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Baixa vacinação: retorno de doenças "controladas" é um risco
Reportagem

Baixa vacinação: retorno de doenças "controladas" é um risco

Por que a população se vacina menos do que há alguns anos atrás? Veja os riscos de surtos de doenças consideradas controladas ou erradicadas, como o sarampo e a poliomielite
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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 10-08-2022: Na foto, Alderico Neto, secretário da Cultura de Reriutaba, que teve poliomielite. (foto: Fernanda Barros/ O Povo) (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 10-08-2022: Na foto, Alderico Neto, secretário da Cultura de Reriutaba, que teve poliomielite. (foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Desde o início da pandemia da Covid-19, em 2020, muito se falou em imunidade coletiva, taxa de cobertura vacinal. Pode-se dizer que a imunização é barreira para proteger a população contra a "invasão" de vírus. Quanto mais pessoas estão vacinadas, menor o risco de os organismos atravessarem essa proteção e circularem entre esses indivíduos, causando doenças. Nos últimos anos, contudo, a queda da vacinação contra doenças como poliomielite e sarampo preocupa. Para pesquisadores, o risco de surtos é real. Por que baixamos a guarda?

A cobertura da tríplice viral — contra sarampo, rubéola e caxumba —, por exemplo, se manteve em 100% do público alvo entre os anos de 2010 e 2014 no Brasil. Em 2015, a taxa começou a cair, chegando a 73% em 2021. A cobertura neste ano está em 49,61%. A meta é de pelo menos 95%.

No caso do imunobiológico contra a pólio, a aplicação flutuou entre 97% e 100% da população entre 2011 e 2015 no País. Houve queda brusca em 2016, descendo a 84% e, em 2021, atingiu 69%. Até o momento, a cobertura em 2022 é de 47,53%. 

Apesar de o avanço da Covid-19 ter afetado negativamente o quadro de cobertura vacinal, essa não é a única razão, como pode-se ver pelo ano de início do declínio nas taxas. "A imunização no Brasil é vítima do seu próprio sucesso", afirma Tati Andrade, médica pediatra e especialista em Saúde do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para o Semiárido.

Ela explica: o Brasil foi um exemplo por causa do Programa Nacional de Imunização (PNI), mas, com o tempo, "as pessoas passaram a não ver mais as doenças e, com isso, a não ter medo".

"As campanhas de multivacinação que ocorriam aos sábados foram exemplo para vários países. No Brasil, desde 2015 começaram a cair bastante", lembra a médica, que participou da implantação dos Programas de Agentes de Saúde e de Saúde da Família no Ceará. 

O médico pediatra Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), cita os três "Cs" apontados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que levam à hesitação em se proteger com as vacinas. O primeiro fator é a "complacência", uma falsa sensação de segurança com relação ao controle das doenças, como citado por Tati Andrade.

O segundo termo é a "confiança" — não só na vacina em si, mas também nos governos e nas instituições de saúde —, situação que piorou com a pandemia. O outro ponto é a "conveniência", ligado à estrutura física e aos recursos humanos, que envolvem questões como o horário de atendimento dos postos de vacinação, funcionamento aos fins de semana e à noite. 

Ele cita que, com a pandemia da Covid-19, a desinformação com as "fake news" atingiram uma "proporção absurda". "Isso impactou as coberturas das vacinas Covid, em especial para alguns grupos, como as crianças, mas de todas as outras vacinas também", relaciona Juarez Cunha.

O Brasil ganhou o certificado de eliminação do sarampo em 2016, mas o vírus retornou em razão das baixas coberturas em 2018. "Então, o principal risco — que a gente tem muito receio — é o sarampo. De aumentar mais ainda, né? Outra doença é a pólio, eliminada, que a gente tem visto em vários locais do mundo", alerta. Tanto sarampo, quanto poliomielite já causaram milhões de mortes do mundo.

O Brasil não registra casos de pólio desde 1989. Em 1994, recebeu da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) a certificação de área livre de circulação do poliovírus selvagem, em conjunto com todo o continente americano.

No dia 21 de julho, há aproximadamente um mês, foi confirmado o primeiro caso de poliomielite nos Estados Unidos em quase uma década. O último caso confirmado do vírus ocorrera em 2013. Conforme as autoridades de saúde de Nova York, o paciente é um jovem adulto não vacinado.

Como impedir o retorno das doenças e novos surtos? 

Abrir postos aos fins de semana, realizar busca ativa, comunicar de forma clara. Para quem já tem algumas décadas de vida: quem não se lembra do Zé Gotinha? A figura emblemática fez diferença para que o País alcançasse altas taxas de cobertura vacinal. Esse é um exemplo de comunicação efetiva com a população, um dos pontos decisivos para voltar a ter bons índices de imunização.

Zé Gotinha foi uma estratégia eficiente de comunicação sobre vacina para crianças
Foto: Divulgação
Zé Gotinha foi uma estratégia eficiente de comunicação sobre vacina para crianças

"O Zé Gotinha continua sendo a marca do sucesso de vacinação no país, né? Quando a gente tinha a campanha de vacinação era uma festa porque todo mundo participava", destaca Juarez Cunha, médico pediatra e presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Para chamar a atenção da população, ele lembra que a campanha contava com o apoio incisivo de diversas autoridades e artistas enfatizando a importância do processo. 

Para Tati Andrade, médica pediatra e especialista em Saúde do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para o Semiárido, a recomendação é que as unidades de saúde abram aos sábados. "As pessoas reclamam de unidades de saúde não estarem abertas todos os dias, o dia inteiro ofertando essas vacinas. A gente deve evitar oportunidades perdidas. Aproveitar enquanto a mãe já está no posto de saúde para fazer a vacinação", orienta.

Além disso, Juarez alerta que os profissionais precisam estar muito bem preparados para "passar recados de tranquilidade pra quem está usando", tirar dúvidas a respeito do processo imunização. Apesar de ser um dos mais completos e gratuitos do mundo, o calendário de vacinação brasileiro é bastante complexo, diz o presidente da SBIm. 

Na análise da epidemiologista Ana Brito, integrante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz (IAG/Fiocruz), discursos que desacreditam as vacinas prejudicam o processo.

"A gente tem é o tempo inteiro um Governo Federal desautorizando as medidas de prevenção, minimizando o impacto das doenças, o agravo das doenças principalmente nas populações infantis", critica.

  • Relembre o Zé Gotinha

O Zé Gotinha foi um personagem criado em 1986 pelo artista plástico Darlan Rosa para a campanha de vacinação contra o vírus da poliomielite. O principal objetivo era tornar as campanhas de vacinação mais atraentes para as crianças. O nome Zé Gotinha foi escolhido nacionalmente através de um concurso promovido pelo Ministério da Saúde com alunos de escolas de todo o Brasil. A divulgação da Campanha Nacional de Vacinação Contra a Poliomielite foi publicada em jornais e transmitida por TVs e rádios. 

A vida ultrapassando as barreiras da polio 

Alderico Magalhães Neto faz da própria família combustível para conquistar seus objetivos. Ele conta que a gratidão o ajudou a transpor as dificuldades impostas pelas sequelas da poliomielite. Autor de dois livros e graduado em Jornalismo, História e Geografia, ele atua como secretário da Cultura de Reriutaba, município a 285,7 km de Fortaleza.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 10-08-2022: Na foto, Alderico Neto, secretário da Cultura de Reriutaba, que teve poliomielite. (foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 10-08-2022: Na foto, Alderico Neto, secretário da Cultura de Reriutaba, que teve poliomielite. (foto: Fernanda Barros/ O Povo) (Foto: FERNANDA BARROS)

"A parte mais difícil foi enfrentada por meus pais. Receber o diagnóstico de poliomielite do primeiro filho aos seis meses de idade com certeza foi uma das piores momentos vividos por eles", relata. A descoberta foi em 1979.

"Tive uma febre muito alta e como estava tendo um surto de pólio naquela época… Meus pais me trouxeram de Reriutaba para Fortaleza pra o médico e logo na consulta souberam do diagnóstico", explica. Ele chegou a receber a primeira dose do imunizante, mas com a alta circulação do vírus, foi infectado antes de receber a dose de reforço.

"Claro que dificuldades enfrento todos os dias e em todas as fases da vida, mas muito maior que qualquer dificuldade é a minha força de vontade de superar. Essa minha força de vontade não é à toa, ela vem da minha gratidão! Como não posso ser grato a Deus, tendo os pais, irmãos e os filhos que tenho?", compartilha.

"Sei que ainda irei enfrentar muitos obstáculos até o fim da vida, mas tenho certeza que a minha vontade de viver e vencer qualquer obstáculo vai me fazer feliz até o fim dos meus dias", acrescenta.

Populações mais vulneráveis a novos surtos

Campanha de  Vacinação para Poliomielite, no Posto de saude Luis Costa, Bairro Benfica. (Foto: Aurelio Alves/ O POVO)(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Campanha de Vacinação para Poliomielite, no Posto de saude Luis Costa, Bairro Benfica. (Foto: Aurelio Alves/ O POVO)

Diversas determinantes influenciam para que determinado grupo seja mais suscetível à disseminação de uma doença. A pediatra Tati Andrade, da Unicef, frisa que as condições de habitação e socioeconômicas aumentam o risco de complicações de doenças.

"Sarampo pode dar cegueira, surdez, levar a quadros de desnutrição grave. Tem a ver com os determinantes de saúde, renda, moradia, condições de saneamento. Fatores determinantes para formas mais graves", exemplifica. Ela destaca que a questão da insegurança alimentar agravado nos últimos meses e coloca pessoas mais pobres em situação maior de risco. 

O vírus da poliomielite pode ser transmitido, dentre outras formas, por água contaminados com fezes de doentes ou portadores. Se uma família tem condições sanitárias ruins, há mais chances de o vírus se proliferar. 

  

Campanha de multivacinação no Brasil e em Fortaleza

Desde o dia 8 de agosto, teve início a Campanha Nacional de Vacinação contra a poliomielite e de multivacinação. São cerca de 40 mil salas de vacinação em todo o país abertas para aplicar doses de 18 tipos de imunizantes previstos no calendário nacional de vacinação para esse público. A campanha terminará em 9 de setembro. 

Campanha de  Vacinação para Poliomielite, no Posto de saude Luis Costa, Bairro Benfica. (Foto: Aurelio Alves/ O POVO)
Foto: Aurelio Alves
Campanha de Vacinação para Poliomielite, no Posto de saude Luis Costa, Bairro Benfica. (Foto: Aurelio Alves/ O POVO)

A vacinação contra a poliomielite é destinada para crianças menores de 5 anos. A multivacinação é para crianças e adolescentes menores de 15 anos. Segundo o Ministério, a partir dos três anos de idade, as vacinas de Covid-19 podem ser administradas de forma simultânea ou com qualquer intervalo com os demais imunizantes. 

Em Fortaleza, a aplicação das vacinas acontece nos 116 postos da Capital, de segunda a sexta-feira, das 7h30min às 18h30min. Até 9 de setembro, os postos de saúde estarão envolvidos também na campanha para atualizar as carteiras vacinais de crianças e adolescentes. Entre os imunizantes estão aqueles contra a hepatite, a meningite e o papilomavírus humano (HPV).

Dia D de Multivacinação será neste sábado em todos os postos. Ação acontece entre 8h e 16h30 com 14 imunizantes disponíveis para crianças e adolescentes. 

Crianças:

  • BCG (previne tuberculose)
  • Hepatite B (previne hepatite B)
  • Rotavírus (previne diarreia por rotavírus)
  • Pentavalente (previne Difteria, Tétano, Coqueluche, Meningite e outras infecções por Haemophilus influenzae tipo b e Hepatite B)
  • Pólio Inativada (previne poliomielite / paralisia infantil)
  • Pneumocócica 10 Valente (previne pneumonia causada pelo pneumococo)
  • Meningite C (previne doenças provocadas pela bactéria Neisseria Meningitidis do sorogrupo C, como meningite e a sepse)
  • Tríplice Viral (previne sarampo, caxumba e rubéola)
  • Hepatite A (evita hepatite A)
  • Varicela (previne varicela)
  • Pólio Oral (previne poliomielite ou paralisia infantil(
  • Tríplice Bacteriana (DTP) (previne Difteria, Tétano e Coqueluche)
  • Febre Amarela
  • HPV (ofertada para meninas entre 9 e 14 anos de idade) (previne cânceres do colo do útero e verrugas genitais)

Adolescentes:

  • HPV (revine cânceres do colo do útero, de pênis e verrugas genitais)
    Meningocócica ACWY (previne meningite e meningococcemia)
  • Hepatite B (previne hepatite B)
  • Dupla Bacteriana (previne difteria e tétano)
  • Tríplice viral (previne sarampo, caxumba e rubéola)

Documentos necessários:

É necessário comparecer aos postos com documento de identidade oficial com foto, cartão de vacinação e o cartão do SUS. Para acessar o cartão de vacinação, o download pode ser feito pelo aplicativo Mais Saúde Fortaleza. Na aba Vacinação é possível acessar as últimas vacinas aplicadas e as pendentes.

Serviço

Campanha contra poliomielite e de multivacinação de crianças e adolescentes

Período da campanha: 8 de agosto a 9 de setembro
Atendimento: segunda a sexta-feira
Horário: 7h30min às 18h30min 
Local: 116 postos de saúde de Fortaleza

Dia D” de multivacinação
Data: 20 de agosto (sábado)
Horário: 8h às 16h30min
Local: 116 postos de saúde de Fortaleza

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