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Cobertura de rede de esgotos chega a 67% das residências de Fortaleza
Reportagem

Cobertura de rede de esgotos chega a 67% das residências de Fortaleza

Percentual de cobertura de esgotamento cresce 8,5% em cinco anos e serviço está presente em dois terços dos domicílios da Capital
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Falta de cobertura de rede de esgoto pode ter consequência na saúde da população (Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima Falta de cobertura de rede de esgoto pode ter consequência na saúde da população

Maior qualidade de vida e preservação ambiental. Esses sãos alguns dos benefícios trazidos a quem está com a residência conectada ao sistema de esgotamento sanitário. Em Fortaleza, a cobertura da rede de esgoto está em 67% atualmente, o que significa que cerca de um terço da população ainda segue descoberta. Os dados foram divulgados pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) ao O POVO, nesta terça-feira, 6.

Segundo levantamento, a cobertura da rede de esgoto na Capital subiu 8,5% nos últimos cinco anos, indo de 61,73% em 2018 para 67% atualmente. Por trás do avanço desse índice, há problemas como a falta de conscientização popular e informalidade no despejo de dejetos por empresas. 

No geral, o índice de cobertura desse tipo de saneamento na Capital na última meia década foi de, conforme órgão: 2018 (61,73%), 2019 (62,44%), 2020 (66,64%), 2021 (66,50%) e 2022 (67%).

Ao O POVO, o presidente da Cagece, Neuri Freitas, explicou que o órgão tem encontrado grandes desafios quanto ao setor de financiamento. Quando perguntado se o índice de cobertura tem conseguido acompanhar o crescimento populacional do Ceará e de Fortaleza, o representante explica que os investimentos disponibilizados em âmbito federal não têm sido suficientes.

"O que a gente observa é que ao longo do tempo acabou acontecendo uma defasagem em todo pais, porque os investimentos não foram os suficientes para atender a necessidade que existe hoje em todas as cidades (brasileiras)", pontuou o diretor. 

No início do mês de agosto último, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) divulgou pesquisa do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis). Nesse levantamento, Fortaleza aparecia com o índice de cobertura em (55,3%) no período equivalente a 2020, sobre base de dados distinta.

No balanço, fazendo uma comparação entre todas as capitais nordestinas, Fortaleza aparece em terceiro lugar quanto ao índice de cobertura da rede de esgoto pública analisada há dois anos. A Capital fica abaixo apenas de João Pessoa (81,9%) e de Salvador (88,1%)

Contudo, Fortaleza aparece em 16° posição quando comparada às outras 26 metrópoles brasileiras. O melhor resultado foi encontrado em Curitiba (PR), cujo índice está em 99,9%. Já os piores foram computados nas capitais da Região Norte: Porto Velho/RO (5,2%), Manaus/AM (22,1%) e Rio Branco/AC (23,1%). 

No entanto, a assessoria da Cagece explicou, por ligação telefônica, que há muitas pesquisas que divergem da porcentagem atual e que por isso não condizem com a "realidade". Pelo acompanhamento oficial do órgão, a Cidade tinha em 2020 uma cobertura de 66,64%, como visto acima. 

Menos da metade dos cearenses têm acesso a rede

Em uma análise geral, analisando somente o levantamento divulgado pelo Snis, o Brasil tem apenas 55% da sua população morando em residências que têm acesso a rede pública de esgoto. Ou seja, somente cerca de metade dos brasileiros são atendidos por esse tipo de saneamento.

As regiões que apresentam os índices mais baixos, conforme dados de 2020, são Norte e Nordeste. Para Luana Pretto, Presidente Executiva do Trata Brasil, a fraca cobertura de esgoto nessas regiões, quando comparadas ao restante do País, pode ser vista como uma consequência da ausência de políticas públicas.

"Isso vem historicamente de um baixo investimento em recursos de saneamento básico (na região Norte e Nordeste). Esses investimentos são consequências de politicas públicas bem estruturadas", explica.

Na análise dos estados brasileiros, o Ceará aparece com o índice de atendimento urbano por rede de esgoto em menos de 50%. O que significa que menos da metade da população cearense tem acesso a esse tipo de saneamento básico.

Segundo o professor Michael Barbosa Viana, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), mesmo que a cobertura da rede de esgoto de Fortaleza, e consequentemente do Ceará, tenha aumentado nesses últimos anos, o processo de investimento não tem conseguido acompanhar o crescimento populacional. 

"De fato existe ainda um baixo investimento em esgotamento sanitário em Fortaleza e no Ceará. Melhorou muito nos últimos anos, mas a população tem crescido e os investimentos em esgotamento sanitário não têm acompanhado esse crescimento", destaca o docente.

Em entrevista ao O POVO, o presidente da Cagece, Neuri Freitas, reclamou da burocracia no financiamento ao setor. Segundo ele, a Companhia atende a cerca de 150 dos 184 municípios cearenses. 

A cobertura da rede de esgoto do Ceará, levando em conta apenas essas cidades, é atualmente de 44,23%, conforme dados disponibilizados pelo órgão. Nos últimos cinco anos anos, esse índice foi de: 2018 (42,38%), 2019 (42,79%), 2020 (44,59%), 2021 (44,83%) e 2022 (44,83%).

Neuri afirmou também que todas essas cidades atendidas pela Cagece devem cumprir o novo marco legal do saneamento, que fixou prazo até 2033 para que os municípios brasileiros garantam água e esgoto para pelo menos 90% de suas populações.

População busca alternativas; meio ambiente sofre consequências

O estudo do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) mostra ainda que os municípios com baixa cobertura de saneamento no Brasil costumam utilizar soluções alternativas para a ausência de rede de esgoto pública. No Nordeste, 562 das cidades usavam, até 2020, fossas sépticas, unidades de tratamento primário, e sumidouros, poços com abertura inferior instalado ao lado da fossa.

Rede de esgoto no Centro(Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima Rede de esgoto no Centro

De acordo com o professor Michael, essas soluções são encontradas muitas vezes como formas de suprir a ausência de tubulações públicas. Contudo, ações também ocorrem por motivos financeiros.

Isso porque o consumidor que tem a residência ligada no sistema de drenagem da Cagece paga 80% do volume faturado de água pelo serviço de coleta e tratamento do esgoto. A taxa mensal é cobrada por categorias e auxilia na manutenção do sistema.

Quem é proprietário de um imóvel comercial, por exemplo, tem tarifas de consumo mais altas do que os donos de residência. A informação é da própria Cagece. 

"Existem situações em que passam na rua ou na avenida tubulações de esgoto da Cagece, mas as pessoas não ligam na rede (da Cagece), aí o esgoto vai a céu aberto (...) Ou é ligado cladestinamente no sistema de drenagem", pontua o docente.

"(Uma) coisa que acaba gerando dificuldade é que a medida que você faz a rede de esgoto, muitos (moradores) não querem interligar. (...) No primeiro ano após a obra a gente só consegue 10% de ligação dos moradores", corrobora Neuri Freitas, presidente da Cagece.

Michael explica que, para ligar a tubulação de esgotamento na rede da Cagece, é preciso fazer um investimento nas instalações hidráulicas e nas residências, além da tarifa cobrada na conta. Segundo o especialista, esse seria outro fator a pesar, principalmente, no bolso da população mais vulnerável. 

Como muitas pessoas acabam não fazendo a ligação, a falta de recurso prejudica a manutenção do sistema, avalia o professor. Michael ainda destaca que a população tem o papel de fazer a ligação das tubulações de esgotamento de forma correta, pois, do contrário, o cenário acarreta em riscos para o meio ambiente. Além disso, quem realiza a ligação de forma clandestina está sujeito a sanções, como multas.

"Quando o esgoto é lançado diretamente na natureza, seja a céu aberto ou seja através do sistema de drenagem urbana (...), esse esgoto rico em impureza de natureza física, química e microbiológica pode alcançar as áreas subterrâneas, os rios, a praia", explica o docente.

Esses corpos de água que recebem o esgoto bruto de forma clandestina podem estar sendo utilizados de forma direta ou indireta pela população — o que, segundo Michael, acarretaria em um problema de saúde pública. "Além disso, o esgoto a céu aberto proporciona a proliferação de agentes causadores de doenças, como roedores e insetos", diz o professor, citando também o mau cheiro como consequência.

Estado precisa atuar no incentivo e na cobrança

O professor considera que essa conscientização deve ser estimulada por entes públicos. "Estados e municípios precisam investir em educação ambiental e sanitária, para que eles (população) tenham noção de fazer essa ligação de esgoto nas redes. Pra que eles tenham noção também de que devem cobrar pra que a rede de esgotamento passe em sua rua", destaca. 

Outro fator apontado pelo docente, é que pessoas em situações mais vulneráveis podem não conseguir pagar as tarifas. "Como estimulo, deve-se intensificar mais ainda as políticas de tarifas social para essas população, através de cobrança de valor inferior para população que tem menos condições financeiras pra pagar", pontua.

A Cagece atua com um sistema de categorias para cobrar taxas de consumo mediante o tipo de imóvel. Para entidades filantrópicas, por exemplo, há um valor de cobrança menor. No início deste ano, contudo, houve um reajuste médio de 6,69% nas tarifas, que elevou valor de percentuais cobrados.

Para Luana Pretto, presidente do Trata Brasil, é preciso também existir um plano que estipule quais são as obras necessárias para o avanço do serviço e que destinem recursos para que essas obras sejam executadas. Além disso, ela frisa também a importância dessas ações serem cobradas pelas agência reguladoras e pela própria população.

"É necessário que os contratos das companhias com o município sejam contratos claros, com metas estipuladas e que haja uma cobrança (...) dos avanços dos serviços", pontua Luana, destacando por fim a importância de existir uma fiscalização anual sobre o avanço desses serviços.

Projeção para 2025

Em julho deste ano, a Prefeitura divulgou a ligação da milésima casa à rede de esgoto, dentro do projeto Se Liga na Rede. A iniciativa tem o aporte de aproximadamente R$ 21 milhões do Banco Mundial e busca "impedir que o esgoto de moradias que ainda não estão interligadas à rede vá parar na orla marítima".

Um mês antes dessa ação, a governadora Izolda Cela assinou uma ordem de serviço para começar as obras que pretendem ampliar a cobertura da rede de esgoto no Ceará, fazendo com que o índice da cobertura chegue a 75% em Fortaleza até o fim de 2025. 

Meta foi divulgada pelo próprio presidente da Cagece, Neuri Freitas, no momento da assinatura da ordem. Com investimento de R$ 255 milhões, a previsão é que o projeto seja concluído em 40 meses e alcance, segundo o representante, cerca de 170 mil moradores em dez bairros da Capital cearense.

Cagece alega problemas de financiamento

O POVO conversou, na noite dessa terça-feira, 6, com o presidente Neuri Freitas, que afirmou que a Cagece enfrenta algumas dificuldades na esfera nacional. Presidente também citou pontos como a responsabilidade ambiental promovida pelo órgão. Confira partes principais da entrevista:

O POVO - O senhor acredita que a cobertura da rede de esgoto tem conseguido acompanhar o crescimento populacional de Fortaleza e do Ceará nos últimos anos?

Neuri- O que a gente observa é que ao longo do tempo acabou acontecendo uma defasagem em todo País, porque os investimentos não foram os suficientes para atender à necessidade que existe hoje em todas as cidades (brasileiras). Agora a gente tem que recuperar um tempo perdido. Todas as metas para chegar na universalização ficaram bem desafiadoras.

OP - Qual a maior dificuldade encontrada quanto à ampliação da rede de esgoto e o uso dela por parte dos moradores?

Neuri- A primeira delas é o financiamento do setor (...) Instituições têm uma burocracia muito grande (...) Não há uma simplificação. O segundo ponto é a própria execução das obras. Tem a dificuldade com o trânsito, com os moradores. Outro ponto é que não existe um local com uma planta com toda infraestrutura da Cidade (...) Acaba gerando atrasos. Além disso tem o crescimento desordenado, ocupações desregulares. Outra coisa que acaba gerando dificuldade é que a medida que você faz a rede de esgoto, muitos (moradores) não querem interligar.(...) No primeiro ano após a obra a gente só consegue 10% de ligação dos moradores (...) Prejudica o financeiro, a manutenção do sistema.

OP - Algumas pessoas utilizam a rede de esgoto de forma clandestina. Existe um monitoramento dessas atividades ilegais? Quem é flagrado realizando essa ação paga multa?

Neuri - A Cagece já faz (ações) para identificar ligações na rede da Cagece. Ela (Cagece) pode notificar, pedir pra (o morador) desfazer ou adequar, pode até multar. A outra (infração) é quando uma casa liga seu esgoto na rede de drenagem ao invés de ligar na rede de esgoto da Cagece. Como não liga na Cagece, a Cagece não cobra, aí o esgoto vai pra drenagem, que vai pro rio de forma bruta ou pro mar. (...) Quando isso acontece a responsabilidade (de fiscalizar ou atuar com medidas punitivas) é do munícipio.

OP - Como a Cagece tem atuado para incentivar moradores a fazerem a ligação de forma correta na rede de esgoto?

Neuri- Nós temos uma equipe de reponsabilidade social. (...) Antes de começar uma obra, a gente passa em cada trecho fazendo uma educação ambiental, informando que ali vai ter um obra, qual o transtorno que ela vai causar e principalmente qual os benefícios dela para a população. Durante a obra, a gente fica fazendo visita e depois a gente ainda passando avisando aos moradores que o sistema pode ser interligado. Tem muita coisa que a Cagece faz no sentido de educação ambiental (...) Mas o que a gente tem percebido é que as pessoas não querem uma conta a mais.

Empresas devem agir para evitar prejuízos ambientais 

As empresas de iniciativa privada também assumem um papel importante quanto a realização de ações para evitar prejuízos ambientais causados pela ausência de saneamento. Para falar sobre isso, O POVO conversou com Diogo Taranto, Diretor de Desenvolvimento de Negócios no Grupo Opersan, especializado em soluções ambientais para o tratamento de águas e efluentes. Confira entrevista:

Diogo Taranto, Diretor de novos negócios do Grupo Opersan
Foto: Divulgação / Opersan
Diogo Taranto, Diretor de novos negócios do Grupo Opersan

O POVO -  Que tipo de ações uma empresa pode realizar para ajudar a diminuir o impacto ambiental causado pela ausência de cobertura sanitária?

Diogo Tarantino - O papel das empresas deve ser do irrestrito cumprimento da legislação ambiental, e incentivo à práticas mais sustentáveis e de menos perdas.

OP Qual deve ser o papel ecológico das instituições privadas? Principalmente nessa área de saneamento?

Diogo - O principal é a aplicação de reuso e utilização de fontes alternativas nos processos que se utilizam de recursos hídricos.

OP - Como você acredita que a empresa pode atuar para conscientizar a população quanto ao uso correto da rede de esgoto?

Diogo - Fazendo a parte dela em enviar para a rede somente efluentes tratados conforme das especificações, e, a partir disto, divulgando e conscientizando os funcionários que lá trabalham para que estes atuem em suas comunidades como agentes multiplicadores.

OP - Há muitos moradores e empresas que utilizam a rede de esgoto de forma clandestina. Quais são os prejuízos dessas ações?

Diogo - São dos mais diversos prejuízos, desde a geração de danos estruturais, incrustações, entupimentos, aumento das infiltrações, perdas de volumes, até questões relacionadas a capacidade de tratamento nos sistemas que ficam no final da linha. Sem falar na perda de receita das concessionárias, o que reduz os reinvestimentos no sistema como um todo.

 

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