A demanda por toneladas de hidrogênio verde (H2V) na Europa para substituir o gás natural e alcançar a neutralidade de carbono em 2050, cumprindo as metas do Acordo de Paris, motiva a aplicação de bilhões de euros no Brasil, sobretudo no Nordeste. A Região possui energia renovável a baixo custo e tem nos portos o ambiente propício para projetos de geração, armazenamento e transporte do novo combustível.
Quatro deles em especial já apresentam iniciativas e envolvem dezenas de empresas - entre brasileiras e estrangeiras - em modelos de portos-indústria, além de contarem com incentivos fiscais para a atração desses empreendimentos.
Planejados para viabilizar a operação de atividades portuárias e industriais integradas, os terminais de Aratu-Candeias "O Porto Organizado de Aratu-Candeias é voltado para a movimentação de granéis líquidos e sólidos." (BA), Pecém (CE), Suape (PE), Luís Correia (PI) e Caiçara do Norte (em projeto no RN) são os alvos nordestinos prioritários de investidores interessados em fornecer H2V para o mercado europeu e também abastecer o embrionário mercado brasileiro. O movimento, destaca o Ministério de Portos e Aeroportos, é considerado um "tema estratégico" e é acompanhado pela Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários.
A atuação, juntamente com órgãos nacionais e internacionais, objetiva "a realização de diagnósticos e levantamentos das perspectivas para os portos brasileiros em relação ao hidrogênio verde", ainda não elaborados. Ter essas diretrizes coloca o Brasil como grande competidor no mercado de carbono e se torna urgente para tornar o aporte dos recursos uma realidade, dada a pressa da Europa pelo combustível.
Nos estados, governadores se dedicam a dotar os portos de infraestrutura capaz de suportar os empreendimentos, com energia, água e conexões com rodovias e ferrovias. "O hidrogênio terá no futuro a importância que o petróleo tem hoje. E o Nordeste já exerce um papel de liderança na produção de hidrogênio, pelas condições que tem. A proximidade dos portos do litoral nordestino dos mercados consumidores, especialmente da Europa, coloca o Nordeste numa condição de competitividade muito positiva", reconhece Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
A expectativa é de uma reindustrialização verde, na qual os setores siderúrgico, cimenteiro e transporte surgem entre os principais beneficiados, como citou, ao O POVO, o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Da mesma forma que defende o protagonismo da Amazônia para impulsionar a economia verde no País, o MMA aponta o H2V como vetor desse papel do Brasil "como exportador de produtos de alto valor agregado e produzido em bases energéticas efetivamente limpas".
"Certamente, no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), haverá uma preocupação no sentido de garantir uma melhor infraestrutura aos portos brasileiros para abrigar esses grandes investimentos para indústrias de baixo carbono", promete Rollemberg. Perguntado sobre quais são os pontos de atenção do MMA nos projetos desenvolvidos nos portos, o Ministério é direto: "Intensiva em água e energia elétrica, a eletrólise precisa ser bem administrada. O armazenamento e transporte de hidrogênio é perigoso e requer normas rígidas e maquinário específico".
Dada a relevância econômica e ambiental, o Ministério de Minas e Energia (MME) se diz atento ao assunto, apesar de empresários e estados pedirem mais agilidade na regulamentação para produção de H2V.
Ao O POVO, o MME, órgão coordenador do Comitê Gestor do Programa Nacional do Hidrogênio, assegura que "está trabalhando na regulamentação do tema, considerando as perspectivas estabelecidas no Programa Nacional do Hidrogênio, as potencialidades que o Brasil possui para explorar a produção de hidrogênio, com foco nas rotas tecnológicas de baixo carbono, e as tendências internacionais para esse mercado."
Os projetos envolvendo o hidrogênio em portos são marcantes em vários locais do Brasil, que possuem condições naturais bastante privilegiadas em termos de ventos, sol e posição geográfica. Isso inclui atualmente, e especialmente, regiões do Nordeste, mas também do Sudeste e do Sul brasileiros. Esses projetos contribuirão muito para a comercialização em larga escala do hidrogênio e seus carreadores com impacto no comércio internacional.
A Associação Brasileira do Hidrogênio também acredita que a sustentabilidade e a perenidade dessas iniciativas dependerão fortemente do desenvolvimento do mercado interno do hidrogênio. E isso não é difícil, uma vez que o Brasil já é um grande produtor e consumidor de hidrogênio, com principal uso em refinarias, mas também porque o País precisa de grandes quantidades de fertilizantes, para os quais o hidrogênio é matéria prima.
Consideramos o possível foco na demanda em transportes pesados e em linhas de gás natural, assim como em setores de difícil abatimento, como na siderurgia, cimento. É interessante também que se desenvolvam no Brasil polos de produção, armazenamento, transporte e uso de hidrogênio para diferentes fins, como é o caso dos portos, já que essa é uma metodologia que vem sendo fortemente desenvolvida com sucesso na Ásia e na América do Norte.
Quando se tem um polo de hidrogênio, na mesma região são congregados produtores e consumidores e isso estimula a indústria local sem necessitar de transportes de longas distâncias do hidrogênio ou dos seus carreadores.
O governador Elmano de Freitas (PT) e o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) e da Associação Nordeste Forte (ANF), Ricardo Cavalcante, prometem trabalhar para acelerar a aprovação de leis com as regras para a produção de hidrogênio verde (H2V) no País. A meta deles é ter uma sinalização ainda em 2023.
Enquanto Elmano atua juntamente com o Consórcio Nordeste e busca a interlocução com o presidente Lula via os ministros nordestinos, Cavalcante vai agir com as entidades que representam o setor produtivo. Além da Fiec e da ANF, ele também foi eleito vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para o Nordeste.
Dentro do Estado, os dois cumpriram uma agenda de incentivos. A energia consumida pelas plantas de eletrólise do hub de H2V do Ceará terão ICMS zerado, seja qual for a origem da compra, a partir da iniciativa do governador.
Em paralelo, o presidente da Fiec pôs o Observatório da Indústria para atuar em prol de mapeamentos de mão de obra (80 mil em quatro anos) e oportunidades de negócios para os pequenos industriais cearenses. Mas a empreitada de ambos para acelerar a regulamentação se desenha árdua, uma vez que o Governo Federal tem como principal foco para 2023 a aprovação da Reforma Tributária.
Ao mesmo tempo, os demais polos de produção de H2V na Região não demonstram tanta preocupação com a legislação devido à velocidade dos projetos em curso em seus estados.
Âncora do hub de hidrogênio verde (H2V) do Ceará, o Porto do Pecém "O Porto do Pecém opera diversas cargas, entre graneis líquidos, sólidos e contêineres. Mas, atualmente, tem nas placas de aço a principal carga exportada. Produzidas dentro da área da ZPE Ceará, elas chegam ao terminal portuário pelo modal rodoviário e são embarcadas para mais de 20 países do mundo. Somente no primeiro semestre deste ano, mais de 1,46 milhão de toneladas de placas foram movimentadas pelo Complexo do Pecém." se mostra como o de projetos mais avançados entre os terminais do Nordeste. A Companhia do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp SA), administradora cujas ações são divididas entre o governo do Ceará (70%) e o Porto de Roterdã (30%), já executa o debate sobre o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do hub com comunidades, governos locais e setor produtivo.
O estágio é inédito entre os portos-indústria da Região e adianta discussões sobre como até os empreendimentos relacionados à chamada economia verde podem impactar negativamente o meio-ambiente.
O documento traz dados como: dos 13 impactos negativos identificados como decorrência das atividades transformadoras do empreendimento para o meio biótico (conjunto de seres vivos de determinada área e suas interações no ecossistema), seis (46,2%) são de duração temporária e sete (53,8%) são permanentes. Informações sobre os insumos base para a produção de H2V também constam no documento. Energia e água, usados no processo de eletrólise, tiveram o consumo estimado em 7 milhões de metros cúbicos (m³) e 2,3 gigawatts (GW) que devem movimentar R$ 2,4 bilhões anualmente.
Como se exige para a classificação verde, a energia deve vir de eólicas (principalmente) e parques fotovoltaicos, enquanto a água será de reúso (650 mil m³/ano proveniente do esgoto de Fortaleza) e do mar (6,5 milhões de m³/ano). "Precisamos construir um conjunto de condições, fazer regulação, garantir incentivos fiscais, uma rede de negócios favoráveis para fazer com que esses investimentos consigam ser implementados. Mas estamos no caminho para que tudo isso seja uma realidade", observa Hugo Figueirêdo, presidente da Cipp SA.
A atenção com os parâmetros ambientais visa atenuar o impacto dos empreendimentos e garantir os investimentos, projetados em bilhões de reais. Apenas a Cipp SA calcula um aporte de R$ 1 bilhão para dotar o Pecém da infraestrutura necessária para movimentar 1 milhão de toneladas de amônia e hidrogênio verdes anualmente. O recurso, cujas fontes estão sendo definidas, será aplicado ao longo de cino anos na criação de "um corredor de utilidades", pelo qual "vão circular os dutos de amônia, gás natural, eventualmente de hidrogênio, e a parte de energia elétrica."
Mais R$ 1,2 bilhão é esperado dos investidores, os quais vão construir gasodutos, a tancagem desses combustíveis e o terminal para receber a produção e embarcar no Porto do Pecém. As obras vão acontecer principalmente no píer 2 do terminal a partir de 2024, quando o navio regaseificador da Petrobras deve desatracar com o fim do contrato da companhia com a Cipp.
"O Ceará tem um protagonismo no Brasil. Aqui no Pecém, temos tido uma série de interações com investidores internacionais que têm prometido investimentos com impacto significativo. Recentemente, a Bloomberg, uma das consultorias mais renomadas do mundo, apresentou o Pecém como a origem mais competitiva de hidrogênio e amônia verdes para exportação à Europa e ao Japão", ressaltou o presidente da Cipp SA.
A confiança de Figueirêdo se explica ao observar o cenário: a sociedade com Roterdã garantiu a criação do Corredor de Hidrogênio Verde em maio deste ano entre os portos cearense e holandês que, segundo o primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rutte, deve ampliar as exportações brasileiras em 10%.
Roterdã é a principal entrada na Europa e quer ter no Pecém um dos principais fornecedores de H2V, especialmente depois da demanda gerada pela pressa dos europeus em substituir o gás natural russo pelo H2V devido à guerra na Ucrânia.
Já o Pecém se prepara em conjunto com a Zona de Processamento de Exportação (ZPE) do Ceará, onde as 31 empresas que assinaram memorando de entendimento com o governo cearense para geração de H2V devem se instalar. Fortescue - com o projeto mais robusto, de R$ 20 bilhões -, Casa dos Ventos e AES já têm área reservada na ZPE e pedem agilidade na regulamentação nacional para produção de H2V.
O investimento de R$ 1,4 bilhão projetado pela Unigel para o primeiro projeto de geração de 100 mil toneladas de hidrogênio e 600 mil toneladas amônia verde por ano a partir de 2024 no Polo Industrial de Camaçari, na Bahia, é o início de um movimento que vai envolver litoral e interior do Estado, ferrovias e diversos portos, segundo afirma Paulo Guimarães, titular da Superintendência de Atração de Investimentos e Fomento ao Desenvolvimento Econômico (SUAD) e presidente da Comissão Estadual do Hidrogênio Verde.
"A infraestrutura logística e elétrica do Estado tem sido objeto de gestões políticas junto ao Governo Federal e atração de investidores nacionais e internacionais, buscando garantir a melhoria e utilização da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), a conclusão e a expansão até o Centro-Oeste do Brasil da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), a conclusão do Porto Sul, em Ilhéus "Porto Organizado de Ilhéus é com a movimentação de granéis sólidos e carga geral." , e a melhoria dos Portos de Aratu e Enseada, na Baía de Todos os Santos, bem como da expansão do sistema de transmissão de energia elétrica", cita Guimarães sobre o impacto da estratégia baiana nas cargas da Região.
Ao O POVO, o gerente de Desenvolvimento de Negócios da Companhia Docas da Bahia (Codeba), Deivson de Sena, informa que o Porto de Aratu-Candeias já tem uma movimentação anual de 60 mil toneladas de amônia em um terminal que foi arrendado para operação exclusiva da Proquigel Química - subsidiária da Unigel.
Foi via o terminal que a companhia importou os equipamentos para a produção de hidrogênio verde planejada para o Polo Industrial de Camaçari, mas nenhuma demanda nova foi apresentada à Codeba até agora. A estatal federal administra três terminais na Bahia. Além de Aratu-Candeias, tem sob a administração o Porto de Ilhéus e o Porto de Salvador.
"Não tem nenhum projeto em curso. O que existe é um pedido do Senai-Cimatec para fazer um estudo de viabilidade na área do porto", observa o gerente sobre a pesquisa contratada pelo governo baiano. Perguntado sobre a possibilidade de operação de cargas de hidrogênio e amônia verdes além do que já é feito hoje, Sena afirma que existem duas áreas entre as mais cobiçadas para expansão já listadas no Plano de Zoneamento e Desenvolvimento da Codeba. "São áreas greenfield, que podem ser utilizadas para diversos tipos de cargas e qualquer tipo de indústria. Mas não há nada assinado até agora", explica.
Hoje, o governo baiano conta com 13 memorandos de entendimento para pesquisa de H2V assinados com universidades e centros de pesquisa e mantém discussões para "projetos conjuntos de desenvolvimento de tecnologia e mercado para hidrogênio e produtos verdes com diversos países, a exemplo da Alemanha (GIZ, KFW e AHK), Reino Unido, Emirados Árabes Unidos, França e Portugal".
No âmbito estadual, assim como o Ceará, a Bahia aprovou ainda no ano passado o plano, o programa e a comissão estaduais do hidrogênio verde. Além disso, zerou o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para compra de energia elétrica destinada à produção de H2V.
Faz parte dos esforços da Bahia na economia verde outros dois empreendimentos: o da Acelen, de R$ 12 bilhões para produção de diesel renovável; e o da Impacto Bioenergia, de R$ 1,5 bilhão para 1,2 bilhão de litros por ano de etanol de milho.
Terminais fortalecem criação do mercado interno
Os projetos envolvendo o hidrogênio em portos são marcantes em vários locais do Brasil, que possuem condições naturais bastante privilegiadas em termos de ventos, sol e posição geográfica. Isso inclui atualmente, e especialmente, regiões do Nordeste, mas também do Sudeste e do Sul brasileiros. Esses projetos contribuirão muito para a comercialização em larga escala do hidrogênio e seus carreadores com impacto no comércio internacional.
A Associação Brasileira do Hidrogênio também acredita que a sustentabilidade e a perenidade dessas iniciativas dependerão fortemente do desenvolvimento do mercado interno do hidrogênio. E isso não é difícil, uma vez que o Brasil já é um grande produtor e consumidor de hidrogênio, com principal uso em refinarias, mas também porque o País precisa de grandes quantidades de fertilizantes, para os quais o hidrogênio é matéria prima.
Consideramos o possível foco na demanda em transportes pesados e em linhas de gás natural, assim como em setores de difícil abatimento, como na siderurgia, cimento. É interessante também que se desenvolvam no Brasil polos de produção, armazenamento, transporte e uso de hidrogênio para diferentes fins, como é o caso dos portos, já que essa é uma metodologia que vem sendo fortemente desenvolvida com sucesso na Ásia e na América do Norte.
Quando se tem um polo de hidrogênio, na mesma região são congregados produtores e consumidores e isso estimula a indústria local sem necessitar de transportes de longas distâncias do hidrogênio ou dos seus carreadores.