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Quadra chuvosa gera demanda redobrada em manutenção de viadutos em Fortaleza
Reportagem

Quadra chuvosa gera demanda redobrada em manutenção de viadutos em Fortaleza

Após surgimento de buraco e rachaduras no viaduto da Avenida Oliveira Paiva, que passa por cima da BR-116, especialistas discutem a função das construções nos espaços urbanos
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Viaduto das avenidas Antônio Sales e Engenheiro Santana Júnior foi alvo de polêmica na época da construção (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Viaduto das avenidas Antônio Sales e Engenheiro Santana Júnior foi alvo de polêmica na época da construção

Pedestre, ciclista, passageiro ou motorista. A mobilidade urbana afeta a todos de alguma forma. Sob cenário de chuva, os problemas acabam ficando ainda mais expostos. Que transitava pelo viaduto da Oliveira Paiva, sobre a BR-116 no dia 28 de março, se deparou com a conjuntura perigosa, que gerou congestionamento e perigos: surgiram um buraco em pleno asfalto da via. Mais que isso, formaram-se rachaduras. Defesa Civil, Prefeitura de Fortaleza, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e Polícia Rodoviária Federal (PRF) foram acionados para fazer reparos e evitar riscos maiores.

BURACO abriu após as fortes chuvas de segunda-feira, 28
Foto: FábIO LIMA
BURACO abriu após as fortes chuvas de segunda-feira, 28

Diante da cena, comum em vias urbanas, mas chamativa sobre um viaduto, O POVO conversou com especialistas em mobilidade para discutir o papel das construções na malha da Capital. E se a combinação deles com chuvas representam risco à população.

O viaduto da Oliveira Paiva remonta à década de 1970. De acordo com Joaquim Mota, professor do departamento de Engenharia Estrutural e Construção Civil, a interrupção do tráfego no viaduto da Oliveira Paiva não se deveu a ano na estrutura de concreto do viaduto, mas à erosão parcial e localizada do seu aterro de acesso, que seria o trecho sobre terra compactada ligado viaduto.

“Entre os espaços do aterro de acesso e o viaduto (estrutura de concreto), há uma separação chamada de junta, que deve permitir a movimentação independente do aterro e da estrutura do viaduto, e ao mesmo tempo evitar a percolação ou fluxo de água na interface”, aponta.

Para o engenheiro, em obras urbanas, esta região da junta é submetida a um tráfego intenso com o impacto das rodas do veículo provocando vibração na estrutura do viaduto levando ao desgaste precoce da pavimentação. “Estas patologias podem ser agravadas pela ação erosiva da água de chuvas intensas que provocam o carreamento do material do aterro, desestabilizando a estrutura e criando crateras que exigem a interrupção do tráfego para prevenir acidentes e fazer a devida recuperação”

Função do viaduto

Os viadutos são soluções de Engenharia e são classificados como “Obras de Arte Especiais ou OAEs”. A professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Nadia Zurba, relata que, em geral, a construção de viadutos acompanha o crescimento populacional e a expansão da malha urbana de uma cidade.

Fortaleza, Ce, BR - 21.06.2021 Imagem aérea do viaduto do cocó (Fco Fontenele / O POVO)
Foto: FCO FONTENELE
Fortaleza, Ce, BR - 21.06.2021 Imagem aérea do viaduto do cocó (Fco Fontenele / O POVO)

“Repare que a conectividade na malha viária produzida pelos viadutos é essencial para ligar diferentes lugares, proporcionar a comunicação espacial, acesso, mobilidade e segurança viária (SV), diante de um alto tráfego de pessoas e cargas, com impactos socioeconômicos na região”, disse Nadia, que é membro da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)

A professora acredita que, em período como a atual quadra chuvosa em Fortaleza, é preciso ter atenção aos riscos na segurança viária dos viadutos, visto o volume de chuvas e a incidência de ventos e raios aumenta. "Compreende-se um conjunto de riscos que pode produzir defeitos ou falhas sobre tais estruturas e, em alguns casos, causar a interdição, emergencial e/ou permanente”.

A norma ABNT recomenda que a gestão da segurança viária envolva liderança e comprometimento com o planejamento de ações para tratar de riscos da operação e realizar avaliação de desempenho do sistema viário, além de assegurar o atendimento tempestivamente.

"Em situações extraordinárias, tal como vem ocorrendo na presente quadra chuvosa, podemos observar um agravamento dos problemas gerados pelos referidos fatores de risco. A ocorrência de inundações, alagamentos, queda de árvores, falta de sinalização devido a panes elétricas, engarrafamentos e formação de buracos na pista. Isso gera um sinal de alerta para as OAEs e mitigação de riscos sobre a segurança viária dos viadutos."

Diferentes jurisdições incidem sobre a gestão da estrutura, que pode ser equipamento mantido pelo poder municipal, estadual ou federal, cada uma com respectivas competências. Nadia alerta para a necessidade constante de adequação dos viadutos aos fatores de desempenho, ao suporte e às suas melhorias operacionais.

Realizar inspeções

Conforme o engenheiro Joaquim Mota, o poder público deve realizar inspeções nas construções, no mínimo, anualmente. “As pontes e viadutos constituem um patrimônio de elevado valor econômico e social e precisam receber a atenção do poder público. Cabe a ele preservar e garantir a operacionalidade com segurança dos melhoramentos dos sistemas viários.“

Joaquim explica que, durante as vistorias, é preciso atribuir notas de avaliação sobre a segurança estrutural, riscos para o usuário e durabilidade da obra. “Estes relatórios devem ser cadastrados em um sistema de gestão automatizado para que os órgãos públicos possam fazer o planejamento das obras de manutenção preventivas e corretivas”.

No projeto e na construção dos viadutos devem ser garantidos a segurança estrutural, o conforto do usuário e a durabilidade compatível com o investimento financeiro. “A não manutenção dessas estruturas pode gerar riscos inaceitáveis para o usuário, além de prejuízos aos cofres públicos, porque os custos de recuperação aumentam exponencialmente quando intervenções preventivas não são executadas”, explica o professor.

Em obras mais importantes é necessário um planejamento das inspeções periódicas e de um monitoramento. “Com relação a durabilidade é importante avaliar o grau de agressividade do local de implantação da obra. Em caso de obras em zonas costeiras, com ação forte da maresia, há uma exigência maior para a utilização de concretos especiais com maior resistência ao ataque de cloretos”.

A arquiteta Nadia complementa ao ressaltar a necessidade de obras preventivas de drenagem, recapeamento das pistas e melhora constantemente da sinalização no entorno dos viadutos da cidade, minimizando os impactos e riscos ambientais. “A execução de obras complementares para um sistema resiliente de viadutos é uma estratégia prudente, útil na gestão de Obras de Arte Especiais e tornar Fortaleza uma cidade mais inteligente.”

Viaduto é a melhor solução para os problemas de mobilidade?

Autor do artigo "Parem de construir viadutos para resolver problemas de mobilidade", o arquiteto e mestrando em Engenharia Civil, Ruan Amaral argumenta que os viadutos podem ser responsáveis por gerar ainda mais fluxo de trânsito, contradizendo a ideia inicial de melhor o fluxo rodoviário. 

Em entrevista ao O POVO, ele argumenta que o caminho para melhora na mobilidade urbana passa por investimento em transporte público de qualidade e em condições para modais alternativos, como a bicicleta.

Ruan Amaral, arquiteto e mestrando em Engenharia Civil, fala sobre viadutos e mobilidade urbana(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Ruan Amaral, arquiteto e mestrando em Engenharia Civil, fala sobre viadutos e mobilidade urbana

O POVO: Os viadutos são projetados para solucionar problemas de mobilidade urbana? Eles conseguem de fato?

Ruan Amaral: Sim. Em geral, esse tipo de solução busca transpor obstáculos físicos, como as próprias ruas e avenidas. A premissa básica é que ao não interromper o fluxo de veículos em circulação, você consegue fazer com que eles trafeguem mais rápido gerando um ganho de mobilidade. Também são, em certa medida, eficientes para a segurança viária, reduzindo o número de cruzamentos nas vias e diminuindo o número de sinistros. Mas existe um problema na implantação desse tipo de solução: além de ser muito cara, ela causa diversos impactos na cidade e não necessariamente vai solucionar o problema de mobilidade urbana.

OP: Por quê?

Ruan: Uma das maiores causas dos problemas de mobilidade urbana nas cidades é o aumento significativo no número de veículos de transporte individual motorizado, como carros e motocicletas. Em todas as capitais do país o número de automóveis cresceu significativamente nesse século, inclusive Fortaleza.

O que vem sendo demonstrado é que por mais que os governos tenham priorizado esse tipo de solução nas cidades, principalmente para evitar congestionamentos, o crescimento da frota é muito superior a capacidade de atendimento da solução e eventualmente, o trânsito volta a ficar congestionado novamente.

OP: Como os viadutos determinam a expansão de cidades brasileiras?

Ruan: Existem alguns estudos que correlacionam a expansão viária com o crescimento das cidades, e não em termos de população, e sim de espaço. Eu falei um pouco sobre isso no meu último artigo para o Caos Planejado. Ao ampliar uma avenida ou construir um viaduto, o gestor público acaba indicando um vetor de crescimento e, consequentemente, de expansão urbana. Só que isso acaba aumentando os custos para prover tanta infraestrutura, água, luz, esgoto e transporte. Chamamos isso geralmente de “espraiamento urbano”, uma derivação de um fenômeno que foi muito comum nos Estados Unidos, chamado de Urban Sprawl.

OP: No seu artigo, você defende que em alguns casos, a instalação do viaduto pode piorar a situação local. Por quê? Você poderia explicar um pouco mais o que seria a “demanda induzida”?

Ruan: Sim, um exemplo claro de piora da situação local no Brasil foi a construção do Minhocão em São Paulo, e do Elevado da Perimetral no Rio de Janeiro. Não somente o problema de mobilidade não foi resolvido por causa do aumento da frota de veículos constante, como também acaba gerando impacto no comércio e nas habitações.

Procure imaginar a rua como você mora hoje e imagine o que aconteceria se, de repente, aparecesse um viaduto cruzando a sua casa. Uma das coisas principais é que por mais que seja bom para o motorista de automóvel, a solução para o pedestre se torna mais problemática. Viadutos acabam não sendo convidativos para a população que se desloca a pé ou de bicicleta. Além disso, têm diversos outros impactos, como a desapropriação de imóveis.

A demanda induzida, acontece a partir do momento que você faz uma melhoria em um trecho viário e acaba atraindo mais veículos para se deslocarem por aquele trecho. Naturalmente, o trânsito acaba se dissipando por diversas vias, mas quando uma grande obra é inaugurada ela acaba atraindo aquele trânsito que antes era dissipado, podendo gerar o fenômeno.

Como o trecho inaugurado apresenta uma melhora no deslocamento dos veículos automotivos, mais pessoas passam a querer andar por ali, soma-se isso o crescimento da frota e, em poucos anos, pode ser possível notar a volta dos congestionamentos.

OP: Ao invés de grandes e caras obras como os viadutos, quais podem ser as possíveis soluções para os problemas da mobilidade urbana?

Ruan: A resposta é mais simples do que se pensa. Nenhuma solução que tenha como premissa sanar os problemas de mobilidade urbana vai ser possível se não tiver como compromisso reduzir o número de viagens em veículos de transporte individual motorizado, principalmente de automóveis. Atualmente, em média, cada viagem conta com um valor inferior a 1,5 passageiros por veículo.

Com o crescimento constante da frota nas cidades o número de viagens de automóveis também tem aumentando significativamente. Paralelamente, o transporte público vem perdendo cada vez mais passageiros. Então, é preciso principalmente investir em transporte público e em modos de deslocamento não-motorizados, como a bicicleta.

Fortaleza, Ce, BR - 21.06.2021 Imagem aérea do viaduto do cocó (Fco Fontenele / O POVO)
Foto: FCO FONTENELE
Fortaleza, Ce, BR - 21.06.2021 Imagem aérea do viaduto do cocó (Fco Fontenele / O POVO)

A cada duas pessoas, Fortaleza tem um veículo

Estima-se que a população de Fortaleza seja de 2.703.391 pessoas [2021]. Há dois anos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contabilizou 1.156.849 veículos na Capital. Desse valor, 614.927 eram automóveis, 319.797 eram motocicletas e 73.551 eram caminhonetes. É mais que um veículo para cada duas pessoas adultas na cidade.

Segundo o IBGE, Fortaleza ocupa a sétima posição no ranking de cidades com maior frota de veículos, sendo a líder no Nordeste. 

  1. São Paulo (SP) - 8761213 veículos;
  2. Rio de Janeiro (RJ) - 2950213;
  3. Belo Horizonte (MG) - 2274465;
  4. Brasília (DF) - 1934210;
  5. Curitiba (PR) - 1622891;
  6. Goiânia (GO) - 1230339;
  7. Fortaleza (CE) 1156849;
  8. Salvador (BA) 964263;
  9. Campinas (SP) - 922266;
  10. Porto Alegre (RS) - 891520.

Com uma área territorial de 312,353 km² e uma população estimada de 2.703.391 pessoas, Fortaleza tem uma densidade demográfica de 7.786,44 habitantes/km². Esse cálculo é feito em relação à distribuição da população em uma determinada área. Salvador, que ocupa a oitava posição, possui uma área da unidade territorial corresponde a 693,453 km², uma população estimada de 2.900.319 pessoas e uma densidade demográfica de 3.859,44 habitantes/km².

Viadutos podem ser municipais, estadual e federais

Governo do Ceará

A Superintendência de Obras Públicas (SOP), pelo Estado do Ceará, informou realizar periodicamente a manutenção e as vistorias nos respectivos equipamentos. Em Fortaleza, sob sua jurisdição do Estado, existem os seguintes viadutos:

  • CE-040 (Messejana);
  • CE-040 com CE-403 (Próximo a Leroy Merlin);
  • CE-025 com CE-040 (Próximo a entrada do Cambeba);
  • CE-025 com CE-010;
  • CE-040 com CE-010 (Anel Viário);
  • Avenida do Aeroporto (CE-401) perto do Atacadão.

Governo Federal

A Dnit informou que quanto aos reparos e manutenções nos viadutos mantidos pelo Governo Federal, não há uma periodicidade pré-definida. Além disso, os serviços de manutenção acontecem após o surgimento de um problema.

"As equipes estão sempre visitando os diversos trechos rodoviários, continuamente, verificando as suas condições para avaliar a necessidade de eventuais intervenções. Mas não há um intervalo de tempo definido, tendo em vista que são muitos e diferentes quilômetros a serem vistoriados", informou a Dnit.

Rodovia Federal: BR-116/CE (km 0,00 ao km 54,00)

  • Avenida Borges de Melo - 1,30 Km
  • Av. Governador Raul Barbosa - 3,50 Km
  • Av. Oliveira Paiva - 5,80 Km
  • Ministro José Américo (Cambeba) - 7,30 Km
  • Rua Padre Pedro de Alencar (FAE) - 11,80 Km
  • Retorno de Itaitinga - 25,80 Km

Rodovia Federal: BR-222/CE (Km 0,00 ao Km 122,60)

  • Linha Férrea (Metrô de Caucaia) - 3,40 KM
  • Tabapuá - 5,40 Km
  • Linha Férrea (Ferrovia Transnordestina Logística - FTLSA) - 9,10 Km
  • Av. da Integração/ Av. Contorno Leste (Metrópole) - 9,80 Km
  • Entroncamento BR-020/BR-222 - 11,40 Km
  • Linha Férrea (FTLSA) - 23,80 Km
  • Linha Férrea (FTLSA) - 35,50 Km
  • Linha Férrea (FTLSA) - Localidade dos Frios - 82,00 Km

Rodovia Federal: BR-020/CE - Anel Viário (Km 406,60 ao Km 432,90)

  • CE-065 - 414,60 Km
  • Linha Férrea (Metrofor) - 417,70 Km
  • CE-060 - 419,30 Km
  • BR-116 - 429,40 Km
  • CE-040 - 432,90 Km

Prefeitura Municipal de Fortaleza

A Secretaria de Gestão Regional (Seger), enviou a lista de viadutos mantidos pela Prefeitura de Fortaleza.

  • Av. Leste-Oeste sobre a Av. Alberto Nepomuceno;
  • Av. Santos Dumont sobre a Av. Eng. Santana Junior;
  • Via Expressa sobre a Av. Virgílio Távora;
  • Via Expressa sobre a Av. Ant. Sales;
  • Av. Pe. Antônio Tomás sobre a Av. Eng. Santana Junior;
  • Perimetral, no Mondubim;
  • Av. José Jatahy sobre a Av. José Bastos;
  • Av. Nereu Ramos sobre a Av. Cônego De Castro;
  • Av. Cel. Matos Dourado sobre a Mister Hull;
  • Av. General Sampaio sobre a Av. Leste-Oeste;
  • Via Expressa sobre a Av. Professor Silas Ribeiro.
  • Av. Treze de Maio sobre Aguanambi;
  • Av. Osório de Paiva sobre a Av. Carlos Amora;
  • Av. José Tavares sobre a Av. Cônego de Castro
  • Av. Alberto Craveiro sobre a BR-116
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