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Tragédia em Santa Catarina: 4 crianças são mortas em ataque a creche
Reportagem

Tragédia em Santa Catarina: 4 crianças são mortas em ataque a creche

Agressor invade escola, mata quatro crianças de entre 4 e 7 anos, fere outras quatro e se entrega à Polícia Militar, em crime que chocou todo o Brasil
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Creche Cantinho do Bom Pastor, em Blumenau, Santa Catarina (Foto: DENNER OVIDIO/ISHOOT/AE)
Foto: DENNER OVIDIO/ISHOOT/AE Creche Cantinho do Bom Pastor, em Blumenau, Santa Catarina

"Hoje ele chegou na creche imitando um coelhinho, ele e o amiguinho dele. É isso, (vou) fazer valer todos os momentos dele". Bruno Bridi é pai de Bernardo. Aos prantos, ele descreve a última lembrança do filho, de 5 anos. Um dos oito pais que tiveram de enterrar uma criança, vítima de tragédia ocorrida ontem, em Blumenau (SC).

Quatro crianças foram assassinadas, nesta quarta-feira, 5, por um homem de 25 anos, que portava arma branca. Segundo a Polícia, o agressor pulou o moro da creche Cantinho do Bom Pastor e atacou ao todo oito pequenos no parquinho do local.

A vice-prefeita Maria Regina (PSDB), reiterou, na coletiva, que as quatro crianças que sobreviveram foram levadas pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192) ao Hospital Santo Antônio, também em Blumenau.

Todas estão em sala de recuperação anestésica, e, segundo o boletim médico, serão liberadas para o leito de enfermaria. "A previsão para alta médica é até as próximas 24 horas", revelou a vice-prefeita.

Redes são vistas em pré-escola particular onde agressor matou quatro crianças com arma branca, em Blumenau, Santa Catarina, no sul do Brasil, em 5 de abril de 2023. Agressor de 25 anos invadiu a pré-escola particular do Centro Bom Pastor e matou quatro crianças com uma arma branca antes de se entregar à polícia, disseram as autoridades. Autoridades da polícia e do governo disseram que o homem também feriu outras quatro pessoas.
Redes são vistas em pré-escola particular onde agressor matou quatro crianças com arma branca, em Blumenau, Santa Catarina, no sul do Brasil, em 5 de abril de 2023. Agressor de 25 anos invadiu a pré-escola particular do Centro Bom Pastor e matou quatro crianças com uma arma branca antes de se entregar à polícia, disseram as autoridades. Autoridades da polícia e do governo disseram que o homem também feriu outras quatro pessoas. (Foto: Anderson Coelho/AFP)

O ataque da manhã desta quarta-feira aumentou para ao menos 40 o número de alunos e professores mortos em atentados a escolas desde o início dos anos 2000. O levantamento é parte de um relatório apresentado durante os trabalhos de transição do Governo Federal, em dezembro.

Morador de Santa Catarina e com antecedentes criminais, o agressor se entregou posteriormente à Polícia Militar e foi detido.

Para conter boatos repercutidos na Internet, o delegado geral de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, ponderou que este foi um caso isolado. Ele afirma que a ação do criminoso "não é coordenada por jogo, rede social, conversas ou negociações entre criminosos, e não tem relação com outras práticas criminosas". Paralelamente, o Governo Federal informou que vai monitorar a Internet para prevenir outros ataques.


A morte das crianças, "todos filhos únicos", deixa "uma marca na história de Blumenau", disse Mário Hildebrandt (Podemos), prefeito da cidade de 360.000 habitantes, onde foram suspensas as aulas nas escolas e as comemorações da Páscoa.

O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), decretou três dias de luto oficial.

Os ataques a escolas aumentaram nos últimos anos no Brasil. O mais recente aconteceu em 27 de março, quando um adolescente de 13 anos matou a facadas uma professora de 71 anos em uma escola em São Paulo. Um mês antes, um adolescente de 17 anos foi apreendido após arremessar uma bomba caseira pela janela de uma escola. Ninguém ficou ferido.

No ano passado, foram pelo menos sete casos, resultando em seis óbitos. Um deles foi em Sobral, a 234km de Fortaleza. Um jovem, que se diz vítima de bullying, levou uma pistola para a escola. Atingiu três, matou um. A Polícia Civil concluiu ter sido um disparo acidental. (Com agências; colaborou Gabriela Almeida e Gabriel Gago / Especial para O POVO)

Crianças mortas na tragédia

  • Bernardo Cunha Machado - 5 anos
  • Bernardo Pabest da Cunha - 4 anos
  • Larissa Maia Toldo - 7 anos
  • Enzo Marchesin Barbosa - 4 anos

Nota da Redação

O POVO opta por não publicar foto, vídeo, nome ou qualquer detalhe sobre o autor do ataque a escola em Blumenau, em Santa Catarina. A decisão atende a recomendações de estudiosos em comunicação e violência.

Entendemos que a divulgação dessas informações pode vir a estimular novos agressores, que usem a divulgação da imprensa profissional como forma de promoção de atos de violência.

O POVO pretende manter a postura em casos subsequentes, podendo reavaliar se novos estudos indicarem rumos que tragam maior segurança à sociedade.

 

Atentados em escolas no Brasil

1: Realengo, RJ (Abril de 2011): Um homem invadiu uma escola e matou a tiros 12 alunos de 13 a 15 anos

2: São Caetano do Sul, SP (Setembro de 2011): Um estudante de 10 anos atirou na professora

3: João Pessoa, PB (Abril de 2012) : Dois jovens invadiram o pátio da escola, atiraram em três garotas, atingindo duas

4: Goiânia, GO (Outubro de 2017): Um estudante de 14 anos matou a tiros dois colegas e feriu outros quatro

5: Medianeira, PR (Setembro de 2018): Um adolescente de 15 anos baleou dois colegas na escola

6: Suzano, SP (Março de 2019): Um adulto e um adolescente invadiram uma escola, mataram oito pessoas e deixaram 11 feridos

7: Charqueadas, RS (Agosto de 2019): Um adolescente de 17 anos atacou com golpes de machadinha seis alunos e uma professora

8: Aricanduva, SP (Setembro de 2019): Um professor foi esfaqueado por um aluno de 14 anos

9: Caraí, MG ( Novembro de 2019): Um aluno de 17 anos pulou o muro da instituição, atirou contra os colegas e atingiu dois alunos de 17 anos

10: Saudades, SC (2021): Um homem invadiu uma escola-creche e matou cinco pessoas: uma professora, uma agente educacional, e três crianças com menos de 2 anos

11: São Paulo, SP (Março de 2022): Um estudante de 13 anos esfaqueou uma aluna de 12 anos e feriu outro estudante de 11

12: Ilha do Governador, RJ (Maio de 2022): Quatro estudantes foram esfaqueados dentro de uma escola municipal

13: Morro do Chapéu, BA (Setembro de 2022): Um adolescente ateou fogo na escola e esfaqueou a coordenadora

14: Barreiras, BA (Setembro de 2022): Um adolescente de 14 anos invadiu uma escola e matou uma aluna cadeirante

15: Sobral, CE (Outubro de 2022): Um adolescente de 15 anos atirou em três alunos. Uma das vítimas morreu. Disparo teria sido acidental

16: Aracruz, ES (Novembro de 2022): Um adolescente de 16 anos entrou atirando em duas escolas da cidade, deixando 4 mortos e 13 feridos

17: Ipaussu, SP (Dezembro de 2022): Homem invadiu escola, esfaqueou duas pessoas e fez outra de refém.

18: Monte Mor, SP (Fevereiro de 2023): Um adolescente de 17 anos foi apreendido após arremessar uma bomba caseira pela janela de uma escola

19: Vila Sônia, SP (Março de 2023): Adolescente de 13 anos matou uma professora e feriu 4 pessoas

Brasília (DF), 13/02/2023 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia de assinatura de decretos recriando o Programa Pró-Catador de materiais recicláveis.
Brasília (DF), 13/02/2023 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia de assinatura de decretos recriando o Programa Pró-Catador de materiais recicláveis.

Monitoramento de ameaças e fundo nacional para escolas

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou que o ministério vai alocar, a partir de hoje, 50 policiais para monitorar a internet para averiguar a existência de outras ameaças de ataques a escolas. Dino disse ainda que o Planalto vai destinar, por meio de edital, R$ 150 milhões para reforçar o patrulhamento escolar nas redee municipal e estadual do Brasil.

"Estou constituindo, na nossa Secretaria de Segurança Pública, um grupo emergencial de monitoramento (...) porque estamos vendo, no nosso País, uma ideia de pânico (envolvendo) ameaças a outras escolas, a universidades", disse Dino.

Já o ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou a criação de um grupo de trabalho interministerial para pensar em políticas públicas para combater o aumento da violência nas escolas. "Que nesse grupo de trabalho possamos ouvir os secretários de Educação, ouvir os prefeitos, os especialistas e possa construir politicas de prevenção à violência nas escolas." Esse GT contará com Camilo, Dino, e os ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Márcio Macêdo (Secretaria-Geral).

Silvio Almeida, lamentou o ataque. "Um país que mata crianças é tudo, menos democrático. É tudo, menos decente. Estamos falhando miseravelmente com as crianças e adolescentes, com as pessoas que mais precisam de nós. Temos que admitir isso para podermos dar um passo à frente", disse.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva disse que foi um dia que deixa os seres humanos "enojados". "Não há dor maior que a de uma família que perde seus filhos ou netos, ainda mais em um ato de violência contra crianças inocentes e indefesas", escreveu. (Agência Estado)

 

Pessoas acendem velas durante vigília em Blumenau, Santa Catarina, no sul do Brasil, em 5 de abril de 2023. Um agressor de 25 anos invadiu a pré-escola particular do Centro Bom Pastor e matou quatro crianças com arma branca antes de virar se entregou à polícia, disseram as autoridades. Autoridades da polícia e do governo disseram que o homem também feriu outras quatro pessoas.
Pessoas acendem velas durante vigília em Blumenau, Santa Catarina, no sul do Brasil, em 5 de abril de 2023. Um agressor de 25 anos invadiu a pré-escola particular do Centro Bom Pastor e matou quatro crianças com arma branca antes de virar se entregou à polícia, disseram as autoridades. Autoridades da polícia e do governo disseram que o homem também feriu outras quatro pessoas.

Especialistas avaliam que a solução para evitar tragédias não é simples ou única

"Minha sala fica bem na entrada da escola. Se alguém entrasse, o máximo que eu poderia fazer era segurar a porta e proteger meus alunos, nem que fosse com a minha vida". A frase é de uma professora de 57 anos, 22 dedicados ao ensino público, ao considerar que poderia fazer parte de uma das mais recentes e tristes estatísticas brasileiras: a de escolas atacadas e de alunos e professores mortos.

Um detector de metais? Um policial na porta? Muros mais baixos, que façam a vizinhança identificar situações de perigo? Professores treinados para eventos com múltiplas vítimas? Tecnologia de identificação? O que realmente conseguiria impedir as tragédias?

"Precisamos de uma Pedagogia que faça recortes, de raça, de classes sociais, de gerações, de violência. Precisamos entrelaçar esses recortes. E ainda assim podemos não ter uma resposta", avalia a professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Ana Maria Borges. Nordestina, a docente lembra quando enfrentou, há 42 anos, o preconceito ao se tornar a primeira colocada em um concurso público do Estado.

Ela pondera ainda que, resumir o que houve na escola em Blumenau a um só fato ou uma só pessoa é equivocado. "É fácil levar a responsabilidade exclusiva para o autor. Mas ele faz parte de um universo violento, em que o momento político e social favoreceu a essa cultura", afirma. A professora lembra - e uma pesquisa do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp confirma - que antes dos anos 2000 a violência nas escolas não incluía assassinatos.

"Mas houve um culto ao modelo bélico americano, um caldo de cultura fascista em que a violência é legitimada como linguagem", destaca Ana Maria. Uma realidade disseminada de forma intensa na internet, cada vez mais aparente. O que antes ficava restrito à deep web, hoje se materializa e ganha força, por exemplo, em chats de jogos online que estimulam a violência. "Nesses locais você não tem algo que é essencial às relações sociais, que é o contraditório", ressalta.

Acesso a armamentos, bullying, violência virtual, ódio, preconceito, atuação de uma extrema direita e até células neonazistas. Esses são alguns dos fatores citados pela professora que podem ter motivado ações como a registrada na creche.

Ana ressalta, porém, que a saúde mental, principalmente após a pandemia de Covid-19, também carece de mais atenção. "Não há psicólogos e assistentes sociais nas escolas públicas. Muitas vezes os professores precisam dar conta desde piolhos até violência doméstica", argumenta.

Para a coordenadora-adjunta do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente no Ceará (Cedeca), Marina Araújo, o caminho para que os ataques a instituições de ensino cessem também está no debate de políticas públicas de saúde mental.

"Escola e comunidade precisam estar integradas nessas políticas. Se isso não acontece, enfraquece aquele espaço como sendo de proteção", explica. Marina entende que por mais que haja a necessidade de medidas emergenciais ostensivas, o caminho sempre deve ser o de uma educação com qualidade.

"Política ostensiva de segurança não vai impedir que esses fenômenos aconteçam. Nos Estados Unidos, após o massacre de Columbine, a atuação policial nas escolas comprovadamente não impediu que novos casos acontecessem", pondera. No ataque, em 1999, dois adolescentes mataram 12 alunos e um professor.

Marina destaca ainda que, na maioria dos ataques, o que há de comum a todos: são causados por armas, por pessoas do sexo masculino e brancos. "É preciso discutir o problema também, discutindo outras questões".

 

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 27-02-2023: Prefeito de Fortaleza, José Sarto, e o governador do Ceará, Elmano de Freitas 
acompanham o início da aplicação da vacina bivalente contra a covid-19 na Capital. (Foto: Samuel Setubal/ Especial para O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 27-02-2023: Prefeito de Fortaleza, José Sarto, e o governador do Ceará, Elmano de Freitas acompanham o início da aplicação da vacina bivalente contra a covid-19 na Capital. (Foto: Samuel Setubal/ Especial para O Povo)

Secretarias de Educação de Ceará e Fortaleza listam ações contra violência

Pelo menos 10 programas, iniciativas ou ações foram listadas pelas secretarias de Educação de Fortaleza (SME) e do Ceará (Seduc) no sentido de prevenir casos de violência nas escolas. Os objetivos variam desde qualificação das relações interpessoais, acolhimento socioemocional e fortalecimento da relação escola-comunidade a temas como bullying e condições de saúde mental de professores.

O POVO solicitou entrevistas com profissionais responsáveis pelo desenvolvimento das atividades, mas nenhuma fonte foi disponibilizada. Objetivo era entender melhor a execução e os resultados do que foi listado. E saber como as gestões pensam a realidade atual e como avaliam as ações executadas em Blumenau após o ataque dessa quarta-feira, 5.

Considerando a recorrência de casos de violência em escolas, autoridades da cidade catarinense afirmaram já estar realizando treinamento nas escolas para eventos de múltiplas vítimas. Também destacaram a importância de ter, dentro do Plano Diretor, a recomendação de que escolas tenham muros que permitam uma maior interação com o lado exterior.

Não se sabe, porém, se estas seriam medidas pensadas para o Ceará.

No Estado, uma Lei de 2020 autorizou a criação das Comissões de Proteção e Prevenção à Violência contra crianças e adolescentes nas escolas.

Conforme a Seduc, as Comissões estão em implantação, em parceria com o Ministério Público Estadual (MPCE) no interior. Nenhuma data foi informada. Em Fortaleza, a Seduc afirma que as 167 escolas estaduais já contam com a iniciativa.

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