Prevenção -Denúncia - Boletim de Ocorrência - Checagem - Inquérito - Acompanhamento Psicossocial. Esse é o esqueleto das ações básicas que devem ser executadas quando uma criança ou adolescente é vítima de abuso ou exploração sexual. E está tudo conectado. “Quando chegamos para dar uma palestra de prevenção numa escola ou em uma comunidade, sempre tem alguém que vem depois e se reconhece como vítima”, conta a enfermeira e técnica de referência do Projeto Aquarela, executado em Fortaleza, Maísa Gurgel.
Uma das principais portas de entrada para denúncias são as escolas. “Congrega uma grande quantidade de crianças, é onde elas têm confiança e contato contínuo, por isso é um dos locais onde elas mais relatam o que aconteceu em casa”, explica Márcia Monte, especialista no enfrentamento à violência doméstica contra a criança e o adolescente e assessora de Proteção da ONG Visão Mundial.
Um grande passo para fazer essa porta mais eficiente foi a criação das Comissões de Proteção e Prevenção à Violência Contra a Criança e o Adolescente, implementadas a partir de orientações da Lei Estadual 17.253/2020. De acordo com a Secretaria Municipal da Educação (SME), todas as unidades escolares de Fortaleza possuem uma Comissão, que é composta pelo gestor da unidade, um professor e um funcionário eleitos. “Se você faz um processo de prevenção à violência na escola e isso passa para o cotidiano das famílias, se a criança fala e a escola notifica, vai ser um boom de notificações, mas é importante”, destacou Márcia.
O Conselho Tutelar é o órgão que normalmente recebe as informações que podem chegar pelas escolas ou outras instituições públicas que atendam crianças e adolescentes. “A escola toma conhecimento do caso, relata a situação com o máximo de detalhes, endereço, nome... o Conselho vai notificar ou visitar, a depender do caso. E já nem precisa escutar a denúncia novamente, para não revitimizar”, detalha a conselheira tutelar Cecília dos Santos Gois.
Após a checagem mais específica, a orientação aos responsáveis é que façam a denúncia na Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca). Há, entretanto, uma triste realidade que dificulta esse processo. “A pior parte é que, muitas vezes, o agressor é um familiar. E o próprio responsável, a mãe até, desacredita a criança”, conta Cecília. A Polícia Civil garante, porém, que uma vez sendo feito um Boletim de Ocorrência, mesmo que os responsáveis não levem a denúncia para frente, se houver o mínimo de “justa causa”, o inquérito é instaurado.
Demanda alta para poucos profissionais
Ao mesmo passo que os processos de prevenção, denúncia e acolhimento têm apresentado melhora na logística estrutural, os serviços ainda esbarram em um problema conhecido do serviço público. A demanda é muito alta para o total de profissionais disponíveis. No Programa Rede Aquarela, crianças e famílias têm acompanhamento psicológico, social e jurídico por até oito meses, a depender da demanda. Para os atendimentos junto a psicólogos, protocolos variam de 6 a 10 atendimentos, com possibilidade de extensão.
"Falta uma retaguarda. Quando o agressor é um familiar, provedor financeiro, a vítima vai para uma casa de acolhimento ou volta para casa do agressor. E mesmo no acolhimento, ela acaba sendo penalizada de novo", pondera Lídia Rodrigues, membro do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA). Ela cita ainda o pouco investimento em segurança pública investigativa e afirma que o contingente da DCeca é, hoje, o mesmo de uma década atrás.
A periodicidade do atendimento psicológico é, para Lídia, algo a ser questionado e visto com mais prioridade. "O padrão precisa ser o que é necessário. Algumas crianças precisam de meses, outras precisam de anos de terapia. A política é escassa, não tem como fazer um acompanhamento prolongado", critica Lídia.