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Esquema de aliciamento a jogadores para apostas esportivas fere futebol brasileiro
Reportagem

Esquema de aliciamento a jogadores para apostas esportivas fere futebol brasileiro

Segunda fase da operação Penalidade Máxima denunciou 16 pessoas, sendo sete jogadores, à Justiça. Outros 34 atletas são citados na investigação, mas não viraram réus
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Bola do Campeonato Brasileiro 2023 durante partida entre América e Fluminense, válida pela 1ª rodada do Campeonato Brasileiro da Série A 2023 realizado na Arena Independência (Foto: Mourão Panda / América)
Foto: Mourão Panda / América Bola do Campeonato Brasileiro 2023 durante partida entre América e Fluminense, válida pela 1ª rodada do Campeonato Brasileiro da Série A 2023 realizado na Arena Independência

A credibilidade do futebol brasileiro está em xeque mais uma vez. Quarenta e um anos depois que a máfia da loteria esportiva foi desvendada e 18 anos após o escândalo da máfia do apito, que culminou no refazimento de 11 jogos da principal divisão do Campeonato Brasileiro, veio à tona nos últimos dias um esquema nacional de manipulação em jogos das Série A e B de 2022, além de quatro partidas de campeonatos estaduais já em 2023.

A denúncia que motivou as atuais investigações não partiu da imprensa, como nos casos anteriores, mas sim do presidente do Vila Nova-GO, um dos clubes que foi vítima do esquema fraudulento. O dirigente Hugo Bravo, que é policial militar, tomou conhecimento de que o atleta Romário, do Vila, estava envolvido em uma esquema de manipulação envolvendo três partidas da Série B de 2022 e teria recebido um valor adiantado de R$ 10 mil para cometer um pênalti no primeiro tempo da partida contra o Sport-PE, na última rodada do certame, já em novembro.

Romário, no entanto, não foi relacionado para aquela partida e tentou cooptar outro atleta para cometer a penalidade, porém sem sucesso. O presidente do time goiano descobriu ainda que o valor foi depositado na conta do jogador Gabriel Domingos, que deveria repassar o valor ao companheiro de clube, mas não fazia parte do esquema de manipulação, apenas teria emprestado os dados bancários. Hugo fez uma investigação por conta própria, juntou indícios e entregou ao Ministério Público de Goiás.

Em 14 de fevereiro de 2023, foi deflagrada a Operação Penalidade Máxima, que investigava manipulações em jogos da Série B de 2022, com quatro atletas, inicialmente, sendo apontados como suspeitos de participação em um esquema de fraudes em três jogos do certame. Além de Romário, estavam sob investigação os jogadores Matheusinho (ex-Sampaio Corrêa e hoje no Cuiabá), Joseph (ex-Tombense, hoje no Betim Futebol) e Gabriel Domingos, este por ter emprestado a conta bancária.

Além de Vila Nova x Sport, a manipulação consistia em haver penalidade cometida no primeiro tempo dos duelos Sampaio Corrêa x Londrina e Criciúma x Tombense. Matheusinho e Joseph fizeram pênalti nas partidas de seus ex-clubes, porém o mesmo não aconteceu na partida em Goiânia, o que era necessário para favorecer a aposta feita pelos cabeças do esquema.

Foram denunciados posteriormente, também, na primeira fase da operação Penalidade Máxima os atletas Ygor Catatau, Allan Godói, André Queixo e Paulo Sérgio. Todos atuaram no Sampaio Corrêa em 2022. Eles respondem por corrupção esportiva.

O apostador Bruno Lopes de Moura foi detido na primeira etapa e preso quando a fase 2 foi iniciada.

Segunda etapa

O buraco era mais fundo do que parecia. A sequência de investigações do MP de Goiás chegou a indícios de que partidas da Série A de 2022 e alguns jogos de campeonatos estaduais de 2023 haviam sofrido manipulação para favorecer um grupo de apostadores.

As práticas poderiam se enquadrar em organização criminosa, com pena de dois a quatro anos de reclusão e multa, lavagem ou ocultação de bens, com pena de três a dez anos e multa, além de dar ou prometer vantagem para falsear ou alterar resultado de competição esportiva e solicitar ou aceitar vantagem ou promessa de vantagem para falsear ou alterar resultado de competição esportiva, ambas com penas de dois a seis anos e multa.

No dia 18 de abril, o MP de Goiás anunciou a operação Penalidade Máxima II, com 20 mandados de busca e apreensão em 16 municípios de seis Estados brasileiros — não houve nenhuma busca no Ceará —, além de três prisões preventivas. O atleta cearense Igor Cariús, que joga no Sport-PE, foi um dos que teve pertences apreendidos, como a carteira de habilitação, notebook e celular.

Foram alvos de busca e apreensão também os jogadores Victor Ramos (Chapecoense), Eduardo Bauermann (Santos), Kevin Lomónaco (Bragantino), Moraes (Atlético-GO) e Gabriel Tota (ex-Juventude, hoje no Ypiranga-RS).

As investigações do Ministério Público tinham indícios de que um grupo de apostadores cooptava jogadores com ofertas entre R$ 50 e R$ 100 mil reais, com parte da quantia paga antes, como um sinal, para que situações específicas acontecessem em determinadas partidas, como receber cartões, cometer penalidade, gerar uma quantidade de escanteios e afins. As apostas eram feitas em cima das combinações prévias em várias casas de apostas online, garantindo resultados muito lucrativos, lesando os sites de beting e causando, muitas vezes, prejuízos diretos aos clubes.

Com novas provas colhidas, tanto por meio dos materiais apreendidos quanto por depoimentos de atletas envolvidos que fizeram acordo com o Ministério Público, na terça-feira, 9, foram realizadas 16 denúncias de pessoas por fraudes visando à manipulação de resultados em 13 partidas de futebol: oito do Campeonato Brasileiro da Série A de 2022, uma da Série B de 2022 e quatro de campeonatos estaduais realizados em 2023.

O documento do MP de Goiás contou com a assinatura de promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e da Promotoria de Combate ao Crime Organizado. O Poder Judiciário acolheu a denúncia.

Em mais de 100 páginas, o documento produzido pela investigação noticia 23 fatos criminosos ocorridos durante as partidas, nas quais jogadores se comprometeram a cometer faltas para receber cartões e a cometer pênaltis.

Além das penas previstas em Lei, o Ministério Público requereu o pagamento de R$ 2 milhões em danos morais coletivos causados pelos denunciados. O valor deverá ser atribuído globalmente, de forma solidária, a todos os réus.

Denunciados à Justiça

Segundo o portal UOL, 53 jogadores foram citados de alguma forma nas duas fases da operação Penalidade Máxima. Deles, 15 foram denunciados e são réus atualmente. Além dos já citados na primeira fase, vão ser julgados pela fase dois: Eduardo Bauermann, do Santos; Gabriel Tota, do Juventude; Paulo Miranda, do Juventude; Victor Ramos, que começou a temporada na Portuguesa, mas está na Chapecoense; Igor Cariús, hex-Cuiabá e hoje no Sport-PE, e Fernando Neto, ex-Operário-PR.

Alguns jogadores aparecem em conversas com os aliciadores e, apesar de não terem sido denunciados pelo MP-GO, foram afastados de seus clubes atuais. Casos do volante Richard, do Cruzeiro, e do lateral-direito Nino Paraíba, do América-MG. Ambos defendiam o Ceará na Série A de 2022. A lista também conta com Vitor Mendes, do Fluminense, Pedrinho e Bryan Garcia, do Athletico-PR. Alef Manga e Jesús Trindade, do Coritiba, não foram relacionados para a partida desta quinta-feira, 10, contra o Vasco da Gama, pela Série A.

No total, segundo UOL, 34 atletas aparecem nos prints e áudios juntados pela investigação, mas não há conclusão se eles foram apenas procurados pelos aliciadores ou realmente participaram do esquema. São os casos dos citados acima, que só tiveram os nomes divulgados porque os próprios clubes em que eles atuam se manifestaram sobre o fato.

Os apostadores e membros da organização criminosa que foram denunciados são: Bruno Lopez de Moura, conhecido como BL — já havia se tornado réu na primeira fase; Ícaro Fernando Calixto dos Santos, Luís Felipe Rodrigues de Castro, chamado de LF; Victor Yamasaki Fernandes, apelidado de Vitinho; Zildo Peixoto Neto, Thiago Chambó Andrade, Romário Hugo dos Santos, conhecido como Romarinho, William de Oliveira Souza, de apelido Mclaren; e Victor Ramos Ferreira.

Bola segue rolando

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) se manifestou oficialmente por meio de nota informando que enviou ofício à Presidência da República e ao Ministério da Justiça, solicitando que a Polícia Federal entre no caso e centralize todas as informações sobre as investigações. A entidade ainda se dispõe a dar todo o apoio que for necessário. O ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou que o inquérito seja instaurado na PF para apurar os fatos.

A paralisação do Campeonato Brasileiro foi descartada pela CBF, que se define como mais uma vítima dos supostos atos criminosos. A nota diz também que a mentora do futebol brasileiro “vem trabalhando em conjunto com a FIFA e outras esferas internacionais para um modelo padrão de investigação”.

Foi solicitado também que, em caso de comprovação dos fatos, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) imponha as sanções cabíveis de forma exemplar.

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