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Os rompimentos mais marcantes da política no Ceará
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Os rompimentos mais marcantes da política no Ceará

O rompimento entre PDT e PT é mais um episódio da longa trajetória de conflitos entre ex-aliados que desenha a política no Ceará nas últimas quatro décadas
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Camilo Santana e Ciro Gomes antes do rompimento (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Camilo Santana e Ciro Gomes antes do rompimento

O que Capitão Wagner (União Brasil) tenta na eleição para governador do Ceará é algo que não ocorre há mais de seis décadas: uma candidatura nascida da oposição conquistar o Governo do Estado.

A última vez foi em 1958. A UDN, partido do então governador Paulo Sarasate, lançou Virgílio Távora para a sucessão. Mas, o vencedor foi Parsifal Barroso, do velho PTB. Quatro anos mais tarde, Virgílio costurou o que ficou conhecido como "União pelo Ceará", pacto entre os dois maiores partidos do Estado, UDN e PSD. Venceu a eleição. Logo depois veio a ditadura. De lá para cá, nunca mais uma força colocada pelas urnas na oposição e que tenha sido programaticamente contra o governo estabelecido conseguiu a vitória pelo Poder Executivo estadual.

Desde então, as alternâncias de poder ocorrem sempre a partir de rupturas internas nos grupos de situação. O governo muda de mão não por questões programáticas, mas por circunstâncias políticas: ambições incompatíveis, conflitos pessoais, vaidades.

Mais uma vez, uma grande ruptura no grupo governante se opera. Ciro Gomes e o PT de Camilo Santana baterão de frente nas urnas. Em ocasiões anteriores, isso nunca deu espaço para que forças externas chegassem ao poder. Wagner tenta isso pela primeira vez nesse período.

Os rompimentos foram responsáveis por construir as bases da atual política cearense. Foi assim quando Gonzaga Mota, em 1984, ao apoiar as "Diretas já", se distanciou dos coronéis que o alçaram ao poder. Ou quando Tasso Jereissati rompeu com o próprio Gonzaga Mota.

Na década seguinte, de dentro do tassismo surgiram nomes que tentaram confrontar o poder do antigo líder. Juraci Magalhães, antigo médico e articulador de campanha de Tasso, foi um dos primeiros. Sergio Machado foi um dos exemplos mais marcantes, pela antiga amizade entre eles.

Porém, houve um momento em que um grupo verdadeiramente opositor quase chegou ao poder. Foi em 2002, com José Airton Cirilo (PT). O grupo governista, liderado por Tasso, passou muito, muito perto de eleger Lúcio Alcântara no primeiro turno. No segundo turno, tudo mudou. A "onda Lula" varreu o País e o "Lula lá e José Airton cá" virou lema de uma das disputas mais acirradas que o Ceará já conheceu. Mas, esta característica inescapável do Ceará nas últimas décadas: do lado que ameaçou a ordem estabelecida estavam ex-aliados do governo, como o já citado Sergio Machado e Moroni Torgan, que havia sido vice de Tasso.

Em 2006, o Ceará conheceu uma alternância de poder — a última em décadas. Mas, com a característica, novamente, da ruptura interna. Cid Gomes foi eleito governador meses depois de romper com o então chefe do Poder Executivo, Lúcio Alcântara, da apertada vitória contra José Airton quatro anos antes. Até meses antes da eleição, havia indicados do grupo de Cid em cargos no coração do governo. O processo foi tumultuado e envolveu um enorme conflito dentro do próprio partido do governador, o PSDB, colocando ele contra Tasso. Lúcio se tornou dissidente dentro da própria sigla. Embora muito aprovado, perdeu no primeiro turno. No último dia de governo Lúcio, escrevi no O POVO sobre o período que teria início no dia seguinte, com a posse de Cid. O título era: "Alternância sem ruptura".

A última vez em que uma oposição teve chances de vitória foi em 2014. O modelo foi o de quase sempre: a ameaça partiu do então senador Eunício Oliveira. Ele havia sido um dos apoiadores mais importantes de Cid Gomes desde 2006, e desejava o apoio dele para a sucessão. Com a recusa, foi para o enfrentamento, deu muito trabalho no primeiro turno, mas perdeu no segundo.

Esses ciclos de alianças e rupturas construíram e transformaram as forças que disputam a hegemonia na política do Ceará. Em quase toda parte há adversários que já foram aliados e parceiros que eram inimigos. Circunstâncias e conveniências determinam as mudanças.

O rompimento com Lúcio aproximou os Ferreira Gomes de Eunício e do PT. O rompimento de Eunício abriu espaço para a ascensão petista. Agora, petistas e Eunício estão juntos contra Ciro Gomes, e ambos os blocos tentam atrair Tasso, que havia lançado e também rompeu com Lúcio.

Há ainda outras forças envolvidas, como Zezinho Albuquerque (Progressistas), que já foi aliado dos Ferreira Gomes, e rompeu junto com Camilo. Ou Domingos Filho (PSD), que já rompeu com os Ferreira Gomes, se recompôs e agora é imprescindível para Roberto Cláudio (PDT).

Enquanto essa briga transcorre, quem tenta se aproveitar é Capitão Wagner. Ele faz oposição ao grupo que está no poder há quase dez anos. Nesse período, já foi aliado do PT, de Eunício e de Tasso. Hoje com apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL), não esconde que tenta atrair dissidentes do governismo rachado, essa matéria-prima pela qual quase sempre passam as transformações na política cearense.

Gonzaga Mota e os coronéis

Posse de Gonzaga Mota como governador(Foto: Datadoc O POVO)
Foto: Datadoc O POVO Posse de Gonzaga Mota como governador

Um dos mais célebres pactos da história política cearense, o "acordo de Brasília" buscou conciliar os interesses dos coronéis Virgílio Távora, Adauto Bezerra e César Cals no fim da ditadura. Por indicação de Virgílio, Gonzaga Mota foi escolhido para concorrer a governador em 1982. Em 1984, contra o interesse dos padrinhos, ele se tornou o primeiro governador do Brasil a apoiar as "Diretas Já". Em 1986, lançou Tasso Jereissati a governador, contra os coronéis, representados por Adauto na disputa.

Tasso Jereissati e Gonzaga Mota

Posse de Tasso Jereissati, com Gonzaga Mota ao fundo(Foto: Datadoc O POVO)
Foto: Datadoc O POVO Posse de Tasso Jereissati, com Gonzaga Mota ao fundo

Após eleito e ao tomar posse, Tasso rompeu com Gonzaga Mota e passou a criticar a situação em que recebeu o Governo do Estado. Em 1998, Tasso e Gonzaga Mota foram adversários nas eleições estaduais, no que Mota chamou de confronto da jangada contra o Titanic. Anos depois, Mota se filiou ao PSDB de Tasso.

Juraci Magalhães e Ciro Gomes

Ciro Gomes e Juraci Magalhães(Foto: Mauri Melo, em 2/4/1990)
Foto: Mauri Melo, em 2/4/1990 Ciro Gomes e Juraci Magalhães

Por indicação de Tasso, Juraci Magalhães foi escolhido vice de Ciro Gomes na disputa pela Prefeitura de Fortaleza, em 1988. Ciro venceu uma disputa apertadíssima. Um ano e três meses depois, ele renunciou para concorrer a governador e deixou Juraci na Prefeitura. Na eleição, em 1990, Juraci, que era do PMDB, não apoiou Ciro, que foi para o PSDB. Fez campanha para o candidato apoiado pelo do partido, Paulo Lustosa. Ciro ganhou e, no governo, teve atritos com a administração municipal de Juraci.

Sergio Machado e Tasso

Tasso Jereissati balança bandeira da campanha dele e de Fernando Henrique Cardoso(Foto: Evilázio Bezerra, em 3/10/1994)
Foto: Evilázio Bezerra, em 3/10/1994 Tasso Jereissati balança bandeira da campanha dele e de Fernando Henrique Cardoso

Ciro foi escolhido para concorrer a governador em 1990 de forma surpreendente, pois o favorito do grupo era Sergio Machado, braço direito de Tasso no governo. Preterido, Machado virou deputado federal. Em 1994 foi eleito senador e, depois disso, acabou rompendo com o ex-amigo Tasso, numa das mais emblemáticas divisões do antigo grupo de empresários do CIC.

Tasso e Moroni

 

Moroni Torgan foi secretário da Segurança no primeiro governo Tasso (1987-1991). No segundo governo, foi vice-governador e o comandante da segurança, até 1997, quando estourou o escândalo de corrupção policial conhecido como caso França. Moroni perdeu a ascendência sobre a área, trocou o PSDB pelo antigo PFL e se tornou adversário de Tasso. Em 2004, quando Moroni concorria a prefeito, Tasso o tomou como alvo de duras críticas sobre o período em que foram aliados. Mas, se recompuseram em 2006 e Tasso o apoiou para o Senado. Mas, Moroni perdeu.

Luizianne e PT nacional

Luizianne toma posse, ao lado de Juraci Magalhães(Foto: Fco Fontenele, em 1º/1/2005)
Foto: Fco Fontenele, em 1º/1/2005 Luizianne toma posse, ao lado de Juraci Magalhães

Havia acordo nacional para o PT apoiar Inácio Arruda (PCdoB) para prefeito de Fortaleza. Mas, faltou combinar com a militância. Em votação apertadíssima, Luizianne Lins ganhou a indicação para ser candidata a prefeita. Líder nas pesquisas, Inácio teve, de todo modo, apoio de líderes petistas nacionais e locais, mas foi Luizianne quem foi para o 2º turno e acabou eleita, desta vez com apoio de todo o PT e de Inácio.

Tasso e Lúcio

Tasso Jereissati, ao se preparar para o discurso em que rompeu com Lúcio(Foto: Evilázio Bezerra, em 3/4/2006)
Foto: Evilázio Bezerra, em 3/4/2006 Tasso Jereissati, ao se preparar para o discurso em que rompeu com Lúcio

Tasso fez uma das campanhas mais duras da trajetória dele para eleger Lúcio Alcântara em 2002. Em 2006, porém, os dois romperam. O senador tentou convencer Lúcio a não disputar a reeleição. O então governador não aceitou. Houve um rompimento público, no qual Tasso denunciou "interferências domésticas" no governo. Lúcio disputou a reeleição, mas perdeu e saiu do PSDB. Depois voltou.

Tasso e Cid Gomes

Tasso Jereissati e Cid Gomes(Foto: Aurélio Alves, em 19/11/2018)
Foto: Aurélio Alves, em 19/11/2018 Tasso Jereissati e Cid Gomes

Havia uma disputa pelas duas vagas de candidato ao Senado na chapa de Cid Gomes à reeleição. Uma era de Eunício Oliveira (MDB). Cid queria Tasso na outra. Talvez numa aliança informal. Mas, o PT insistia no lançamento de José Pimentel. Lula visitou o Ceará e defendeu o nome do petista. Tasso cansou de esperar, rompeu com o grupo governista e lançou Marcos Cals a governador. Cid foi reeleito e Eunício e Pimentel viraram senadores. Passada a eleição, Cid disse que Tasso se precipitou ao romper.

Cid e Luizianne

Cid Gomes e Luizianne Lins(Foto: Edimar Soares, em 27/2/2012)
Foto: Edimar Soares, em 27/2/2012 Cid Gomes e Luizianne Lins

Cid agradecia a Luizianne pelo apoio do PT em 2006. Em retribuição, apoiou a reeleição dela em 2008, contra Ciro, que fez campanha para Patrícia Saboya. Para 2012, na reeleição de Luizianne, Cid disse que não tinha mais compromisso. Até sugeriu nomes dentro do PT que concordava em apoiar. Mas, Luizianne escolheu Elmano Freitas como postulante à sucessão. Cid rompeu e lançou Roberto Cláudio, que foi eleito prefeito.

Eunício e Cid

Eunício Oliveira e Cid Gomes(Foto: Iana Soares, 2010)
Foto: Iana Soares, 2010 Eunício Oliveira e Cid Gomes

Eunício Oliveira esperava e não teve apoio de Cid para a sucessão. Rompeu e se lançou candidato a governador. Cid apoiou Camilo Santana (PT), que foi vitorioso.

Camilo e Ciro

Camilo Santana e Ciro Gomes(Foto: Evilázio Bezerra, em 4/6/2017)
Foto: Evilázio Bezerra, em 4/6/2017 Camilo Santana e Ciro Gomes

Chega-se à eleição atual. Camilo renunciou, deixou Izolda Cela no governo e queria que ela fosse candidata à reeleição. Sob comando de Ciro Gomes, o PDT escolheu Roberto Cláudio para concorrer. Izolda se desfiliou e o PT lançou Elmano Freitas a governador, em articulação de Camilo.

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