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Com quadrimestre chuvoso, Ceará atinge maior reserva hídrica em uma década
Reportagem

Com quadrimestre chuvoso, Ceará atinge maior reserva hídrica em uma década

Volume de água captado pelos açudes cearenses em 2023 daria para encher o Castanhão, maior reservatório do Estado
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Açude Araras, em Varjota, foi um dos reservatórios que verteu suas águas durante a quadra chuvosa de 2023 no Ceará (Foto: Emanuell Coêlho / AVA Aero Imagem)
Foto: Emanuell Coêlho / AVA Aero Imagem Açude Araras, em Varjota, foi um dos reservatórios que verteu suas águas durante a quadra chuvosa de 2023 no Ceará

Com as chuvas registradas no último quadrimestre, o Ceará atingiu a maior reserva hídrica desde 2013. Os 157 reservatórios monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) alcançaram média de 51,1% da capacidade total de armazenamento. No começo da estação chuvosa, em fevereiro, o percentual era de 31%.

De acordo com o Portal Hidrológico do Ceará, os açudes cearenses já acumularam 6,71 bilhões de metros cúbicos (m³) de água neste ano. O aporte seria suficiente para encher o Açude Castanhão, maior reservatório do Estado, cuja capacidade de armazenamento corresponde exatamente ao incremento hídrico registrado no Estado em 2023.

Das doze bacias hidrográficas, seis estão na categoria muito confortável, com reservas acima de 70%. Duas operam em nível confortável, com mais de 50% de água armazenada e outras quatro bacias estão em estado de alerta, com níveis maiores que 30% e abaixo de 50%.

O bom volume das bacias reflete a cheia dos açudes. Até esta terça-feira, 30, ao menos 44 reservatórios estavam transbordando. No começo do quadrimestre, eram apenas três. No dia 23 de abril, o Estado chegou a registrar 63 barragens com as águas vertendo, o maior número desde 2011, quando 67 reservatórios atingiram a sangria.

O açude Paulo Sarasate, mais conhecido como Araras o, quarto maior do Estado, voltou a atingir a capacidade máxima de armazenamento depois de três anos. Situado sobre o leito do rio Acaraú, em Varjota, o reservatório também corta os municípios de Pires Ferreira, Hidrolândia e Santa Quitéria, tendo grande relevância socioeconômica para a região Norte do Ceará. O limite de estocagem hídrica beira os 860 milhões de m³.

Os outros grandes reservatórios cearenses não sangraram, mas acumularam bons aportes. O Castanhão, por exemplo, elevou sua cota armazenada para 2,1 bilhões de m³, atingindo 31,88% de sua capacidade. No começo de fevereiro, o percentual era 19,63%. O açude pode acumular até 6,7 bilhões de m³.

O Açude Orós, segundo maior reservatório do Estado, também captou volume de água significativo. Durante a quadra chuvosa, o nível hídrico do açude aumentou de 43% para 67%, chegando a 1,3 bilhão de m³, o maior volume desde 2012.

O secretário executivo da Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará (SRH), Ramon Rodrigues, comemora os aportes, mas alerta a população sobre a necessidade do uso racional da água, em virtude do clima semiárido do Estado.

“Nós estamos confortáveis em relação ao armazenamento que conseguimos este ano, mas a gente não cansa de lembrar a população que nós vivemos em uma região semiárida e que a gente precisa ter parcimônia com o uso da água. Não podemos desperdiçar este bem que para nós é muito caro”, afirmou Rodrigues.

Embora o quadro geral seja confortável, 33 açudes estão com níveis inferiores a 30% da capacidade, faixa categorizada como nível crítico. Há ainda oito reservatórios operando com o volume morto, abaixo de 5% da capacidade. São eles: Bonito (Ipu), Favelas (Tauá), Madeiro (Pereiro), Pompeu Sobrinho (Choró), Potiretama (cidade homônima), Sousa (Canindé), Trici (Tauá) e Várzea do Boi (Tauá). O Açude do Salão, em Canindé, é o único completamente seco, com menos de 1% da capacidade.

Na avaliação do meteorologista da Funceme, Vinícius Oliveira, o avanço da cota hídrica do Estado reflete a distribuição equilibrada das chuvas na parte central do Estado durante a segunda quinzena de março, período mais chuvoso da estação. “Choveu bem, em locais distribuídos, e onde precisava para fins de armazenamento”, enfatiza o especialista.

No ano passado, o Ceará encerrou a quadra chuvosa com 38,1% de reserva hídrica. O acumulado pluviométrico do período foi de 619,8 mm, um pouco abaixo do volume registrado neste ano, também dentro da média histórica. “Se a diferença entre os dois anos foi pouca e mesmo assim o aporte foi bem maior, significa que as localidades com reservatórios receberam mais chuvas neste ano, ao contrário de 2022”, completa Oliveira.

Banho de esperança: Colheita farta em ano chuvoso 

Os caminhos que levam ao distrito Lagoa do Juvenal, em Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza, desenham o cenário típico da época mais aguardada do ano pelos agricultores: a caatinga cinzenta perdeu espaço para o verde das lavouras e o solo rachado dos açudes foi encoberto pela água que caiu do céu.

Já é tempo de colheita para o agricultor Reginaldo Brasileiro, 36, que transmite esperança no olhar ao projetar a safra de milho, após um bom período chuvoso. “Acho que vamos colher umas 8 toneladas este ano. A chuva de março veio no tempo certo para o milho soltar o pendão e começar a bonecar”, explica. Ele semeou as sementes em uma área de quatro hectares cedida pelo proprietário.

De tanto conviver com o pai na lavoura, desde a infância, Reginaldo aprendeu que a colheita próspera é o casamento da terra com o céu. “Aqui, a gente depende 100% da chuva. Quando percebemos que o chão está molhado um palmo e meio [de profundidade], é o tempo de arar [a terra], plantar a semente e torcer para que chova no dia seguinte para que ela possa germinar bem”.

Com a palha do milharal já secando, o agricultor projeta a colheita para a segunda quinzena de junho. A safra já tem destino certo: alimentar a criação de suínos e bovinos mantida pela família. “A gente usa o milho para engordar os porcos e a palha serve de comida para o gado”, explica Reginaldo. É com a venda dos animais, após o período de engorda, que o pequeno produtor garante o sustento da família.

Se tudo começa na lavoura, o preparo do solo é fundamental para uma colheita farta. Atento a isso, Reginaldo solicitou apoio à Secretaria Municipal de Agricultura do Município, que disponibilizou um trator para a aração da área de cultivo do agricultor. Segundo o engenheiro agrônomo da pasta, Danilo Colares, o serviço está disponível para todos os agricultores da cidade mediante fila de espera. “A demanda cresce bastante quando temos um ano chuvoso assim”, frisa ele.

Durante a estação chuvosa, Danilo percorreu quase todas as comunidades rurais da cidade para prestar assistência técnica a pequenos agricultores. Nas andanças, ele testemunhou situações opostas em territórios com características geográficas muito diferentes, embora localizados no mesmo município.

“Em algumas áreas, como essa [Lagoa do Juvenal], que historicamente é mais seca, foi muito bom porque choveu bastante e não alagou.Mas temos outros locais que chegaram a sofrer por excesso de água, principalmente onde o solo é mais raso”, explicou.

O acumulado da quadra chuvosa em Maranguape foi de 1.028 mm, segundo a Funceme, volume 35% acima da normal climatológica do período. O índice, contudo, é menor do que os 1.248 mm observados no mesmo quadrimestre de 2022.

Além do ganho para a agricultura, as chuvas também recarregaram o estoque hídrico do município. “Todos os açudes estão cheios, a maioria sangrando, estamos entrando em junho ainda com chuvas pontuais”, comemora Danilo.

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