço e contrapesos, e não tenha por exemplo o seu código de ética", diz.

Lira também nega qualquer embate entre Congresso e o MP na tramitação do projeto. "O Ministério Público solicitou seis alterações (no projeto), foram atendidas as seis alterações", diz, apesar de entidades do órgão manterem tom crítico à proposta em tramitação. "É lamentável quando as associações que redigiram inclusive um texto de nota, vem a público para tumultuar uma questão que será discutida dentro das quatro linhas", disse.

Em entrevista ao O POVO, o procurador-geral de Justiça do Ceará, Manuel Pinheiro, afirma que o Congresso possui legitimidade para discutir a composição e funcionamento do CNMP. Ele destaca, no entanto, que a iniciativa em análise fere as "garantias de independência" que são dadas ao MP, o que irá prejudicar o trabalho do órgão.

"Essas garantias não são dadas para o Ministério Público e seus membros em si, mas sim para a sociedade, que é representada por eles. Sem elas, quem perderá será a sociedade", diz. "Imagina se um promotor em uma causa ambiental, ou eleitoral, por exemplo, tiver que parar de trabalhar para se defender", exemplifica.

 

O que você achou desse conteúdo?