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100 dias: As medidas de Lula para gerar segurança ao cidadão e ao mercado
Reportagem

100 dias: As medidas de Lula para gerar segurança ao cidadão e ao mercado

Sinalização do presidente busca passar confiança sobre as medidas tomadas nos primeiros cem dias, mas futuro da gestão dependem de avanços ainda inéditos na trajetória do gestor
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100 DIAS LULA E ELMANO 04 (Foto: JANSEN LUCAS)
Foto: JANSEN LUCAS 100 DIAS LULA E ELMANO 04

 

 

O terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República teve início envolto de muitas expectativas em relação à política econômica.

A promessa de focar na redução das desigualdades e no amparo às camadas mais vulneráveis da sociedade era associada ao descumprimento de regras fiscais que colocariam o desempenho do País em risco.

Mas o resgate de políticas públicas de sucesso dos dois primeiros mandatos nestes primeiros cem dias de gestão geraram segurança ao setor produtivo e aos cidadãos, apesar da pressa por resultados exporem crises internas do governo, segundo avaliam os especialistas consultados pelo O POVO.

Novo mandato de Lula traz políticas de gestões anteriores(Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República)
Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República Novo mandato de Lula traz políticas de gestões anteriores

A lista de reativação inclui, principalmente, o Bolsa Família - agora de R$ 600 e com acréscimo de benefícios e regras de proteção a depender da situação dos beneficiários - e o Minha Casa, Minha Vida - no qual a faixa um retornou.

Mas contam ainda com as compras de excedentes do agronegócio e de pequenos produtores rurais por órgãos governamentais.

Os programas estimulam o poder de consumo da camada mais pobre da população, dão a segurança da casa própria e impulsionam o comércio e construção civil, direta e indiretamente.

 

 

O mercado de trabalho nos primeiros cem dias

Na prática, segundo classifica Carla Dani, economista e professora dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), o que Lula fez foi “uma colocação da casa em ordem”.

“Esse início de governo foi muito atípico. Foi preciso aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) da transição antes da posse. Então, esse é um símbolo muito importante porque o desarranjo orçamentário estava em um nível tal que o Congresso teve que se reunir, aprovar antes da posse do novo governo eleito, uma emenda à constituição para fazer um orçamento adicional até para terminar o ano. Depois, no dia 8 de janeiro, tivemos uma tentativa de golpe de Estado. Quase que no primeiro mês inteiro, literalmente, ele foi colocando a casa em ordem, porque ela foi arrebentada”, ponderou.

Os cem primeiros dias representam o início de trabalhos que devem focar na redução da inflação para conseguir atingir o objetivo declarado de redução das desigualdades, na análise de Lauro Chaves Neto, presidente da Associação Cearense de Economia (ACE).

Ele recorda que o período pós-Plano Real, entre os mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula, apresentou uma redução da desigualdade relevante no País acompanhado de baixa na inflação que deve ser perseguido por Lula no novo mandato.

 

 

A inflação nos primeiros cem dias

“Se listar os itens maiores feitos nos primeiros cem dias, foi mais um pacote de acertos do que de erros. Agora, daqui pra frente, o que se espera é uma marca própria para que não se fique o tempo todo comparando com o primeiro ou o segundo mandato do Lula”, afirma Carla Dani.

 

 

Avanço esperado

O avanço dentro das medidas econômicas é esperado inicialmente do novo arcabouço fiscal. Ainda pouco conhecido pelos especialistas fora dos círculos já visitados pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), as novas regras para a economia do País são inéditas e encaradas como primeiro desafio econômico de Lula - até porque a âncora anterior, o teto de gastos, foi duramente criticada por ele na campanha de 2022.

"Esse arcabouço fiscal me parece mais maduro, até muito próximo dos modelos internacionais. Teve aprovação interessante dentro do mercado financeiro e precisamos esperar como vai passar pelo Congresso", observa a economista e professora de MBA da FGV.

A atenção à aprovação das novas regras fiscais por deputados e senadores, no entanto, exige uma articulação entre os agentes do governo ainda não observada neste novo mandato de Lula.

O presidente, inclusive, precisou dar uma reprimenda nos ministros por programas serem anunciados sem sequer passarem por ele ou pela Casa Civil.

Haddad e Lula tiveram que lidar com a reação dos bancos(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil Haddad e Lula tiveram que lidar com a reação dos bancos

O episódio de maior constrangimento aconteceu após o ministro da Previdência, Carlos Lupi, bancar a redução dos juros consignados para aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sem consultar o colega da Fazenda, Fernando Haddad, e muito menos o presidente.

Em represália, os bancos suspenderam a oferta dos empréstimos e deflagraram a primeira crise interna do Governo Federal.

"Essa situação está atrelada à afobação de apresentar resultados. Isso pode dar em ‘bateção de cabeça’. O governo não precisava desse tipo de desgaste. E, sim, os juros estão elevados. Sim, o crédito consignado para aposentados tem juros abusivos, causa inadimplência e não há justificativa para essa taxa. Há uma legitimidade no assunto em si, mas a afobação faz com que perca a legitimidade, o debate e vira papo de fundo de quintal. Isso é uma coisa ruim", atesta Carla Beni.

Para a professora, a equipe de Lula vai precisar demonstrar mais entrosamento para emplacar uma agenda positiva e não "sinalizar que está perdido e batendo cabeça porque isso afeta a credibilidade."

 

 

Reconciliação nas políticas fiscais e monetária

Mas não foram todas as medidas econômicas tomadas por Lula que são encaradas positivamente pelos especialistas.

O acordo para a compensação de perdas dos estados depois da mudança na alíquota do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis é considerado por Lauro Chaves um equívoco.

O economista Lauro Chaves fala sobre a independência do Banco Central(Foto: DIVULGAÇÃO)
Foto: DIVULGAÇÃO O economista Lauro Chaves fala sobre a independência do Banco Central

“Teria sido mais prudente deixar a resolução dessa questão com a reforma tributária e fazer todos os esforços políticos para que a reforma tributária seja aprovada nesse semestre”, considerou.

Porém, a mais condenada delas diz respeito às críticas diretas do chefe do Executivo ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto.

Desde a primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em 31 de janeiro de 2023, o presidente faz declarações públicas em evidente pressão contra a decisão de manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano, encabeçada por Campos Neto. Tensão que se elevou ao longo dos cem dias de governo.

"Eu sou uma defensora profunda da queda da taxa de juros e não há risco fiscal na curva futura de juros que justifique 7% de taxa real de juros. Então, a crítica procede, crítica saudável... O problema não é a crítica, é o como. Aí a gente vai para a polêmica, politizando isso, e fica discussão entre dois CPFs. Isso é errado, porque nós temos o chefe do executivo com o ministro da Fazenda de um lado e o presidente do banco central do outro", diz Carla Beni.

A professora ressalta que "os países desenvolvidos todos trabalham com bancos centrais independentes, e isso foi um avanço no Brasil", mas os embates políticos entre os líderes é um ponto ruim para a economia nacional por rivalizar e dividir setores importantes em um momento no qual é preciso união.

Lauro Chaves Neto, presidente da Academia Cearense de Economia (ACE), afirma que é necessário o reconhecimento da independência do BC por Lula para uma "conciliação" das políticas monetária, executada por Campos Neto, com a fiscal, de responsabilidade do Governo Federal.

"Eu acredito que sim, os juros no Brasil estão extremamente elevados. Mas juros elevados no Brasil não são principalmente o da Selic, mas o praticado efetivamente no mercado, quer seja pessoa física ou jurídica. Isso trava o desenvolvimento do Brasil. Temos que buscar mecanismos para que essa taxa efetiva do mercado seja reduzida. Se o governo encampasse essa luta, teria um efeito muito maior para acelerar o desenvolvimento e reduzir as desigualdades do que essa briga política com o Banco Central", avalia.

 

 

Diferenças regionais

 

Reconhecido o objetivo de Lula na redução das desigualdades nesse terceiro mandato, a região Nordeste surge como um dos alvos prioritários de ações importantes e "a quantidade de ministros nordestinos em postos-chave, em especial na área social, é um bom sinal", segundo analisa Tania Bacelar, professora emérita da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e sócia da Ceplan Consultoria.

Camilo Santana é um dos ministros nordestinos, sendo ex-governador do Ceará(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil Camilo Santana é um dos ministros nordestinos, sendo ex-governador do Ceará

Os nomeados, de fato, ocupam pastas relevantes: além de Rui Costa (BA) na Casa Civil, há Renan Filho (AL) nos Transportes; Flávio Dino (MA) na Justiça e Segurança Pública; Margareth Menezes (BA) na Cultura; e, dentro do destaque de Tania, especialmente: Camilo Santana (CE) na Educação, e Wellignton Dias (PI) no Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

"Mas é importante destacar que o “coração” da área econômica é paulista (falo dos ministros da Fazenda, do Desenvolvimento, Presidente do BNDES...).

E o Nordeste precisa ser revistado, pois mudou muito nas décadas recentes e os centros de decisão econômica e política do País não tem clareza disso", observa.

Ao O POVO, Tania Bacelar ressalta que "as políticas sociais são importantes mas não devem ser as únicas" e cita a necessidade de que o Nordeste seja contemplado pela política de reindustrialização neste novo governo, assim como pela a política de Ciência, Tecnologia e Inovação ou a de investimentos na infraestrutura de comunicação.

Tânia Bacelar cita a necessidade de que o Nordeste seja contemplado pela política de reindustrialização(Foto: Tatiana Fortes)
Foto: Tatiana Fortes Tânia Bacelar cita a necessidade de que o Nordeste seja contemplado pela política de reindustrialização

Ela ainda afirma que “o Nordeste precisa também ter mais protagonismo na política ambiental".

"O semi-árido vive um novo momento e está clamando por abordagem muito semelhante à que está sinalizada para a Amazônia ('floresta em pé com um choque de conhecimento', como propunha Bertha Becker), pois aqui também trata-se de deixar de agredir a caatinga e valorizar seus potenciais (em especial os que vem de sua vegetação única) para produzir fármacos, cosméticos, biofungicidas, produtos voltados à segurança alimentar, entre outros", enumera, defendendo um "choque de conhecimento".

Para tal, a participação dos agentes convocados por Lula para o governo é crucial, reconhece, mas também indica que o Consórcio Nordeste pode alertar para tais necessidades neste novo governo.

 

 

O que esperar para 2023

Uma das bandeiras de Lula é o programa de transferência de renda Bolsa Família(Foto: LULA MARQUES)
Foto: LULA MARQUES Uma das bandeiras de Lula é o programa de transferência de renda Bolsa Família

Até o fim deste ano, os especialistas apontam para a reforma tributária como o principal projeto econômico do governo Lula.

A nova âncora fiscal, guardadas as proporções, deve servir de laboratório para o que, para Lauro Chaves, “é tão complexa que acelera a desigualdade.”

“O Brasil precisa definitivamente de uma reforma que exonere bens e serviços em um patamar próximo à OCDE, que é 32% da carga tributária, trabalhamos com 43%, e que seriamente comece a tributar renda, lucro, juro, patrimônio e dividendo. Sem tributar isso, a gente não vai conseguir diminuir desigualdade nunca nesse País”, arremata Carla Beni. 

 

 

Confira as medidas tomadas pelo novo governo Lula 

Balanço e desafios de Lula

Por se tratar de um governo de reconstrução nacional, Lula utilizou esses primeiros 100 dias mais para reorganizar áreas da burocracia de Estado e de políticas públicas do que propriamente para fazer avançar novas agendas.

A retomada de programas simbólicos de governos petistas, como "Minha Casa, Minha Vida", "Bolsa Família" e "Mais Médicos", ilustra bem isso, mas também ilude. Parte importante das políticas reorganizadas precede os governos petistas.

É o caso das políticas ambiental, indigenista, cultural, educacional, externa e de ciência e tecnologia, que foram sucateadas ou mesmo desmanteladas durante o quadriênio de Bolsonaro. O desmonte e o achaque a burocracias importantes como as do Ibama, ICMBio e Funai ilustram o que precisa ser reconstituído.

Ademais, temos um Congresso bem mais empoderado do que aquele com o qual lidaram os diversos presidentes desde a redemocratização. Isso reduz a velocidade dos acordos e dificulta o avanço das agendas.

Balanço

Na última quinta, Lula falou sobre o começo de mandato: "Estou mais do que satisfeito com o que conseguimos projetar nesses 100 dias"

Retórica contra Lava Jato e bolsonarismo

No terceiro mandato presidencial, Lula (PT) encontra cenário diferente de quando chegou ao Planalto pela primeira vez, duas décadas atrás.

Recém-saído de uma eleição acirrada, ele tem enfrentado uma oposição mais organizada em torno de dois eixos: o bolsonarismo e o lavajatismo, que parecia enterrado mas recobrou algum fôlego, com a contribuição do próprio petista.

Nesse período inicial, o chefe do Executivo dirigiu as críticas públicas a alvos prioritários. Um é o antecessor Jair Bolsonaro (PL). O outro é o senador e ex-juiz Sergio Moro (União Brasil-PR).

Para o cientista político Cleyton Monte, a retórica reforçou uma fronteira que, segundo ele, Lula estabeleceu nos 100 dias de gestão. "Uma das questões que mais foram vistas nesses 100 dias foi a demarcação com o bolsonarismo", atesta Monte, acrescentando que esse embate se deu por meio da "revogação de atos, portarias, decretos e anulação de medidas".

Mesmo fora do poder e do Brasil, Bolsonaro permaneceu sob fogo cerrado. Assim como Moro, que, até então desempenhando papel acanhando no Congresso, foi levado para debaixo dos holofotes por Lula. Alvo de plano do PCC, o senador esteve no centro do debate político por alguns dias após o presidente afirmar que a trama criminosa era uma armação do parlamentar.

Além dos dois episódios, Monte assinala também a investida golpista do 8 de janeiro como um divisor de águas dessa etapa.

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