Uma nova reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para os dias 3 e 4 de maio, deve aumentar o foco sobre o assunto que é motivo de conflito entre o governo federal e o Banco Central (BC) desde o início do ano: a taxa básica de juros, a Selic.
Os dois estão em lados opostos quando o assunto é mexer no atual patamar de 13,75% ao ano. Mas, afinal, é o momento de baixar a Selic?
O POVO consultou economistas para comentar essa possibilidade, que provocou bate-boca público entre o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Principal referência para as demais taxas de empréstimos e aplicações financeiras, a Selic ainda impacta sobre o comportamento da inflação e o retorno dos investimentos.
Estes dois últimos pontos são justamente o motivo do embate. Enquanto Campos Neto defende que o atual patamar da inflação não é suficiente para reduzir a taxa, Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dizem o oposto.
"O processo de desinflação é impressionante. Saímos do patamar de cerca de 12% para um para um patamar de cerca de 4%. Se parar para pensar, tivemos um episódio da redução dos impostos. Os impostos estão voltando para a gasolina, não vamos ver uma deflação como vimos no ano passado. Acho esse patamar exagerado em termos de taxa de juros", diz Mauro Rochlin, coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Já Igor Lucena, presidente do Conselho Regional de Economistas do Ceará (Corecon-CE), defende uma manutenção das taxas por não acreditar que a inflação esteja totalmente sob controle. A expectativa dele é de uma manutenção da taxa até o segundo semestre de 2023.
"O boletim focus dessa semana mostrou tanto o aumento da inflação como do core inflacionário. Se hoje, na canetada, a gente tiver uma taxa de juros como a americana, de 4,5%, não ia ter dinheiro sequer para renegociar a dívida pública no mês que vem, nem pagar funcionalismo público, nem INSS... Ninguém ia comprar título brasileiro com a mesma taxa americana, é simples", argumenta.
A apresentação do projeto de novo arcabouço fiscal pelo Governo Federal, uma medida cobrada pelos agentes econômicos para uma alteração da Selic, também é motivo de divergência entre os economistas. Rochlin considera o texto do documento, dada as condições atuais da economia e o comparativo com o teto de gastos, "maravilhoso".
"O projeto mostra um propósito, uma intenção do governo de métricas para o objetivo e são completamente razoáveis. Em geral, o mercado acabou aceitando muito bem, curiosamente", afirmou, observando que o governo anterior, mesmo após a pandemia, não conseguiu cumprir a âncora fiscal.
Entregue ao Congresso, a expectativa é votar o projeto até o fim deste semestre. Apesar de não ter gerado turbulência no mercado financeiro, as cobranças por uma punição para o governo que não cumprir a meta é motivo de desconfiança e justifica a manutenção da Selic, segundo Lucena.
"Importante dizer: crescimento não vem de taxa de juros. Parece que toda pressão política que está ocorrendo é de que baixa a taxa hoje, o crescimento chega amanhã. Não chega. Vivemos em um cenário de máquina administrativa inchada, diminuição das privatizações, leis aprovadas como a volta do imposto sindical. Estamos assistindo um conjunto de visões que geram uma total insegurança jurídica que não atrai investimento", analisa.
Apesar das divergências, os economistas defendem um debate técnico a respeito do assunto. Ambos consideram que as falas agressivas entre Lula e Campos Neto dificultaram a discussão e o mesmo foi observado quando o assunto chegou ao Congresso na última semana.
Custo efetivo do crédito precisa ser tratado
O mais importante nesse debate do juros é o custo efetivo do crédito para pessoa física financiar o seu consumo e para a pessoa jurídica financiar ou seu capital de giro ou os seus investimentos em expansão, modernização e novas instalações.
Esse debate tem ficado à margem de todo esse debate político sobre a Selic. A Selic tem sim uma grande importância, principalmente, no financiamento da dívida pública e no custo das despesas financeiras do governo.
Porém, o mais importante para o crescimento do setor privado da economia é o custo real do crédito. É sobre esse aspecto que deveria gerar o debate. Por que, com a Selic a 13,75% ao ano, tem taxas muito mais altas de crédito efetivo para as empresas e para o consumidor?
Isso só vai conseguir ser reduzido com o aumento da competição, a diversificação do sistema financeiro - hoje, seis ou sete instituições controlam praticamente todos os ativos financeiros do País - e com a redução da cunha fiscal do setor.
Como o estímulo ao crédito pode pressionar por juros menores?
Das estratégias do Governo Federal para pressionar o Comitê de Política Monetária (Copom) a baixar a taxa básica de juros, a de maior destaque nas últimas semanas, além da entrega do projeto do novo arcabouço fiscal, foi a elaboração de 13 medidas de estímulo ao crédito. Mas como tomar mais dinheiro faz com que os juros-referência baixem? Especialistas divergem também sobre essa estratégia.
"À medida que se gera uma perspectiva de maior credibilidade da qualidade do crédito, consegue-se observar melhoria. Como chega até a ponta, no consumidor final, isso ajuda na precificação e diferenciação do crédito", afirma Ricardo Coimbra, economista e professor universitário.
Ele defende que a pressão gerada a partir das medidas impõe mais responsabilidade sobre o Copom, uma vez que "a taxa de juros num patamar elevado vai continuar deixando o crédito ainda mais caro e isso gera uma retração tanto para os consumidores pessoa física como pessoa jurídica".
O encolhimento da economia gerado por essa lógica, diz Coimbra, é imputado ao Banco Central, especialmente, no momento em que parte significativa da população (70,7 milhões de pessoas, segundo dados da Serasa) e das empresas (6,5 milhões) estão negativados nos bureaus de crédito por não conseguirem quitar os empréstimos tomados.
As medidas apresentadas pelo Ministério da Fazenda em 21 de abril estão divididas em três eixos: mercado de crédito bancário, mercado de capitais e mercado de seguros. Segundo o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, uma das ações essenciais é a elevação do valor do chamado "mínimo existencial", que é a fatia mínima da renda do cidadão que não pode ser comprometida com dívidas.
"Hoje, políticas dos bancos já impedem a concessão de grandes volumes para baixa renda. Critério do mínimo existencial nos parece bastante razoável. Temos mais de 70 milhões de brasileiros com o CPF negativado, temos um problema crônico", afirmou.
Segundo o governo, o objetivo principal das medidas é facilitar acessos e reduzir taxas de juros no mercado de crédito; proteger investidores no mercado de capitais; melhorar o funcionamento das instituições que dão suporte aos mercados bancário e de capitais; e aprimorar o processo de utilização de garantias. Mesmo que não tenha data definida para a ativação da maioria delas.
Mas Mauro Rochlin, coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que esse tipo de atitude não surte efeito no resultado da reunião do Copom.
Ele afirma que o uso de ferramentas da política monetária é atributo único do Banco Central, e qualquer movimentação do Governo Federal é inútil para surtir efeito na taxa básica de juros - ainda mais com a polêmica gerada desde o início do governo Lula. "Não vai resolver absolutamente nada. O que o governo pode fazer é reclamar. Uma pena que esse debate não tenha sido travado de forma técnica", lamentou.
As 13 medidas de estímulo ao crédito
Aval da União às PPPs de estados e municípios
Operações de crédito que vão viabilizar Parcerias Público-Privadas (PPPs) nos estados e municípios terão a garantia da União.
Debêntures incentivadas
Ampliação das possibilidades de emissão de debêntures incentivadas, que são títulos emitidos por empresas e negociados no mercado de capitais que contam com uma tributação reduzida de Imposto de Renda, para incentivar, por exemplo, projetos de infraestrutura voltados às áreas social e ambiental.
Novo Marco das Garantias
Projeto de lei já apresentado ao Congresso muda as regras de garantia no mercado de crédito. Dentre outros pontos, um mesmo imóvel poderá ser usado como garantia em mais de uma operação.
Garantia com recursos previdenciários
Projeto de lei vai possibilitar o uso de recursos de planos de previdência complementar aberta e títulos de capitalização como garantia em empréstimos bancários.
Simplificação e desburocratização do crédito
Projeto de lei vai simplificar a emissão de debêntures - títulos de crédito emitidos por empresas e negociados no mercado de capitais - em geral.
Acesso a dados fiscais
Portaria simplifica o compartilhamento de dados fiscais, por parte de pessoas e empresas, com instituições financeiras.
Autorização de bancos e moeda digital
Projeto de lei complementar que deve flexibilizar o processo de autorização para o funcionamento de novas instituições financeiras no país.
Regime de Resolução Bancária
Apoio ao PLP 281/2019 que simplifica e aprimora o chamado "regime de resolução bancária".
Superendividamento
Regulamentação da Lei do Superendividamento vai elevar o "mínimo existencial" de R$ 303 para R$ 600
Proteção a investidores no mercado de capitais
Projeto de lei vai propor mecanismos de proteção aos investidores minoritários
Infraestruturas do mercado financeiro
Projeto de lei vai aprimorar a legislação sobre os processos de liquidação, compensação, garantias, registro e depósitos de ativos financeiros e valores mobiliários.
Ampliação das cooperativas de seguros
Projeto de lei vai ampliar o leque de atuação das cooperativas de seguros
Marco legal do seguro privado
Apoio ao PL 29/2017, que está no Senado, que aperfeiçoa as regras do mercado de seguro privado no país
Real Digital
Dentro do projeto que vai flexibilizar o processo de autorização de novas instituições financeiras no país, o Governo pretende também "esclarecer" a competência do Banco Central para o lançamento do real digital, moeda digital oficial do País