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O que dizem as estatísticas sobre a violência contra a mulher no Ceará
Reportagem

O que dizem as estatísticas sobre a violência contra a mulher no Ceará

Dados oficiais e pesquisas recém-lançadas permitem melhor compreensão sobre uma série de crimes que atinge, em média, 53 mulheres por dia. Janeiro foi o mês com mais autuações pela Lei Maria da Penha desde o início de 2020
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Violência contra mulher (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos Violência contra mulher

O Dia da Mulher passou, mas a violência de gênero não. De 8 de março para cá, 265 delas foram vítimas de crimes previstos na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) — levando em conta a média de 53 mulheres agredidas por dia registrada em 2022. E o último mês de janeiro registrou o maior número de mulheres vítimas de violência de gênero no Ceará dos últimos três anos. Foram 1.921 registros, número só superado por janeiro de 2020 — ainda não saíram os dados de fevereiro.

Pesquisas divulgadas na última semana, ajudam a esmiuçar essas estatísticas. Boletim divulgado pela Rede de Observatórios da Segurança na segunda-feira, 6, compilou 161 eventos de violência contra a mulher ocorridos em 2022 no Ceará. São casos como feminicidios, tentativas de feminicídio, tortura, cárcere, entre outros — dados produzidos a partir de um monitoramento diário em meios de comunicação e redes sociais.

Expressão máxima da violência de gênero, o feminicídio foi registrado 28 vezes no ano passado no Estado. Ainda foram computadas outras 41 tentativas de feminicídios/agressões físicas. “A maior parte dos registros nos sete estados (monitorados pela Rede) tem como autor da violência companheiros e ex-companheiros das vítimas. São eles os responsáveis por 75% dos casos de feminicídio”, apontou comunicado de imprensa da Rede. “As principais motivações são brigas e términos de relacionamento”.

Pesquisadora da Rede de Observatórios, Bianca Morais de Lima destaca que, na comparação com 2022, o levantamento publicado neste ano registrou um aumento no número de episódios de crimes sexuais — de 17 para 31 casos. Ela ainda ressaltou o número de mulheres trans mortas (10), apesar da redução em comparação com 2022 (11), ainda são considerados altos.

Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Federal do Ceará (UFC), Bianca salienta que questões como a facilitação do acesso a armas de fogo, a crise econômica, a pandemia (que manteve as mulheres em casa, principal local onde os crimes ocorrem) e a violência política (com discursos que endossam a misoginia) contribuem para o aumento do número de casos de violência contra a mulher.

“Um caminho que precisamos trilhar para combater e reverter esse quadro de violência contra a mulher seria avaliar como as políticas públicas que nós temos no Estado estão sendo utilizadas”, afirma a pesquisadora. “Nós temos a Casa da Mulher, delegacias especializadas para o atendimento de mulheres que foram violentadas, então, nós temos que cobrar o Estado, cobrar o novo governo para que eles consigam identificar onde está havendo falhas para que sejam corrigidas e, assim, essas políticas públicas possam funcionar. E também informar a população, — as mulheres, principalmente — sobre esses mecanismos que o Estado oferece”.

Outra pesquisa divulgada nessa semana foi a “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública ao Instituto Datafolha. O levantamento mostrou que todas as formas de violência contra a mulher tiveram aumento em 2022 na comparação com as edições anteriores da pesquisa. São dados como: 28,9% das mulheres maiores de 16 anos afirmam ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses. Ou, então, 24,5% afirmaram ter sofrido agressões físicas e 21,1% sofreram violência sexual.

Outros dados obtidos mostram o lar como o espaço em que as mulheres mais sofreram violência (53,8% das vítimas disseram que o episódio mais grave dos últimos 12 meses ocorreu em casa) e que menos da metade das mulheres (45%) procurou ajuda após a violência.

“Ampliar e executar o orçamento da União para políticas de prevenção, acolhimento e enfrentamento à violência contra meninas e mulheres” aparece como uma das recomendações feitas pelo estudo para reduzir o número de mulheres vítimas de volências. “Nota técnica produzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostrou que em 2022 ocorreu a menor alocação orçamentária para o enfrentamento da violência contra mulheres em uma década”, diz trecho do relatório.

 

“O importante é denunciar, não se calar”, diz delegada

O aumento no número de mulheres vítimas de violência registrado em janeiro tem relação com o aumento no número de denúncias, afirma a delegada Janaína Braga, diretora do Departamento de Polícia Judiciária de Proteção aos Grupos Vulneráveis da Polícia Civil do Ceará (DPJPGV). Conforme afirma, uma “rede de proteção mais forte”, uma maior circulação de informações sobre o tema e a ampliação dos canais de denúncias fazem com que mulheres, ao se reconhecerem dentro de um relacionamento abusivo, procurem ajuda com maior frequência.

Outro aspecto que ajuda a entender o aumento registrado em janeiro é o "fim" da pandemia. Sem poderem sair do lar — onde, normalmente, ocorrem as agressões —, é possível que as mulheres tenham se visto restringidas da possibilidade de denunciar os casos —, o que pode ajudar a explicar a baixa no número de registros na SSPDS observada de 2020 a 2022.

Janaína Braga, porém, destaca haver diversos meios digitais que permitem que a queixa seja prestada, como é o caso da Delegacia Eletrônica (Deletron), da SSPDS. Disque-denúncias como o 100, o 180 e o 190 também são canais de denúncia importantes.

“Ao menor sinal de violência, tem que procurar ajuda, procurar denunciar”, orienta a delegada, destacando que uma pessoa de confiança pode ser buscada, mas que também é fundamental procurar a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) — ou qualquer delegacia, em municípios que não tenham DDM. “O importante é denunciar, não se calar”.

Ela reforça a existência de uma rede de proteção desenvolvida para buscar acolher a vítima, que conta com uma equipe especializada nesse tipo de atendimento nas DDMs e nas Casas da Mulher. De lá, há orientação para serviços de ordem psicológica e social, assim como concessão de medidas protetivas. Em casos extremos, existem as casas-abrigo, espaços com endereços sigilosos voltados a acolher vítimas que precisam sair de casa e não têm para onde ir.

Janaína destaca não haver um único perfil de vítima e que as violência costumam ocorrer em várias frentes. “Violência física, moral, patrimonial, psicológica… Nunca é só uma, de forma isolada, infelizmente”, diz. “É um ciclo: começa com o mínimo, um xingamento, e vai crescendo, aumentando até chegar à violência fatal”. A delegada ainda afirma que as vítimas podem ser de qualquer idade, qualquer classe, independente do nível de escolaridade, do trabalho que exerçam, da autonomia que tenham, etc.

Em nota, a SSPDS destacou que, no último dia 8 de março, diversas medidas visando o combate à violência de gênero foram anunciadas, como a construção de mais duas Casas da Mulher Cearense, implantação das Patrulhas Maria da Penha, instalação do Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e Combate ao Feminicídio.

“A SSPDS ressalta que atualmente a Polícia Civil conta com dez unidades da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), responsáveis por receber denúncias e investigar crimes praticados no âmbito doméstico e familiar, além de feminicídios”, afirma a nota.

“Na Capital, a especializada está instalada na Casa da Mulher Brasileira; e em Juazeiro do Norte, Sobral e Quixadá estão nas Casas da Mulher Cearense. As DDMs estão instaladas em Pacatuba, Caucaia, Maracanaú, Crato, Iguatu e Icó. Além da parceria com a SPS, a SSPDS também vem atuando em parceria com a recém-criada Secretaria das Mulheres para a criação e acompanhamento de políticas públicas voltadas a esse público”.

Por fim, a SSPDS destacou que seis das 22 tipificações no âmbito da violência doméstica e familiar podem ser registradas por meio de Boletim Eletrônico de Ocorrência (BEO) na Delegacia Eletrônica: ameaça, violação de domicílio, calúnia, difamação, injúria e dano. “A Deletron atende todo o Estado, a qualquer hora do dia ou da noite”.

Violência contra a mulher - o que é e como denunciar?

A violência doméstica e familiar constitui uma das formas de violação dos direitos humanos em todo o mundo. No Brasil, a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, caracteriza e enquadra na lei cinco tipos de violência contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.

Entenda as violências:

Violência física: espancamento, tortura, lesões com objetos cortantes ou perfurantes ou atirar objetos, sacudir ou apertar os braços.

Psicológica: ameaças, humilhação, isolamento (proibição de estudar ou falar com amigos).

Sexual: obrigar a mulher a fazer atos sexuais, forçar matrimônio, gravidez ou prostituição, estupro.

Patrimonial: deixar de pagar pensão alimentícia, controlar o dinheiro, estelionato.

Moral: críticas mentirosas, expor a vida íntima, rebaixar a mulher por meio de xingamentos sobre sua índole, desvalorizar a vítima pelo seu modo de se vestir.

A Lei 13.104/15 enquadrou a Lei do Feminícidio - o assassinato de mulheres apenas pelo fato dela ser uma mulher. O feminicídio é, por muitas vezes, o triste final de um ciclo de violência sofrido por uma mulher - por isso, as violências devem ser denunciadas logo quando ocorrem. A lei considera que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Veja como buscar ajuda:

Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180

Delegacia de Defesa da Mulher de Fortaleza (DDM-FOR)
Rua Teles de Souza, s/n - Couto Fernandes
Contatos: (85) 3108 2950 / 3108 2952

Delegacia de Defesa da Mulher de Caucaia (DDM-C)
Rua Porcina Leite, 113 - Parque Soledade
Contato: (85) 3101 7926

Delegacia de Defesa da Mulher de Maracanaú (DDM-M)
Rua Padre José Holanda do Vale, 1961 (Altos) - Piratininga
Contato: 3371 7835

Delegacia de Defesa da Mulher de Pacatuba (DDM-PAC)
Rua Marginal Nordeste, 836 - Jereissati III
Contatos: 3384 5820 / 3384 4203

Delegacia de Defesa da Mulher do Crato (DDM-CR)
Rua Coronel Secundo, 216 - Pimenta
Contato: (88) 3102 1250

Delegacia de Defesa da Mulher de Icó (DDM-ICÓ)
Rua Padre José Alves de Macêdo, 963 - Loteamento José Barreto
Contato: (88) 3561 5551

Delegacia de Defesa da Mulher de Iguatu (DDM-I)
Rua Monsenhor Coelho, s/n - Centro
Contato: (88) 3581 9454

Delegacia de Defesa da Mulher de Juazeiro do Norte (DDM-JN)
Rua Joaquim Mansinho, s/n - Santa Teresa
Contato: (88) 3102 1102

Delegacia de Defesa da Mulher de Sobral (DDM-S)
Av. Lúcia Sabóia, 358 - Centro
Contato: (88) 3677 4282

Delegacia de Defesa da Mulher de Quixadá (DDM-Q)
Rua Jesus Maria José, 2255 - Jardim dos Monólitos
Contato: (88) 3412 8082

Casa da Mulher Brasileira

A Casa da Mulher Brasileira é referência no Ceará no apoio e assistência social, psicológica, jurídica e econômica às mulheres em situação de violência. Gerida pelo Estado, o equipamento acolhe e oferece novas perspectivas a mulheres em situação de violência por meio de suporte humanizado, com foco na capacitação profissional e no empoderamento feminino.

Telefones para informações e denúncias:

Recepção: (85) 3108 2992 / 3108 2931 – Plantão 24h
Delegacia de Defesa da Mulher: (85) 3108 2950 – Plantão 24h, sete dias por semana
Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher: (85) 3108 2966 - segunda a quinta, das 8 às 17 horas
Defensoria Pública: (85) 3108 2986 - segunda a sexta, das 8 às 17 horas
Ministério Público: (85) 3108 2940 / 3108 2941, segunda a sexta, das 8 às 16 horas
Juizado: (85) 3108 2971 – segunda a sexta, das 8 às 17 horas

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