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Sistema prisional: juízes apuram se tortura é protocolo ou caso isolado
Reportagem

Sistema prisional: juízes apuram se tortura é protocolo ou caso isolado

| Ceará | Grupo de magistrados aponta 33 denúncias de tortura no sistema prisional em cerca de um ano. Investigação apura se postura faz parte de rotina
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Foto de apoio ilustrativo. Preso foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos (Foto: Tatiana Fortes em 9/1/2017)
Foto: Tatiana Fortes em 9/1/2017 Foto de apoio ilustrativo. Preso foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos

"O que verifico é que nosso sistema prisional sempre foi palco de tortura no passado. Hoje surgem histórias novamente. E creio que no futuro isso também ocorra", descreveu ao O POVO uma fonte envolvida diretamente na investigação dos supostos espancamentos e maus-tratos de internos de unidades prisionais do Ceará. Denunciados pelo O POVO ainda em setembro de 2022, os casos voltaram a ganhar repercussão após o afastamento, anunciado há uma semana (dia 26 de junho), de toda a diretoria da Unidade Prisional Agente Elias Alves da Silva (UP-IV), antiga CPPL IV, em Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza. A saída é provisória, por 90 dias.

O POVO apurou que a base do questionamento a ser feito à Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado (SAP) tentará saber se os fatos denunciados teriam sido episódios isolados — ou seja, cometidos por policiais penais ou gestores que não atenderiam aos protocolos adotados internamento —, ou se a tortura estaria inserida na rotina, "disfarçada" como um procedimento disciplinar aplicado aos internos.

"Esse procedimento que dizem (ser) de contato zero, uso da tonfa (espécie de cassetete com alça perpendicular) como meio de intimidação, a questão de lesões nos dedos. O que disso de fato é procedimento? Precisamos dar oportunidade à SAP para que ela explique se o procedimento é esse ou se esse procedimento é tortura. Ou se existiram excessos", pontuou a mesma fonte.

Entre as denúncias formalizadas ou constatadas durante inspeções presenciais na Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira 2 (UPPOO 2), em Itaitinga, há relatos colhidos da suposta existência de um "quartinho do amor", para sessões de agressões, e do método "quebra-dedos". As visitas às unidades são feitas pelos juízes corregedores auxiliares, com acompanhamento de defensores públicos e promotores de justiça.

O POVO também apurou que o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, do Tribunal de Justiça do Ceará (GMF/TJCE), foi oficiado, cerca de duas semanas atrás, para se manifestar sobre os fatos já levantados. A resposta ainda não teria sido enviada, mas poderá indicar que a SAP seja cobrada a dar explicações diretamente na sequência.

Ao O POVO, magistrados do GMF/TJCE apontaram que havia 33 denúncias de tortura registradas entre 19 de julho de 2022 e 5 de junho de 2023 em unidades prisionais do Ceará sendo apuradas pelo Poder Judiciário.

As unidades citadas nas 33 denúncias são: Unidade Prisional Agente Penitenciário Luciano Andrade Lima; Unidade Prisional Professor José Jucá Neto; Unidade Prisional de Triagem e Observação Criminológica; Unidade Prisional Elias Alves da Silva; Unidade Prisional Professor Clodoaldo Pinto; Unidade Prisional Feminina Desembargadora Auri Moura Costa (UPF); Unidade Prisional Vasco Damasceno Weyne; Unidade Prisional de Aquiraz; Unidade Prisional de Segurança Máxima do Estado do Ceará; Unidade Prisional Francisco Hélio Viana de Araújo (UP-Pacatuba); Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II.

A investigação acontece em duas esferas. A administrativa é conduzida pela Corregedoria Geral dos Presídios, que atua em comissão com os quatro juízes de execuções penais — um corregedor geral e três corregedores auxiliares. Se constatado o indício de tortura, o caso seguirá para a apuração criminal pela Controladoria Geral dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) e Delegacia de Assuntos Internos (DAI). É o que poderá ser desenvolvido para os gestores da UP-Itaitinga IV.

No próximo dia 27 de julho, passará a ser vigente a Resolução nº 10, do Órgão Especial do TJCE, criada para regular no âmbito judiciário a apuração administrativa de notícias de tortura ou maus-tratos no sistema prisional. A medida foi definida em abril deste ano, já com o conhecimento de várias denúncias, e deverá padronizar a condução judicial dos casos - dentro e fora de unidades prisionais.

A acusação de tortura nas cadeias cearenses repercute nacionalmente e tem gerado mal-estar político ao governador Elmano de Freitas (PT). Ontem, ele voltou a se reunir no Palácio da Abolição com o titular da SAP, Mauro Albuquerque. Uma das pautas discutidas foi a adoção das câmeras corporais nos uniformes dos policiais penais. Os equipamentos estão em fase de teste. Há processo de aquisição em andamento e não há informação oficial de quando passarão a ser utilizados. Albuquerque está no cargo desde janeiro de 2019, é remanescente ainda da primeira gestão do ex-governador Camilo Santana (PT). (Com Jéssika Sisnando)

 

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