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Claudia Leitão e a cultura como afirmação da vida
Reportagem

Claudia Leitão e a cultura como afirmação da vida

|GÊNERO E POLÍTICA| Professora, pesquisadora de políticas culturais e consultora em economia criativa, Claudia Leitão defende transversalidade nas políticas culturais
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Fortaleza, Ce, BR 04.03.22 Na foto: Claudia Leitão, pesquisadora e consultora em políticas públicas  (Fco Fontenele /O POVO) (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Fortaleza, Ce, BR 04.03.22 Na foto: Claudia Leitão, pesquisadora e consultora em políticas públicas (Fco Fontenele /O POVO)

"Colere", em latim, significa cultivar; criar; tomar conta; cuidar. O verbo que originou a palavra "cultura", para os antigos, designava as relações de cuidado tecidas entre os seres humanos e a natureza. Conceito em permanente construção, cultura é também o som do triângulo pelas ruas anunciando a chegadinha, o canto "ô, senhor dono da casa, abre a porta e deixe entrar" nos reisados, a saudação do ator ao público ao final de cada espetáculo. Nas palavras da professora, pesquisadora de políticas culturais e consultora em economia criativa Claudia Leitão, "cultura é o lugar da transformação de valores e crenças sobre qual mundo nós desejamos viver".

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em Educação Artística pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), Claudia Leitão é mestra em Sociologia Jurídica pela Universidade de São Paulo (USP), doutora em Sociologia pela Sorbonne e uma das grandes referências nas políticas culturais no Brasil. Durante o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff, a cearense exerceu o cargo de secretária nacional de Economia Criativa no Ministério da Cultura e ampliou debates sobre gênero e política.

"Eu tive uma infância muito próxima da música, tocava flauta no Conservatório Alberto Nepomuceno. Sempre me interessei muito em pensar o lugar da arte nessa perspectiva daquilo que vem primeiro, que vai além, que se anuncia", resgata Claudia. "Nós precisamos mudar aquela visão sobre política de cultura como uma pasta que se ocupa dos editais. A cultura é sempre lida como o mundo do supérfluo, do que não é essencial. No sentido mais amplo, cultura é a cultura do político; da vivência social; da tolerância; da paz, da diversidade. A gente precisa falar mais desse lugar, porque acaba que o debate sobre cultura fica muito restrito a quem trabalha com as artes", elabora.

A presença e a permanência de mulheres na vida pública, pontua Claudia, são desafios no País. "Talvez o Brasil tenha querido sempre se colocar como esse lugar do hibridismo, mas nós estamos vivendo governos conservadores, populismo, perseguição aos artistas e às minorias… Todas essas questões são de natureza cultural. Na nossa tradição autoritária, machista e paternalista, existe uma crueldade nesse lugar político da mulher quando ela se impõe e deseja e se coloca num cargo público. Política é também uma questão de gênero", continua a pesquisadora.

"Eu acho que é um grande caminho compreender de que forma efetivar na política cultural as políticas de gênero, as políticas que possam contribuir para a qualidade de vida da mulher no território, na escola, no trabalho, na indústria", destaca ainda. "No Brasil, nós temos uma taxa de cultura e um orçamento miseráveis e as políticas de cultura mal dão conta do campo artístico, elas nunca foram políticas para a população, pensando nas mulheres. São sempre políticas pequenas, acanhadas, insatisfatórias, sazonais, são recursos muito reduzidos. O Brasil não tem políticas para mulheres, para crianças, para a velhice…".

Secretária da Cultura do Estado do Ceará entre 2003 e 2006, Claudia criou o programa "Cultura em Movimento: Secult Itinerante" em sua gestão e foi responsável por modernizar a Lei do Sistema Estadual de Cultura. "Tenho uma lembrança especialmente afetuosa com os Mestres e Mestras da Cultura tradicional popular do Ceará, principalmente das mulheres. Elas são referências para mim pela visão de mundo cosmogônica.", compartilha. Hoje, Claudia criou sua empresa na área da consultoria de políticas públicas, turismo e economia criativa, a Tempo de Hermes; e colabora com a Universidade Regional do Cariri para criar o primeiro curso tecnológico de economia criativa do Brasil. Aos 72 anos, Claudia Leitão segue acreditando na cultura que mobiliza desejos e gera vida, muita vida.

 

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