Antes de virar o influencer "Léo Suricate" e de se candidatar a deputado estadual, Leonardo de Souza foi aluno de Cláudia Pires. Nas aulas da educadora, ele aprendeu e foi instigado por ela a questionar o mundo. De questionamento em questionamento, o jovem encontrou o caminho da arte e da política e passou a se aventurar e a se comprometer em mudar as coisas que não tinham respostas certas. No Conjunto José Euclides, no Grande Jangurussu, ele guia novas gerações de jovens conscientes para a realidade de questionadores.
Durante a passagem pelo curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), Wellington Junior foi aluno de Gilmar de Carvalho. O professor de senso crítico e riso baixinho deixou como exemplo o posicionamento crítico e denunciante. Hoje, o educando também virou educador, do mesmo curso de seu mestre. Duas gerações de professores dando continuidade à mesma missão. A relação de admiração, que virou amizade e virou choro e raiva pela partida precoce do tutor, vítima da Covid em 2021, dias antes de receber dose de vacina comprada com atraso pelo Governo Federal. Para desconstruir o círculo, ele remete ainda a carta ao editor-chefe de Cidades do O POVO, André Bloc, que foi aluno de ambos.
Já Brenda Louise foi perpassada por um ensino diferente: o de fazer rir. Com a professora Karla Concá, a jovem aprendeu a arte da palhaçaria e descobriu que a verdadeira loucura é não ser aquilo que se é. Hoje, ela passa a lição adiante, ensinando outras pessoas a desbravar o universo onde foi amorosamente inserida.
Do riso à política, a história e a ligação dessas personalidades com seus antigos professores fazem valer o que uma vez já disse Paulo Freire: "Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si".
A convite do O POVO, Léo, Wellington e Brenda escreveram cartas para/sobre Cláudia, Gilmar e Karla. No Dia do Professor, os cearenses homenageiam aqueles que marcaram e moldaram o ser político, artístico e pensante que são. Uma homenagem de aprendizes, revivendo com olhar de gratidão os seus eternos mestres.
Fortaleza, 15 de outubro de 2022.
Para professora Cláudia Pires.
A escola teve um papel fundamental na minha vida. Para além das matérias, das ciências humanas e exatas, foi na escola que fiz boa parte dos meus amigos, me envolvi mais com comunicação, fui pro caminho da arte, comecei a me organizar politicamente e aprendi a lutar por direitos que eu nem sabia que tinha.
Professora, quando você assumiu a direção do João Nogueira Jucá (JNJ), nossos embates viraram outros, mas em cada momento aprendi uma lição. E a principal foi a de sempre questionar. Foi questionando que construímos muita coisa na escola: o jornal JNJ, a rádio no intervalo, a nossa comunidade no Orkut (onde a gente fazia debate no fórum), as eleições do grêmio, as lutas da comunidade e começamos a entender que a gente precisava de representação.
Aprendi também com você a importância de ocupar os espaços que são nossos e fortalecer as relações com uma instituição tão desvalorizada que é a escola.
Lembro de coisas que me marcam até hoje: do mutirão para pintar a escola, a primeira vez que escrevi pro Jornal JNJ, os saraus, as semanas culturais, os ensaio de teatro, os vídeos pra internet e vários outros momentos que aconteceram dentro e fora dos muros da escola João Nogueira Jucá.
Hoje consigo entender mais o papel que a escola e a senhora (tanto na condição de professora, como na de diretora) tiveram para minha formação. Muito obrigado Professora Cláudia!
Abraços de um dos seus estudantes questionadores, Léo Suricate.
Carta de um professor ao jovem editor
Bloc, meu querido e sempre aluno (todo aluno é para sempre),
Era pra ser uma carta ao Gilmar, eu sei, mas mortos não leem cartas. Minha vó Auta, pós-centenária, espírita, lúcida e ativa nas redes, diria que, inclusive, escrevem. Talvez, até os cem, eu comece acreditar assim. Não que seja ateu, agnóstico; até os cem, talvez, também.
Certa vez perguntei: – “Gilmar, tu acreditas em Deus?” Juninho (é, ele me chamava assim, como meus pais e irmãs), um dia houve uma grande explosão — dizendo-me do Big Bang — e tudo se fez; e haverá outras e mais outras infinitamente, num eterno refazer-se de tudo: isso é Deus. Não era a afirmação de uma certeza, um dogma, era uma intuição. Só por hoje, intuo como ele. Gilmar me ensinou de Deus e, dos homens, mais.
Aí, depois, fiquei pensando que se riria — baixinho e segurando a testa com o polegar e o dedo médio — da marmota de escrever aos mortos para cutucar os vivos, logo a ele para quem sinceridade era apelido e, franqueza, dijina (nome e destino). Sem sua permissão, inverto aqui remetente e destinatário. Esta é de mim, professor Wellington Jr., o Tutunho, para você mesmo, o André Bloc, ex-aluno de Jornalismo da UFC, do Gilmar e meu, jornalista, editor de Cidades do O POVO, e, como sei que será publicada, ao aluno (aquele a quem se nutre, alimenta, faz-se crescer) que continuamos todos a sermos enquanto vivos: “morrendo e aprendendo”!
Porque, agora aqui, ao propor corajosamente ao leitor do jornal uma reflexão crítica sobre o papel do professor hoje, você encarna o paradigma (um exemplo) do profissional ao qual Gilmar — paradigma de professor — comprometeu-se, ao longo de toda sua trajetória acadêmica, a preparar para o mundo e justifica o investimento coletivo (família, igreja, escola, universidade, associações...) na construção e manutenção de marcos civilizatórios mais justos.
É corajoso, André, porque, desde Hitler, esses marcos civilizatórios não eram ameaçados tão cinicamente pelas “alianças miseráveis” (BORGES, Ângela apud CARVALHO, Gilmar) entre o capitalismo predatório e a estupidez dogmática do fundamentalismo religioso-político. É uma política de morte, genocida, uma
necropolítica (Achile Mbembe); e que matou Gilmar. Encantou-se, desencarnou, “foi vítima” (essa é a da hora!)... Não há eufemismos: Gilmar de Carvalho foi assassinado por uma política de estado negacionista, obscurantista e fascista.
Toda política de morte se sustenta na escravidão da ignorância; “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8, 32). Educar é, numa etimologia atravessada, nutrir a vida. Daí o sequestro de investimentos em educação e o patrulhamento ideológico recorrentes em governos antidemocráticos, como agora.
Ao inverter o “de/para” desta carta, crio as condições discursivas para por em prática a lição do mestre. Gilmar era a muriçoca a picar as ancas de Japi, o cachorro do colonizador... a voz que clama no Passeio! Mesmo sem ser aceito — como todo profeta em sua terra —, nunca arredou pé de sua atitude crítica e denunciante. Esta carta pequena, publicada, realiza a lição do mestre, amplia sua voz e nos convida a sermos um pouco como ele. Obrigado.
Do sempre seu professor (todo professor é para sempre!),
Wellington Jr, o Tutunho.
Karla, te escrevo pensando no que você sempre diz: o universo nunca dorme. Imagine só que um dia eu teria a sorte de cruzar com seu caminho e construir um novo universo de possibilidades. Imagine só que o som da sua voz com sotaque carioca ficaria ecoando na minha cabeça toda vez que eu lesse a palavra “garota”. Automaticamente lembrando de você dizendo: “Garota, você é louca!” Mas dessas loucas que dá vontade de ser. Daquelas loucas que a gente deseja ser.
O que chamam de louca, você me delineou que não passa apenas de uma mulher que faz o que é, o que acredita e o que deseja. Assim, você me mostrou que não tem nada de mais em ser a louca que a gente é. Pelo contrário, tem tudo de menos. Menos dor de cabeça, menos tristeza, menos chateação, menos inferno… afinal, você sempre me dizia: "Quem não se conhece inferniza a vida dos outros!"
Você, Karla com Cães, tem traços que lembram todas minhas maiores professoras: você tem os cabelos vermelhos como da minha avó Elita; tem o bom gosto para roupas da minha mãe Jacqueline; tem a graça e a gaiatice da Tia Raquel; você tem o esoterismo e o misticismo da Tia Rogenia; tem o raciocínio rápido e ligeiro da Tia Doquinha; tem a escuta aguçada e ativa da Tia Ia; tem a destreza com alunos e alunas da Tia Cherly; tem o olhar assertivo e a palavra firme como a Sandra Helena.
Estar perto de você é me aproximar cada vez mais dessas mulheres e, consequentemente, estar mais próxima de quem eu sou. Você me mostrou que o maior encantamento do mundo é ser o que se é. A sua generosidade ao acreditar em quem a gente quer ser é encantadora. Lembro dos seus olhos brilhando, acreditando e motivando a mim. E aí sempre lembro todas as vezes que vocês me falou: "Tudo que é nosso é bom".
Essa frase gera um frisson constante dentro da minha alma. Isso fica ecoando na minha cabeça todas as vezes que eu penso em talvez desacreditar de mim. Você me tirou do fundo do poço, me ninou e construiu em mim uma vontade absurda de ser quem eu sou. Você tem uma generosidade imensa. A mesma generosidade imaginativa de uma criança pequena que vê um simples rabisco no papel e já imagina como uma grande obra de arte.
De certa maneira é exatamente isso que sinto. Você olhou pra mim e, mesmo vendo só rabiscos e grande emaranhado de pensamentos, conseguiu perceber uma obra de arte: uma louca, uma palhaça, uma garota — como você me chama. Que sorte eu tive de poder cruzar com seu caminho e partilhar um tanto de quem você é. Tu é uma dessas pessoas que a gente vê no mundo e pensa: “Não acredito que vim na mesma existência que essa mulher”.
Não faço a menor ideia como um dia vou poder pagar esse dívida com você. Mas, sinceramente, espero que seja paga em suaves parcelas, sempre com você perto. E ainda desejo profundamente que possa continuar aprendendo e crescendo junto a ti. E que, talvez, quem sabe, eu possa te perpassar como você me perpassou. Te ensinar, como você me ensinou. À você, que é uma diretora, uma amiga, uma madrinha, uma confidente, uma professora da palhaçaria e da vida pra mim, todo amor do mundo!
Obrigada.
Com todo carinho
e amor
e admiração
e um um tantão de saudade,
Brenda Louise (palhaça Brunelita).