Os dois anos fora da escola deixaram diversas marcas nos estudantes cearenses, principalmente na aprendizagem. As lacunas ainda estão sendo analisadas e os municípios do Ceará buscam maneiras de diminuir os impactos negativos, principalmente junto aos alunos da educação básica. Com o objetivo de ajudar nessa recuperação, o governo estadual lançou o Pacto pela Aprendizagem, que prevê o repasse de verbas e equipamentos para municípios.
O investimento anunciado ainda pelo ex-governador Camilo Santana (PT), em agosto de 2021, começou a ser utilizado pelos municípios neste ano. Todas as secretarias de educação já apresentaram planos sobre como irão dividir a verba entre as necessidades das redes públicas municipais após o período de ensino remoto.
Os R$ 130 milhões anunciados como verba do pacto são divididos em duas categorias. A primeira serve para a compra de materiais que compõem kits tecnológicos, como notebooks, webcams, tripés, roteadores e impressoras, além de materiais didáticos. Para isso, foram destinados R$ 50 milhões. Os demais R$ 80 milhões estão sendo divididos entre os 184 municípios e só podem ser gastos com ações de infraestrutura para escolas ou de recuperação da aprendizagem dos alunos do ensino fundamental, do 1º ao 9º ano.
Após sete meses do decreto que regulamentou o pacto, 142 municípios receberam a primeira parcela do recurso, 21 ainda estão por receber e 21 ainda têm planos de trabalho — de apresentação obrigatória para o recebimento da verba — sendo analisados pela Secretaria da Educação do Estado (Seduc). Os dados foram repassados no dia 5 de abril. A Pasta foi procurada novamente para atualizar as informações, mas não respondeu.
O POVO procurou as cinco maiores e as cinco menores cidades do Ceará em população para entender como os gestores da educação desses municípios pretendem usar as verbas do pacto. Contratação de professores para aulas de reforço, reformas e compras de equipamentos estão entre os destinos mais comuns dados ao dinheiro.
Para o secretário de educação de Sobral, Herbert Lima, a verba é de "grande importância financeira", principalmente para municípios de pequeno e médio porte. Sobral é a quinta maior cidade do Estado, com aproximadamente 212.437 habitantes, segundo estimativa de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e teve aporte de R$ 500 mil.
Valor equivalente ao de Sobral foi destinado a Caucaia, Fortaleza, Juazeiro do Norte, Maracanaú e Crato, as maiores cidades do Estado. No entanto, a diferença no valor da verba reservada para os cinco menores municípios não foi tão menor. Isso acontece porque o Pacto Pela Aprendizagem estabeleceu o valor base de R$ 400 mil por município.
GOVERNADOR Camilo Santana e vice-governadora Izolda Cela participaram do lançamento do Pacto pela Aprendizagem
A regra fez com que cidades como Granjeiro, Guaramiranga, Baixio, Potiretama e Pacujá, recebessem uma verba maior do que ganhariam caso fosse levado em consideração apenas o tamanho das redes municipais, que não chegam a ter 2 mil alunos, cada. Desta forma, as cidades tiveram maior chance de implementar as principais ações requeridas pelo pacto.
Para Márcio Brito, secretário executivo da Seduc, essa medida visa diminuir a desigualdade educacional. “O pacto é uma iniciativa importante para que a gente possa reduzir o efeito da pandemia e o aumento da desigualdade educacional, para que a gente possa dar a todos os municípios, independentemente da sua fragilidade econômica, da sua situação territorial, condições necessárias para empreender um projeto de educação que possa promover equidade”, disse Márcio.
Apesar disso, no portal da transparência do Ceará, site em que é possível ver todos os convênios estabelecidos e vigentes, as cidades de Ibaretama e Mauriti aparecem com valores de repasse inferiores aos R$ 400 mil. As duas cidades devem receber cerca de R$ 154 mil e R$ 148 mil, respectivamente. Os municípios de Quiterianópolis e Pereiro têm, cada um, dois convênios — um com menos de R$ 100 mil e outros de valor maior, que juntos perfazem o valor-base. O secretário foi procurado para responder sobre essas divergências, mas não deu resposta até a publicação desta reportagem.
Seguindo as regras do convênio, pelo menos 20% do dinheiro deve ser destinado para a implementação do programa Mais Tempo Juntos. Ele consiste na “implementação do regime de tempo integral na rede municipal de ensino e apoio às atividades dos ciclos de recuperação”, como antecipa o decreto do Pacto. Os municípios, por sua vez, interpretaram isso como a necessidade de estabelecer aulas de reforço nas redes, principalmente nas áreas de português e matemática.
Dos 11 municípios procurados, nove explicaram que irão contratar professores por meio de bolsas para recuperar a aprendizagem dos alunos. O número de selecionados, o valor da bolsa, a carga horária e a duração do contrato é de responsabilidade de cada município. Por isso, em alguns locais, como Sobral, os professores devem receber R$ 600 por mês, e em Guaramiranga, R$ 1.100 mensais. Dois municípios não responderam sobre o que farão com o dinheiro: Fortaleza e Potiretama. As informações que constam nesta reportagem sobre Potiretama foram acessadas via Portal da Transparência.
Enquanto as maiores cidades focam mais nas bolsas, como Caucaia e Maracanaú —, que gastarão o dinheiro todo com o pagamento desses professores contratados —, municípios menores utilizam parte considerável do dinheiro para reformas estruturais na rede municipal. Baixio, por exemplo, investirá mais de R$ 300 mil na troca de telhados das escolas.
Apesar de deixar os municípios livres para diversas escolhas relacionadas à verba, o Pacto Pela Aprendizagem tem algumas regras sobre como o dinheiro pode ser utilizado. Márcio Brito, secretário executivo da Seduc, explica que os valores só podem ser empreendidos em aspectos que melhoram a vida dos alunos e dos professores diretamente. Por isso, só é possível utilizá-los para compras que vão beneficiar as escolas da rede, e não a própria Prefeitura ou a Secretaria de Educação municipais.
FORTALEZA,CE, BRASIL, 01.02.2022: Inicio do ano letivo na rede municipal de ensino. Escola Municipal Geisa Firmo Gonçalves, PlanaltoAyrton Senna. (Fotos: Fabio Lima/O POVO).
Para garantir que o dinheiro será utilizado de maneira adequada, os municípios precisaram entregar planos de trabalho, que então foram analisados por equipes técnicas da Seduc. Só com o projeto aprovado é que os municípios podem receber os valores acordados com o Estado. Diversas cidades tiveram inconsistências ou dificuldades para elaborar o plano e acabaram demorando mais para receber a verba.
Entre as 11 cidades que o O POVO procurou, esse foi o caso de Pacujá, Guaramiranga, Juazeiro do Norte e Baixio. No caso desta última, a cidade chegou a contratar um escritório de contabilidade apenas para a elaboração do plano, segundo a secretária de Educação do município, Ana Paula Ferreira de Farias.
Como o repasse das verbas do Estado é feito por convênio, Márcio Brito afirma que a prestação de contas será completamente informatizada. “Para cada fatura emitida dentro de um plano de trabalho aprovado, para que possam pagar um serviço ou uma compra, precisa ter uma autorização que a gente chama de OBT”, explica. Automaticamente, os documentos já são inseridos em um sistema chamado E-Parcerias, que pode ser acompanhado pela Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado (CGE).
Apesar dos esforços de milhares de professores em continuar proporcionando conteúdos educativos e aulas por meio da internet durante os anos de pandemia, a defasagem na aprendizagem dos alunos se tornou evidente após a volta das aulas presenciais. Para os secretários municipais de cidades do Ceará procurados pelo O POVO, as principais lacunas estão no conhecimento nas áreas de matemática e língua portuguesa.
FORTALEZA,CE, BRASIL, 01.02.2022: Inicio do ano letivo na rede municipal de ensino. Escola Municipal Geisa Firmo Gonçalves, PlanaltoAyrton Senna. (Fotos: Fabio Lima/O POVO).
“Estamos sentindo na pele esse tempo que os alunos ficaram fora da escola. Os alunos estão chegando com muitos déficits de aprendizagem. O ensino remoto na escola pública não foi tão eficaz”, admite o secretário municipal da educação de Pacujá, Breno Abreu. Ler, escrever, compreender textos e raciocinar logicamente são algumas das habilidades que não foram desenvolvidas da mesma forma caso os alunos estivessem na escola, lista Breno.
Para o coordenador das ações complementares da secretaria de educação de Maracanaú, Fábio Freire do Vale, os próximos anos serão de recuperação. "Eles passaram dois anos sem a presença do professor. E a grande maioria dos estudantes da escola pública não tem acesso a internet. Mesmo com o processo de distribuição de tablets e chips, foi difícil. Se para nós, adultos, é difícil, imagina para a criança.”
Além do aprendizado de componentes curriculares, os dirigentes da educação se preocupam com as habilidades sociais e a saúde psicológica dos alunos. Cícero Felipe Subrinho, chefe da pasta em Granjeiro, comenta que alunos que passaram por transições de modalidades de ensino durante a pandemia, ou seja, passaram do ensino infantil para os anos iniciais do fundamental, são os que mais preocupam.
“Quando a pandemia começou ele estava lá na base, na educação infantil, e veio socializar num mundo diferente do dele. A gente se deparou com uma dificuldade nessa questão de socialização desses pequenos”, conta Cícero. O mesmo acontece para alunos que saíram dos primeiros anos do ensino fundamental durante a pandemia e agora voltam já no meio dos anos finais. Não adianta, para a secretária de educação de Baixio, Ana Paula Farias, “retomar e não se importar com a parte humana”.
Foi por isso que municípios como Guaramiranga investiram na busca ativa de alunos, para entender as adversidades passadas durante a pandemia e construir uma volta às aulas inclusiva para vivências específicas. Por exemplo, de acordo com o secretário da educação da cidade, Mateus Reis, seis estudantes foram resistentes a voltar para a escola devido a já terem iniciado atividades laborais nos últimos dois anos como forma de complementar a renda familiar. A rede, neste caso, conseguiu convencê-los a voltar.
“Nós explicamos a importância do retorno à aula para esses seis alunos do nono ano do ensino fundamental. E a condição para eles voltarem foi não ficar em tempo integral”, explicou Reis. Em Guaramiranga, toda a rede municipal para o ensino fundamental já funciona em regime integral.
Com as dificuldades postas, o que resta aos gestores é entender e aplicar políticas públicas que diminuam o atraso no aprendizado. Exames diagnósticos próprios e promovidos pelo Estado, como o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece), aplicado no fim de março, são ferramentas importantes para que os chefes das pastas entendam como lidar com os próximos anos letivos.
“Apesar dessas fragilidades e dificuldades, não é completamente comprometedor de tal maneira que não possa ser recuperado. É possível gradativamente em 2022 e 2023 conseguir nivelar e recuperar o aprendizado”, opina Herbert Lima, secretário de educação de Sobral. Para ele, o resultado do Spaece aplicado no início do ano deve mostrar grandes lacunas no conhecimento dos alunos. No entanto, ele tem esperanças de que na prova avaliativa do fim do ano já seja possível ver mudanças significativas.
Como 20% da verba do Pacto Pela Aprendizagem deve ser utilizado para ampliar a carga horária dos alunos, grande parte dos municípios escolheram contratar professores para atividades de reforço. Para Luiza Aurélia Teixeira, parte do Conselho Estadual da Educação (CEE), os componentes curriculares escolhidos para as aulas de reforço — língua portuguesa e matemática — são estratégicos.
FORTALEZA,CE, BRASIL, 01.02.2022: Inicio do ano letivo na rede municipal de ensino. Escola Municipal Geisa Firmo Gonçalves, PlanaltoAyrton Senna. (Fotos: Fabio Lima/O POVO).
“É extremamente necessário. O aluno precisa ler e compreender para conseguir fazer as atividades de raciocínio lógico. Além disso, são dois componentes avaliados nos testes externos”, diz Luíza. Ela afirma que as aulas de reforço são componentes importantes para a recuperação das aprendizagens.
Luiza explica que a verba do pacto abre “um leque de possibilidades para os municípios”, que sentem dificuldade na ampliação ou implementação do tempo integral. O pagamento de bolsas para professores é essencial, segundo ela, para “apoiar o acompanhamento pedagógico” em áreas tão prejudicadas pela pandemia.
A conselheira, que também participou da formulação da política, defende que “a grande maioria dos municípios não estava preparada para a virtualização total” do ensino que precisou ser feita durante a pandemia. Por isso, ela também vê importância do uso do dinheiro do pacto para kits que ajudem na informatização das escolas, consistindo na compra de notebooks, webcams, tripés, roteadores e impressoras.
Os kits, no entanto, ainda não foram entregues aos municípios. Márcio Brito, secretário executivo da Seduc, afirma que houve um problema na compra dos equipamentos devido à quantidade. “Primeiro foi pela falta de matéria prima por conta da Covid, depois devido a uma alta demanda de mercado”, explica. Ele afirma que os itens já foram comprados e devem ser distribuídos o quanto antes.
Fortaleza
R$ 494.750 (plano de trabalho em análise)
Não respondeu como pretende utilizar o dinheiro.
Caucaia
R$ 493.250,00 (recebido: R$ 369.937,50)
Verba deve ser utilizada para contratação de professores por meio de bolsas.
Juazeiro do Norte
R$ 493.250 (plano de trabalho em análise)
Dinheiro será utilizado na contratação de professores, na aquisição de ventiladores e na impressão de material gráfico.
Maracanaú
R$ 496.500,00 (recebido: R$ 372.375,00)
Verba sendo utilizada para a contratação de professores para aulas de reforço.
Sobral
R$ 500.500,00 (nenhuma parcela paga)
Verba para aquisição de livros literários, de notebooks e de bolsas para professores.
Crato
R$ 493.250,00 (recebido: R$ 369.937,50)
Dinheiro utilizado para o pagamento de bolsas para professores e aquisição de materiais como impressoras e projetores multimídia.
Granjeiro
R$ 400 mil (recebido: R$ 300.000,00)
Verba utilizada para pagamento de bolsas e aquisição de equipamentos.
Guaramiranga
R$ 400 mil (nenhuma parcela paga)
Verba utilizada para pagamento de bolsas para professores, aquisição de equipamentos e de serviços gráficos.
Baixio
R$ 400 mil (convênio ainda não formalizado)
Verba utilizada para bolsas para professores e reforma dos telhados das escolas.
Potiretama
R$ 400 mil (recebido: R$ 300.000,00)
Verba utilizada para pagamentos de bolsas a professores e aquisição de ônibus escolar.
Pacujá
R$ 400 mil (plano de trabalho em análise)
Verba será utilizada para compra de materiais para reforço escolar, compra de impressoras e pagamento de bolsas a professores.