O sistema de terminais de ônibus de Fortaleza, que interligam diversas regiões da Cidade, completa 30 anos neste mês de julho de 2022. Os equipamentos permitem com que o passageiro viaje a vários locais da Capital pagando apenas uma passagem. Inicialmente com dois terminais (Antônio Bezerra e Messejana) em 1992, Fortalezal agora possui sete equipamentos de modelo fechado e dois abertos (Washington Soares e José Walter), além de um que está sendo construído na Praça do Sagrado Coração de Jesus (Centro).
O vice-presidente da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), Raimundo Rodrigues, destacou que a adoção do sistema de terminais levou à expansão das linhas, que passaram a interligar os bairros da Cidade. “Antes dos terminais, os usuários usufruíam, praticamente, apenas de linhas que iam em direção ao Centro. Com a implantação, mesmo que o passageiro tivesse que pegar dois ônibus, ele passou a pagar apenas uma passagem e também recebeu um lugar coberto, protegido do sol, e com mais segurança”, destaca Rodrigues, em nota.
O decorador Marcelo Santiago, 58, é um antigo frequentador das linhas de ônibus da Capital, conhecendo a logística antes mesmo da implantação dos equipamentos. Ele defende que o deslocamento na Cidade melhorou consideravelmente com os terminais, mas ainda aponta alguns pontos dos ônibus de Fortaleza que precisam de melhorias. “No fim de semana, as frotas são reduzidas, logo quando a Cidade fica vazia e há uma maior sensação de insegurança”, lamenta.
Já para o motorista José Maria Moreira Maia, 58, que trabalhou 36 anos nos ônibus urbanos de Fortaleza, a implementação dos terminais prejudicou os condutores. Ele explica que os profissionais acabam perdendo mais tempo com o processo de embarque e desembarque dos passageiros dentro dos equipamentos, em comparação com paradas comuns. Segundo ele, a demora acaba inviabilizando os horários de descanso.
Conhecido no meio profissional como seu Maia e natural de Itaiçaba, a 168 quilômetros de Fortaleza, o motorista conta que as empresas acabam pressionando os condutores a cumprir os horários preestabelecidos pela Etufor, mesmo que os atrasos aconteçam devido a fatores externos, fora do controle dos profisionais. “Todo motorista tem a hora do lanche, mas às vezes chega atrasado (ao terminal) e não tem tempo de comer ou ir ao banheiro”, reclama.
“Sem os terminais, dava para encaixar melhor os horários de descanso. É muita gente para transportar. No terminal do Siqueira, por exemplo, você perde dez minutos só para sair... Sem falar na volta, todo tempo engarrafada”, explica o homem. Ele acabou deixando o ofício no início de julho devido ao encerramento das atividades da empresa Fretcar no Ceará, mesmo com a proposta de ser incorporado por outras companhias que operam os ônibus da Capital.
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 18-07-2022: Motorista de ônibus José Maria Moreira Maia (Seu Maia) na sede do Sintro para os 30 anos de existência dos terminais de ônibus. (Foto: Samuel Setubal/ Especial para O Povo)
"Estou muito cansado do sistema, os carros não são novos como eram antes, agora estão muito usados e sucateados. Tínhamos uma frota boa, mas deixaram de comprar carros com a pandemia e eles começaram a ficar ruins, muito acabados. Além disso, Fortaleza está muito esburacada”, critica o homem, que também já está próximo de se aposentar.
“O condutor, sem um salário digno e condições de trabalho, não presta um bom serviço. Há uma perda de salário e eles (empresas de ônibus) não querem dar nenhum centavo, querem adiar as negociações para dezembro. A gente precisa ser bem pago para trabalhar com vontade e alegria”, enfatiza.
Em março de 1987, O POVO apontava que o usuário do transporte público precisava esperar quase 50 minutos pelos veículos e submeter-se ainda às “péssimas condições de higiene e superlotação dos ônibus”. Quatro anos depois, em 1991, Fortaleza era uma das capitais brasileiras com menor índice de mobilidade, em termos de transporte coletivo. Diante disso, o registro histórico apresenta a criação dos terminais de ônibus nos bairros como uma tentativa de evolução.
“Fortaleza poderá ganhar um sistema de transportes de fazer inveja às cidades mais desenvolvidas do mundo. O modelo, copiado da bem-sucedida experiência curitibana, transformou-se na “menina dos olhos” do Secretário de Transportes Municipal, Eliseu Becco. A ideia é modificar o atual fluxo de linhas de ônibus da Capital, descongestionando o Centro da Cidade e aumentando as opções de linha para o usuário”, narrava matéria do O POVO de novembro de 1991.
No primeiro dia de funcionamento do projeto, chamado de Sistema Integrado de Transporte (SIT), a marca registrada nas páginas do O POVO foi de “reclamações e desinformação''. “Pessoas apressadas abordavam umas às outras em busca de uma orientação correta. Uma vez informados, os passageiros saíam em disparada para alcançar os ônibus, causando tumulto na porta de embarque dos veículos”, narra matéria do dia 2 de julho de 1992.
Inicialmente, haviam nove linhas alimentadoras (saindo dos bairros) servindo o terminal de Messejana e mais três percursos que se destinam ao Centro. Passageiros ouvidos pelo O POVO relatavam descrença de que o sistema realmente pudesse ajudar a mobilidade urbana da Capital.
No início do ano de 1993, enquanto o sistema continuaria a ser expandido, houve um afundamento no terreno onde funcionaria o terminal de integração de transportes da Lagoa da Parangaba. “O afundamento das passarelas destinadas à circulação dos ônibus podia ser visto logo na entrada das instalações, ainda na parte externa, pela avenida José Bastos”, descreveu O POVO à época.
No fim de semana seguinte, a situação se repetiu nos terminais já instalados de Messejana e de Antônio Bezerra, onde a pavimentação começou a ceder com o peso dos coletivos. Já depois de um ano e meio da instalação dos primeiros terminais, o Sistema Integrado acumulava um déficit de cerca de CR$ 50 milhões — cerca de R$ 11,6 mil corrigidos pela inflação —, além de várias reclamações dos usuários do sistema.
Na época, o então secretário de Transportes, Tomás de Carvalho Rocha, argumentou que o sistema estava confirmando sua importância, atendendo itens como integração, tarifa única e Câmara de Compensação. “O sistema não se propõe a dar nenhuma garantia fora da lei de mercado. Não foi criado para enriquecer empresários, mas sim para atender à população”, enfatizou o gestor após as críticas.
Em 1994, dois anos após a instalação dos primeiros terminais, a população começou a gostar do serviço, apesar de ainda contestar alguns pontos. “Houve melhora evidente, reconhecida por 90% dos passageiros, conforme pesquisa realizada pela gerência do sistema nos seis terminais”, aponta o O POVO em matéria da época.
Um ano depois, contudo, O POVO publicou a seguinte manchete em seu caderno de Cidades: “Trânsito de Fortaleza está um caos”. “Os problemas de trânsito em Fortaleza se estendem por várias ruas e avenidas e se manifestam das mais variadas formas, desde grandes buracos a obras de saneamento, passando por ‘remendos’ precários no asfalto", apontou ao O POVO.
Presente na administração pública na época da implementação dos primeiros terminais de ônibus, João Belo — atualmente servidor público e técnico da Divisão de Planejamento da Etufor —, analisa que a chegada dos Sistema Integrado de Fortaleza (SIT-FOR) foi baseada com a troca de experiência com outros estados e capitais. Ele explica que foram implementados cerca de dez pontos chamados Postos de Controle, que tinham finalidade de acompanhar o início da operação.
O POVO: A partir de que demanda surgiram os terminais de ônibus de Fortaleza? Como foi esse processo de elaboração da proposta e implementação?
João Belo: A construção dos terminais de integração em Fortaleza surgiu após a troca de experiência com outros estados e capitais que já adotavam este modelo integrado à época, com o objetivo de oferecer um melhor atendimento para a população.
Naquele momento, a operação de transporte era deficitária, tendo em vista que a fiscalização do órgão gestor era limitada. Era necessário programar e acompanhar a execução das viagens, o que era realizado somente pelas empresas operadoras. Desta forma, a Prefeitura Municipal passou a intervir, para garantir um sistema mais adequado, previsível e confiável em relação a horários e cumprimento de itinerários.
Para implementar os terminais de integração, foi necessário analisar e estudar a viabilidade de um sistema integrado de transporte, bem como identificar o melhor local da cidade para o atendimento da população e otimização das viagens.
Para tanto, durante o seu planejamento, numa fase prévia, foram implementados cerca de dez pontos dos chamados Postos de Controle, que tinham a finalidade de acompanhar a operação, controlando os horários das linhas, e que levavam em consideração a maior demanda de passageiros.
Foi a partir da atuação nesses postos, que puderam ser definidas com mais precisão a localização adequada dos terminais, bem como as linhas que deveriam compor o sistema de terminais. O primeiro desafio foi o Terminal de Messejana e o do Antônio Bezerra, ambos implementados em julho de 1992, e que agora completam 30 anos. Logo em seguida, estudos tiveram início para a implantação de mais sete terminais.
O POVO: Qual foi o impacto dos terminais para a cidade? É possível estimar com dados da época em relação ao tempo de viagem, por exemplo?
João Belo: Os terminais de integração compõem o Sistema Integrado de Transporte de Fortaleza e apresentam como o maior benefício para o passageiro a possibilidade do pagamento de apenas uma tarifa. Além disso, a partir da implantação deste sistema, o usuário também passou a contar com a integração física dos ônibus, podendo realizar conexões entre linhas de maneira mais segura, em local coberto, monitorado e organizado, com infraestrutura de banheiros e lanchonetes, por exemplo.
A adoção do sistema de terminais também levou ao surgimento de novas linhas, que passaram a interligar diversas áreas de Fortaleza de maneira mais prática, evitando que o passageiro tenha que pegar diversos ônibus até chegar ao seu destino final, pagando por cada conexão.
Hoje, vale lembrar que os terminais se somam a outro benefício oferecido pela Prefeitura de Fortaleza, o Bilhete Único. Por meio dele, o passageiro pode pegar quantos ônibus quiser pagando apenas uma passagem, caso as trocas de linhas sejam realizadas dentro do período de duas horas. Além deste, a população pode contar com a Tarifa Social válida aos domingos, 13 de abril, 31 de dezembro e 1º de janeiro, bem como com a Hora Social de segunda à sexta, nos horários de menor demanda (9h às 11h e das 14h às 16h).
O POVO: Ao longo dos anos esse modelo se consolidou, conectando áreas diversas da cidade. Que avaliação é possível fazer desse período e quais os próximos passos para aperfeiçoar os terminais?
João Belo: O Sistema de Transporte de Fortaleza é dinâmico e, ao longo dos anos, passou por melhorias para adaptar-se à demanda de crescimento e deslocamento da população. Neste sentido, a Prefeitura de Fortaleza realizou, nestes 30 anos, a implementação de outras ações que, somadas ao sistema de integração, trazem maior fluidez e benefícios ao Sistema de Transporte Coletivo como um todo.
Exemplo disso, são os corredores exclusivos de ônibus (na Avenida Aguanambi e Bezerra de Menezes), bem como as faixas exclusivas, que dão prioridade ao transporte, evitando o conflito entre veículos de passeio e os ônibus. Hoje, a cidade conta com os sete terminais fechados (Siqueira, Messejana, Antônio Bezerra, Papicu, Conjunto Ceará, Parangaba e Lagoa) e dois terminais abertos (José Walter e Washington Soares), favorecendo os usuários.