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Censo 2022: o novo desenho da população do Ceará
Reportagem

Censo 2022: o novo desenho da população do Ceará

|IBGE| Dados prévios mostram que 78 municípios cearenses perderam habitantes entre 2010 e 2022 e que Ceará teve o segundo menor aumento populacional na série histórica
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Elaine Batista (à direita) junto com os dois filhos e a sogra Luciana Batista  (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Elaine Batista (à direita) junto com os dois filhos e a sogra Luciana Batista

 

O novo retrato demográfico do Ceará apresentado na prévia do Censo de 2022 aponta o segundo menor crescimento populacional desde o início da série histórica, em 1872. Nos últimos 12 anos, o número de habitantes no Estado subiu de 8,4 milhões para 8,9 milhões, alta de 5,72%. O mais baixo percentual,5,39%, foi registrado entre os recenseamentos de 1890 e 1900.

A desaceleração é progressiva há mais de 40 anos. De 1970 a 1980, o incremento médio anual da população caiu de 34,56% para 19,78%. No interstício seguinte (1980 a 1991), recuou para 18,25%. A queda se manteve nos intervalos de 1991 a 2000 (16,59%) e de 2000 a 2010 (13,93%). O declínio observado em 2022, além de confirmar a tendência das últimas décadas, é o maior já registrado no comparativo entre duas edições consecutivas.

Linha do tempo mostra como evoluiu a população cearense

O ritmo de crescimento no Ceará é inferior à média nacional. No País, o avanço populacional ficou em 8,9% na comparação com o Censo de 2010. Apesar disso, o Estado se mantém com a oitava maior população entre as Unidades da Federação. Dos 184 municípios, 106 tiveram acréscimo no número de habitantes e 78 fizeram o caminho inverso, registrando quantidade menor de moradores.

Os dados preliminares apontam crescimento populacional maior na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) em detrimento de quedas acentuadas no Interior. Enquanto a área no entorno da Capital concentra 3 dos 5 municípios com maior aumento percentual no número de habitantes, o Interior reúne as três cidades que mais perderam moradores.

Vista aérea da Prainha. Prévia do Censo 2022 aponta que o crescimento populacional deu-se na Região Metropolitana de Fortaleza(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Vista aérea da Prainha. Prévia do Censo 2022 aponta que o crescimento populacional deu-se na Região Metropolitana de Fortaleza

Para o superintendente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Ceará, Francisco Lopes, o quadro reflete uma dinâmica socioespacial observada há décadas no Estado: a migração de pessoas do campo para grandes centros urbanos, fenômeno conhecido como êxodo rural.

“Está havendo uma diminuição muito grande na zona rural. Quem está permanecendo nessas localidades são aquelas pessoas mais idosas. Os jovens, normalmente, estão saindo dessas localidades para regiões mais urbanas em busca de uma melhor qualidade de estudo e de trabalho”, pontua o superintendente.

Na linha do diagnóstico apontado pelo representante do IBGE, Fortaleza foi a cidade cearense com maior elevação populacional em números absolutos. No total, a Capital cearense ganhou 143.972 moradores no intervalo de 12 anos. Em média, foram 11,9 mil novos habitantes a cada ano. A prévia indica que a população cresceu 5,87%, indo de 2,4 milhões, em 2010, para 2,5 milhões em 2022.

São Gonçalo do Amarante cresceu em decorrência de investimentos do Porto do Pecém (foto) e da Companhia Siderúrgica do Pecém(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS São Gonçalo do Amarante cresceu em decorrência de investimentos do Porto do Pecém (foto) e da Companhia Siderúrgica do Pecém

Em termos proporcionais, o aumento foi maior em Jijoca de Jericoacoara, no Litoral Oeste do Estado, onde o número de moradores subiu de 17 mil para 29,4 mil, perfazendo incremento populacional de 73,34%. Cercada de belezas naturais, a cidade é um dos principais destinos turísticos do Ceará.

Na avaliação de Francisco Lopes, o acréscimo considerável no número de novos habitantes está diretamente relacionado com o potencial turístico do município. “Essa realidade tem a ver com a busca das pessoas por locais que ofereçam ao mesmo tempo, lazer, belezas naturais e qualidade de vida”.

O aumento no número de habitantes deve ser ainda maior na próxima década, conforme projeta o prefeito de Jijoca de Jericoacoara, Lindbergh Martins (PSD). Ele toma como base não só a diversidade de atrativos turísticos, mas a expansão da atividade econômica local a partir de robustos investimentos externos. “Pelo que a gente analisa e as perspectivas de negócios, nos próximos 10 anos essa população vai dobrar”, prospecta.

Potencial turístico é diferencial para Jijoca de Jericoacoara(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Potencial turístico é diferencial para Jijoca de Jericoacoara

O prefeito pondera que a perspectiva de crescimento requer uma atenção maior do poder público para áreas essenciais como saúde, educação e segurança pública. Além disso, acrescenta ele, é necessário ampliar o olhar sobre a dinâmica de ocupação do território, evitando que o crescimento demográfico imponha sacrifícios ao ecossistema local.

“Quando vêm mais pessoas, vem o desenvolvimento, vem a geração de emprego, geração de renda e uma série de coisas boas, mas devemos ter uma atenção especial com o meio ambiente para que esse crescimento seja sustentável”, enfatizou o gestor. Por mês, segundo ele, a cidade recebe cerca de 70 mil visitantes, entre turistas nacionais e estrangeiros.

Além de Jericoacoara, ganhos populacionais expressivos foram registrados em Itaitinga (69,48%), Eusébio (60,03%), São Gonçalo do Amarante (33,99%) e Guaramiranga (36,31%). Os três primeiros ficam localizados na RMF. O número de habitantes de Eusébio saltou de 46 para 73,6 mil entre 2010 e 2022.

A família da dona de casa Elaine Batista, 36, faz parte do grupo de novos moradores da cidade contabilizados no último Censo. Ela, o esposo e os três filhos se mudaram para Eusébio em dezembro de 2020. Antes, eles viveram por cerca de um ano em Fortaleza. A família morou em São Paulo até 2019, mas optou pelo Ceará após o marido de Elaine receber uma proposta de emprego na Capital cearense.

Elaine Batista (à direita) junto com os dois filhos e a sogra Luciana Batista (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Elaine Batista (à direita) junto com os dois filhos e a sogra Luciana Batista

“Muita gente do trabalho dele tinha comprado casa aqui (no Eusébio). O pessoal sempre indicava, dizia que era um lugar muito sossegado e bom de se viver. Lá (em Fortaleza) a gente estava mais perto do trabalho dele, mas por conta da violência, a gente decidiu vir para cá”, contou Elaine.

A família alugou uma residência no Centro da cidade. Segundo a dona de casa, a intenção era comprar um imóvel, não fossem os preços tão altos em virtude da forte especulação imobiliária que avança pela cidade. “Quando eu fui procurar a casa, olhei em vários bairros e percebi que há muitos terrenos e casas sendo construídas. O espaço está muito disputado e os preços nas alturas”, declarou.

Há mais de dois anos morando na cidade, Elaine descarta regresso a sua terra natal. “Minhas amigas de São Paulo sempre perguntam quando vou pra lá de novo, e eu sempre falo: ah, desculpa, mas eu não quero voltar não”, disse em tom de bom humor.

Prefeito do Eusébio, Acilon Gonçalves, alerta para os desafios do ganho populacional. O município registra o terceiro maior aumento de população do Ceará(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Prefeito do Eusébio, Acilon Gonçalves, alerta para os desafios do ganho populacional. O município registra o terceiro maior aumento de população do Ceará

A doméstica Luciana Batista, 58, sogra de Elaine, pode ser a próxima integrante da família a escolher o Eusébio para morar. Em 2023, ela visita a cidade pelo terceiro ano consecutivo e já planeja o dia em que não precisará mais voltar para São Paulo. “[Eusébio] É um lugar lindo, maravilhoso. Isso aqui é um paraíso, gente. Coisa que não tem lá a gente tem aqui. Atividade para crianças, praia, segurança… tudo de bom”, afirmou ela.

O aumento da população, segundo o prefeito do Eusébio, Acilon Gonçalves (PL), tem relação com o desenvolvimento social e econômico experimentado pelo município em escala progressiva desde meados de 2005. “Implantamos várias políticas públicas que trouxeram melhoria de vida para a população. Esse cuidado especial chamou a atenção das pessoas para essa cidade”.

O prefeito ressaltou que os números do novo Censo impõem uma necessidade ainda maior de planejamento urbano para evitar que haja ocupação desordenada do território nos próximos anos. Segundo ele, o plano diretor do município passa por revisões periódicas com foco na qualidade de vida dos habitantes.

“Temos um planejamento pautado na construção de ruas projetadas largas, permitindo o livre fluxo. Além disso, cuidado com o meio ambiente. Nunca fizemos doações ou liberações de áreas verdes para construções”, complementou Gonçalves.

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Em São Gonçalo do Amarante, a Prefeitura associa o aumento populacional às obras de expansão e o pleno funcionamento do Complexo Portuário do Pecém, em 2010, e ao início das atividades da Companhia Siderúrgica do Pecém, em 2016. "Tivemos um aumento significativo nos empregos diretos e indiretos em nossa região na última década", avaliou a gestão em nota enviada ao O POVO.

A Pousada dos Capuchinhos em Guaramiranga; município cresceu pela busca de moradores por isolamento durante a pandemia(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação A Pousada dos Capuchinhos em Guaramiranga; município cresceu pela busca de moradores por isolamento durante a pandemia

Na cidade serrana de Guaramiranga, a 105 quilômetros de Fortaleza, a pandemia pode ter sido uma das causas do crescimento no número de habitantes. Segundo a Prefeitura, estudos realizados pela Secretaria Municipal de Saúde apontaram que turistas escolheram a cidade para morar após o período mais restritivo de isolamento social. Não há, contudo, nenhum dado preciso relacionado a isso. A prévia do IBGE aponta o município com aproximadamente 5,6 mil moradores, cerca de 1,4 mil a mais do que no Censo de 2010. 

 

Municípios contestam queda populacional temendo corte de verbas federais 

O encolhimento populacional registrado em 78 municípios cearenses vai muito além de uma oscilação estatística. Em alguns casos, a perda de habitantes impacta até mesmo os cofres públicos. Isso porque o número de moradores é o principal indexador para o cálculo do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), verba constitucional transferida pela União aos municípios a cada dez dias para o custeio de despesas correntes.

Os valores do repasse são corrigidos de acordo com as estatísticas do Censo. No Ceará, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 34 prefeituras podem sofrer redução do FPM em virtude das oscilações populacionais. A entidade estima perda orçamentária anual de R$ 45 milhões. 

CATARINA, na região Centro-Sul do Estado, saiu de 18.745 habitantes em 2010 para 8.795 habitantes em 2022(Foto: Divulgação/Prefeitura de Catarina)
Foto: Divulgação/Prefeitura de Catarina CATARINA, na região Centro-Sul do Estado, saiu de 18.745 habitantes em 2010 para 8.795 habitantes em 2022

Tentando evitar o corte orçamentário, alguns municípios estão indo à Justiça para questionar os números apresentados pelo IBGE. É o caso de Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza, que teve a quarta maior perda populacional do Estado. O número de habitantes na cidade caiu de 113,5 mil em 2010 para 93,1 mil — indo no contrafluxo da maioria dos demais municípios da RMF. Nos cálculos da Prefeitura, a diminuição resultará em desfalque de R$ 22,5 milhões no FPM estimado para 2023.

Em ação protocolada na Justiça, a Prefeitura argumenta que as estatísticas do Censo são “equivocadas e fruto de dados meramente parciais e inconclusivos”. A petição alega que a pesquisa do IBGE ainda não alcançou todas as localidades do município e que o índice de cobertura está em 76%. “Lamentamos que tais dados tenham sido divulgados e colocados como referência para políticas públicas sem que sequer o IBGE tenha concluído o Censo”, diz trecho de nota divulgada pela gestão. 

Júnior Castro, presidente da Aprece(Foto: Reprodução Facebook)
Foto: Reprodução Facebook Júnior Castro, presidente da Aprece

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em novembro do ano passado, Maranguape tem 79.198 votantes registrados, o que sugeriria número maior de habitantes, já que a cifra exclui crianças e grande parte dos adolescentes.

A Associação dos Municípios Cearenses (Aprece) também acionou o Poder Judiciário apontando supostas inconsistências nos dados divulgados pelo IBGE e pediu que os números não sejam considerados para a apuração da verba federal distribuída às prefeituras. O pleito foi atendido pela Justiça Federal no dia 6 de janeiro em decisão liminar lavrada pelo juiz substituto Frederico Botelho de Barros.

O presidente da Aprece, Júnior Castro, diz que pode ter havido erros, omissões ou imprecisões na execução da pesquisa feita pelo IBGE. “Fomos notificados pelos municípios sobre vários problemas, desde o atraso no pagamento de recenseadores até a falta de cobertura em algumas áreas”.

O líder municipalista afirma que levou as contestações à Superintendência do IBGE no Ceará, mas, diante da falta de respostas, tem orientado os municípios “prejudicados” a ingressar com ações na Justiça, iniciativa tomada pela própria Aprece.

“A gente está trabalhando para ajudar as prefeituras na judicialização porque o IBGE diz que o Censo ainda não foi finalizado”. Castro menciona que uma lei complementar aprovada em 2019 impede a correção de valores do FPM antes da consolidação do Censo. 

 

Crescimento médio anual da população no Ceará desde 1872

 

 

IBGE aposta em georreferenciamento para referendar dados

Segundo o IBGE, os municípios com menos de 170 mil habitantes já tiveram a cobertura concluída. No Ceará, a coleta segue em andamento em apenas cinco das 184 cidades: Fortaleza, Caucaia, Juazeiro do Norte, Maracanaú e Sobral. É somente nestas cidades, segundo o superintendente Francisco Lopes, que pode haver alguma mudança significativa nos números finais em relação à prévia já divulgada.

Sobre a contestação dos municípios que perderam moradores, Francisco Lopes justifica que a metodologia de pesquisa é a mesma dos Censos anteriores e está de acordo com os padrões internacionais de estatística. Ele ainda enfatiza que na coleta mais recente os dados passaram a ser registrados em sistema de georreferenciamento. “Agora a gente tem uma certeza maior de que aquele município existe, de que aquele domicílio foi recenseado”.

No geral, o superintendente avalia que a redução nos indicadores populacionais dos municípios acompanha a tendência de desaceleração já verificada nas médias nacional e estadual. Para ele, o quadro está relacionado com a queda nas taxas de fecundidade das mulheres de até 45 anos, período em que se encerra o chamado ciclo reprodutivo.

Segundo o IBGE, a metodologia de pesquisa está de acordo com os padrões internacionais de estatística                (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Segundo o IBGE, a metodologia de pesquisa está de acordo com os padrões internacionais de estatística

“Para se ter uma ideia, nos anos 60 essa taxa era de 6,0 e hoje ela é de 1,6. Isso significa que a população está se repondo, mas não cresce de modo acelerado como ocorria antigamente. E isso é uma tendência na maioria dos municípios. Podemos ter uma exceção numa cidade ou outra, mas por uma causa específica”, explicou o representante do IBGE

Outro fator apontado por Lopes para a retração populacional é a diminuição progressiva no número de nascimentos, que, segundo ele, tem conexão com a adesão crescente a práticas anticonceptivas, como laqueadura de trompas e uso de preservativos. “A mulher está cada vez mais no mercado de trabalho e na universidade e cada vez menos voltada para aquela lógica reprodutiva de décadas atrás”, frisou.

O superintendente não enxerga a queda populacional como um problema para os municípios, pelo contrário. Ele sublinha que a atualização dos números é importante para que as prefeituras elaborem corretamente as políticas públicas e programas para a sociedade. “Se estão nascendo menos crianças, evidentemente que vai ter que existir um planejamento específico para esta área, seja na Educação ou na Saúde”, reforçou. 

 

Confira os municípios cearenses que mais ganharam e que mais perderam população

 

 

Catarina foi o município que teve maior perda populacional

No Ceará, o ranking de perda populacional é encabeçado por Catarina, no Sertão dos Inhamuns, com decréscimo de 46,91%. Em 2010, o município tinha 18,7 mil moradores. O número caiu quase pela metade, passando a 9,9 mil em 2022. A Prefeitura Municipal foi procurada pelo O POVO para comentar os números, mas preferiu não se manifestar.

A segunda maior redução foi registrada em São João do Jaguaribe (-25,88%) — município marcado pela violência urbana, tendo terminado 2021 com a maior taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes do Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Em terceiro, ficou Caridade (-20,58%). As assessorias de imprensa dos municípios também não quiseram repercutir os dados.

Maranguape (-17,96%) e Aiuaba (15,68%) completam o top-5. Em nota, a Prefeitura desta última afirmou que a oscilação populacional pode ser explicada pela "migração de jovens em busca de trabalho para outras regiões do País", além de possíveis ausências de moradores nas residências durante as visitas dos recenseadores.

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