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Após mais de 40 dias, Praia do Futuro deixa de estar totalmente imprópria para banho
Reportagem

Após mais de 40 dias, Praia do Futuro deixa de estar totalmente imprópria para banho

Período chuvoso agrava a situação devido à grande quantidade de lixo e esgoto que chegam ao mar por meio de córregos e canais de drenagem em Fortaleza
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FORTALEZA, CEARÁ, 09-03-2023: Balneabilidade da Praia do Futuro, com faixa de areia com um grande número de lixo e algas, que não impede os banhistas de se molhar no mar. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo) (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, 09-03-2023: Balneabilidade da Praia do Futuro, com faixa de areia com um grande número de lixo e algas, que não impede os banhistas de se molhar no mar. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Entre 23 de janeiro e 5 de março, todos os dez pontos monitorados pela Superintendência do Meio Ambiente do Ceará (Semace), na Praia do Futuro, em Fortaleza, estiveram impróprios para banho. O boletim de balneabilidade mais recente enfim encerrou a sequência negativa, mostrando que seis pontos passaram a ter níveis de limpeza adequados para banhistas.

Atualmente, segundo a Semace, os trechos 4, 6, 7, 8, 9 e 10 da Praia de Futuro estão próprios para banho desde 6 de março até o próximo dia 12. Os trechos 1, 2, 3 e 5 seguem impróprios (veja infográfico).

De acordo com Liliane Lira, responsável pela Gerência de Análise e Monitoramento da Superintendência (Geamo), equipe que elabora o boletim, a coleta de material é realizada de forma semanal. Um ponto será classificado como próprio quando houver no máximo 100 enterococos por 100 mL da amostra em 80% ou mais de um conjunto de amostras obtidas em cada uma das cinco semanas anteriores — sempre colhidas no mesmo local. Enterococos são bactérias que podem afetar a saúde humana, e, por isso, tornam a água imprópria para banho quando estão presentes em grandes quantidades.

O professor do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) e doutor em Oceanografia, Paulo Sousa, explica que uma água contaminada gera diversos problemas que afetam desde a vida marinha até os humanos. "A poluição via esgoto traz um risco. Além do mau cheiro e da inconveniência da praia suja, o banhista pode vir a ter problemas de pele. No mar, temos as tartarugas que sofrem, principalmente, com o plástico", avalia.

O Ceará entra em período de quadra chuvosa, quando há intensificação da precipitação no território, em fevereiro, período que coincide com o agravamento da situação na Praia do Futuro, um dos principais destinos turísticos da Capital. Sousa e Liliane concordam que o período das chuvas agrava a situação, devido à grande quantidade de esgoto e lixo que chegam ao mar por meio de córregos e canais de drenagem.

A avaliação escancara um outro problema de Fortaleza: a dificuldade de dar um destino apropriado aos resíduos sólidos gerados pela população. "Temos o agravante de uma rede de esgotamento sanitária que não atende a toda a cidade. Muita gente faz a ligação de redes de esgoto de forma ilegal, em galerias pluviais. Isso acaba sendo jogado no mar e as ondas de corrente vão transportando ao longo das praias e isso afeta balneabilidade", afirma Paulo Sousa.

FORTALEZA, CEARÁ, 09-03-2023: Balneabilidade da Praia do Futuro, com faixa de areia com um grande número de lixo e algas, que não impede os banhistas de se molhar no mar. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, 09-03-2023: Balneabilidade da Praia do Futuro, com faixa de areia com um grande número de lixo e algas, que não impede os banhistas de se molhar no mar. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo) (Foto: FERNANDA BARROS)

Em nota, a Geamo/Semace informa que a não balneabilidade de uma praia é consequência da ausência ou deficiência de um efetivo sistema de esgotamento sanitário, coleta de resíduos sólidos e drenagem de água pluvial. No período de chuvas, em regiões com ausência de saneamento básico, a balneabilidade fica ainda mais prejudicada.

Ainda segundo a análise da Geamo a falta de um sistema de drenagem ou drenagens obstruídas por resíduos sólidos acabam por permitir o carreamento de esgoto não tratado e resíduos pela chuva, que, por sua vez, atingem o mar.

Questionada sobre a qualidade da cobertura da rede de esgoto da Capital, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) aponta, em nota, que o saneamento básico é composto por quatro vertentes, "o manejo de lixo, a drenagem de águas pluviais, o abastecimento de água, e a coleta e tratamento de esgoto", sendo de competência da Cagece apenas as duas últimas.

Atualmente, Fortaleza tem 67% de cobertura de rede de esgoto em seu território, ainda segundo a Cagece. O município visa chegar a 90% até 2033. Em junho do ano passado, durante assinatura de ordem de serviço para ampliação do sistema de saneamento da bacia do Cocó, Neuri Freitas, presidente da Companhia, declarou que, ao fim de 2025, a cobertura deve chegar a 75% na Capital.

Ainda por meio de nota, a Cagece esclarece que "possui rede de esgoto na Praia do Futuro e que a falta de balneabilidade no local não possui nenhuma relação com os serviços prestados pela empresa". A Companhia não é responsável pela fiscalização do uso de fossas sépticas ou pelo manejo de lixo.

Boletim de balneabilidade (06/03/2023 a 12/03/2023)

Trechos próprios para banho na Praia do Futuro

4 - Na altura da rua Francisco Montenegro. Próximo ao Posto Guarda-vidas 06;
6 - Na altura da av. Carlos Jereissati;
7 - Na altura da rua Gerôncio Brígido Neto. Próximo ao Posto Guarda-vidas 01;
8 - Na altura da rua Clóvis Mota. Em frente ao Clube dos Oficiais da Polícia e Bombeiro Militares.
9 - Na altura da Areninha Praia do Futuro
10 - P. do Futuro - Na altura da rua Ismael Pordeus

Trechos impróprios para banho na Praia do Futuro

1 - Praia do Caça e Pesca. Na altura da rua Germiniano Jurema;
2 - Na altura da Capela de Santa Terezinha. Próximo ao Posto Guarda-vidas 09;
3 - Na altura da rua Embratel. Próximo ao Posto Guarda-vidas 08;
5 - Na altura da rua Antônio Atualpa Rodrigues.

Riscos de água imprópria para banho

Para o médico infectologista Keny Colares, é preciso que os banhistas estejam atentos aos riscos de entrar em uma água contaminada, ou de frequentar uma praia suja.

Praia do Futuro apresenta problemas de balneabilidade há mais de 20 dias
Praia do Futuro apresenta problemas de balneabilidade há mais de 20 dias (Foto: Samuel Setubal / especial para O POVI)

"O principal risco implicado no contato com a água contaminada são as infecções intestinais por bactérias, vírus e outros parasitas. O que mais preocupa são infecções do tubo digestivo, às vezes existem alguns vírus de hepatite que são eliminados nas fezes, principalmente da hepatite A", alerta.

O especialista afirma que a ingestão da água não é a única forma de contaminação. "Claro que existe a possibilidade de infecção por outras formas, como pelos olhos, ouvidos, o que pode causar conjuntivites e infecções de ouvido".

Colares destaca que a pele humana é um órgão que oferece proteção ao corpo, mas que uma lesão pode servir de porta de entrada para diversas doenças. O especialista explica os riscos à saúde advindos de frequentar locais com agulhas e ratos mortos.

"Agulhas podem transmitir alguns vírus (HIV, hepatites B e C), caso tenham sido utilizadas por indivíduos infectados. Os ratos podem transmitir várias doenças. A mais importante delas é a leptospirose", finaliza.

  • Contato com os olhos - Conjuntivite
  • Contato com o ouvido - Infecção (Otite)
  • Contato com a boca - Problemas no trato digestivo; contaminação por hepatite A
  • Contato com agulhas em qualquer local do corpo - (HIV, hepatite B e C)
  • Contato com a urina do rato em qualquer local do corpo - (leptospirose)

Comunidade ilustra importância de descarte adequado

Na comunidade Raízes da Praia, localizada na Praia do Futuro, moradores buscam na Justiça a regularização fundiária em prol de um moradia digna. O esgoto foi um problema durante anos. De acordo com o comerciante Francisco de Assis, 61, porém, o problema foi solucionado.

"Antes, alagava tudo. Juntava lixo, esgoto e a água da chuva levava tudo. Agora que colocaram o encanamento, o esgoto é encaminhado para rua, onde cai direto em uma boca de lobo". De acordo com Assis, os trabalhos na área foram acompanhados pela Defesa Civil.

Para o doutor em Oceanografia, Paulo Sousa, é importante que o cuidado com o descarte de resíduos sólidos seja uma preocupação em toda a Cidade, já que o lixo pode chegar ao mar de formas diversas.

"As chuvas acabam levando tudo para a região mais baixa, que, em geral, é o oceano. (Ela) leva sedimentos, lixo e esgoto. Temos o Rio Cocó, que vai influenciar diretamente na Praia do Futuro, já que o sentido da corrente costeira é sempre no sentido oeste".

A Prefeitura de Fortaleza dispõe do Plano de Gestão de Resíduos Sólidos (PGRS), que estabelece normas de responsabilidade sobre grandes geradores de resíduos sólidos na Capital, incluindo a orla.

Em nota, a Secretaria do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) destaca que realiza projetos como o "Se Liga na Rede", que já interligou cerca de 2 mil residências à rede coletora de esgoto na Capital. Outro trabalho que visa preservar as praias é a videoinspeção das galerias pluviais, que já colaborou com a retirada de 250 toneladas de resíduos da rede de drenagem, além das pinturas educativas em "bocas de lobo" para conscientizar a poluição sobre a limpeza urbana.

Trabalhos de limpeza de praia e blitzes educativas nos bairros Sabiaguaba, Praia do Futuro e Praia de Iracema também fazem parte da agenda da Seuma, assim como a "captação em tempo seco", que consiste na interceptação de resíduos que poderiam chegar ao mar por meio das galerias da rede pluvial.

Projeto já retirou seringas e ratos mortos do mar em Fortaleza

A forte possibilidade de chuvas em Fortaleza durante março e abril indicam que os problemas de balneabilidade da Praia do Futuro devem voltar nos próximos dias. Com as precipitações, mais resíduos são levados ao mar por meio de córregos.

Praia do Fututo apresenta condições impróprias para banho desde o dia 23 de janeiro
Praia do Fututo apresenta condições impróprias para banho desde o dia 23 de janeiro (Foto: FÁBIO LIMA)

Em outubro de 2020, o projeto "Litter Less: Menos Lixo nas Praias" nasceu com a intenção de realizar limpezas em ambientes costeiros, além de buscar coletar dados para publicação de pesquisa. Em quase três anos de trabalho, o projeto de pesquisa e extensão do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC) já coletou diversos tipos de materiais. Para o professor Paulo Sousa, que coordena os trabalhos, duas situações recentes chamaram atenção.

"Encontramos uma seringa com agulha na Praia do Futuro, e isso representa um risco muito grande pra saúde e pra segurança dos usuários da praia. Esse tipo de resíduo hospitalar é muito propício à contaminação, por isso deve ser descartado de forma adequada", relata. Um ferimento acidental causado por uma seringa traz o risco de infecção por vírus como os da hepatite, além da imunodeficiência humana (HIV)

Outro registro citado por Paulo é a presença de ratos mortos encontrados nas praias de Fortaleza. Somente neste ano, dois já foram localizados por membros do projeto: um na Praia de Iracema e outro nas proximidades da avenida Leste-Oeste. Segundo o boletim mais recente de balneabilidade, dois dos quatro pontos da Praia de Iracema estão próprios para banho, enquanto toda a área oeste do litoral de Fortaleza — que contém as praias do Leste-Oeste, Pirambu, Colônia e Barra do Ceará — está imprópria.

De acordo com o coordenador do projeto, o plástico é o resíduo mais encontrado durante os trabalhos de campo, mas é apenas um dos materiais coletados, já que também foram recolhidos objetos de madeira, metal, borracha, tecido e vidro.

"É por isso que não é recomendado o banho de mar após grandes chuvas. É preciso ter muito cuidado, estamos encontrando muito vidro, o que é um risco, também tivemos o caso da seringa", destaca.

O professor explica, ainda, que os trabalhos de campo do grupo são realizados de forma mensal, duram cerca de uma hora e são realizados dentro de uma área de 100 metros de extensão, em diversos pontos da cidade, como nas praias da Barra do Ceará, da Leste-Oeste, de Iracema, do Mucuripe, do Futuro e da Sabiaguaba.

A maior concentração de resíduos é encontrada na "linha de deixa", trecho que pode ser visualizado durante maré baixa, neste ponto há uma maior concentração de vegetação e outros resíduos sólidos, que foram "deixados" ali durante a maré alta e ficaram na faixa de areia após o recuo do mar. 

"Vale lembrar que os resíduos estão distribuídos ao longo de toda a praia, até nas áreas onde as ondas não alcançam. Encontramos de tudo, muito canudo, tampinha, cotonete, latinha, nylon. Econtramos até uma fralda da última vez. Isso reflete que ainda há a necessidade de um amplo trabalho de educação ambiental", avalia o especialista.

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