As Vilas Olímpicas de Fortaleza, que um dia foram símbolos do incentivo ao esporte e lazer, atualmente encontram-se em estado de deterioração. Com quatro sedes na Capital, as unidades há anos não recebem grandes intervenções. O resultado são quadras e campos desgastados, estrutura tomada pelo mato, piscinas vazias, salas abandonadas, alambrados enferrujados.
Diante do cenário de abandono, moradores apontam que os espaços representam insegurança para as comunidades.
As Vilas do Esporte e Lazer são administradas pelo Governo do Ceará. Iniciado em 1997 e encerramento por volta de 2014, o objetivo principal do projeto era fomentar que jovens encontrassem novas perspectivas de vida através do esporte, da arte educacional e de práticas culturais como dança e música. A iniciativa contou com unidades instaladas nos bairros Conjunto Ceará, Messejana, Genibaú e Canindezinho. O projeto também conta com uma sede no município de São Benedito, distante 332 km de Fortaleza.
O projeto Vilas Olímpicas do Estado foi elaborado com o objetivo de beneficiar crianças e jovens entre 7 e 17 anos, além de atender à terceira idade. Dentre as atividades que costumavam ser ofertadas estava o futebol, vôlei, basquete, handebol, tênis de mesa, atletismo, ginástica rítmica, aulas de violão e percussão, além de ações para idosos.
Em julho de 2023, a reportagem demandou a autorização de entrada em nas Vilas Olímpicas da Capital. Contudo, em todos os contatos por e-mail, as solicitações não foram atendidas.
Localizada bem ao lado do Liceu do Conjunto Ceará, a hoje deteriorada Vila Olímpica do bairro contrasta com o ambiente agitado da escola de ensino médio. Mesmo do lado de fora, é possível ver a falta de conservação do espaço. Com a fachada desgastada e sem placa, lixo e mato acumulado no entorno, além de uma quadra coberta com telas e grades quebradas, o local é agora frequentado apenas por cachorros que encontram abrigo no equipamento.
Em frente ao local, ainda é possível avistar uma piscina. Sem mais em atividade, a estrutura foi esvaziada e coberta por uma lona. Contudo, até mesmo o tecido que deveria fazer a proteção contra possíveis focos de mosquitos e outros animais está rasgado e solto em algumas porções.
Moradora do Conjunto Ceará, Ingrid Carvalho, 26, relembra seu passado jogando vôlei na Vila Olímpica do bairro. A jovem conta que se tornou mãe cedo e, por conta disso, precisou dar uma pausa na prática do esporte para se dedicar ao filho.
“Eu parei de ir por volta de 2005. Quando meu filho já estava maiorzinho, eu procurei a Vila para voltar a jogar, mas já estava tudo parado. Por volta de 2010, começaram a fazer uma reforma, inclusive foi quando instalaram a piscina. Então ficamos esperando a inauguração, mas o que inauguraram mesmo foi o ‘abandono’, porque nunca mais utilizaram”, denuncia.
As Vilas Olímpicas dos bairros Conjunto Ceará e Messejana são as únicas que contam com a instalação de uma piscina. Ambas estão atualmente desativadas.
Ingrid conta que, diversas vezes, dirigiu-se à Vila para questionar se voltariam a oferecer modalidades esportivas, mas nunca encontrou um responsável que pudesse esclarecer a questão. “Um dos meus filhos morre de vontade de fazer aula de violão e lá tinha. Já o meu mais velho, de 15 anos, gosta de basquete. Por amor ao esporte, ele sai da quarta etapa do Conjunto Ceará para fazer basquete no Bom Jardim. Hoje, quem mora aqui, ou tem que se dirigir a outro bairro, ou tem que pagar para praticar um esporte”, relata a mãe.
Após visitar o espaço, em 21 julho, O POVO questionou a Secretaria do Esporte (Sesporte), que gerencia o equipamento, sobre a conservação e funcionamento do espaço. A pasta informou que a última limpeza na Vila do Conjunto Ceará foi realizada no fim de maio. “A Sesporte providenciou a limpeza e esgotamento da piscina, além de cobrir toda área com tela, evitando proliferação de mosquitos”, declarou em nota.
A Sesporte ainda comunicou que “a Vila Olímpica do Conjunto Ceará segue em atividades de lazer para a população com as seguintes modalidades: futebol de campo (terça e sexta, de 19 às 20 horas; sábado, de 15 às 18 horas; domingo, de 16 às 20 horas); escolinha de futebol do Centro de Apoio à Vida (segunda/quarta/sexta, de 16 às 17 horas); escolinha de futebol (quinta/sábado/domingo, de 20 às 22 horas); escolinhas de futebol - Abens (sábado, 14h às 16 horas); Força Jovem (sexta, de 18 às 22 horas) e aulas de zumba (segunda/quarta/sexta, de 11 às 12 horas)”.
Com base nas informações, O POVO se dirigiu novamente à Vila Olímpica do Conjunto Ceará, para comparecer à uma atividade de lazer. Contudo, no último dia 2 de agosto, quarta-feira, de 11 às 12 horas, nenhum morador compareceu ao local. Ao questionar a funcionária que faz o serviço de vigilância do equipamento, foi informado que não apenas não ocorriam aulas de zumba na Vila Olímpica, como o local não estava sendo utilizado como um todo.
Atletas que driblam a "negligência"
Apesar da inatividade da Vila do Conjunto Ceará, Ingrid encontrou uma alternativa para voltar a praticar vôlei. Ela recebeu o convite de uma amiga para se juntar à iniciativa de um grupo de moradores do Genibaú que, por conta própria, voltaram a utilizar a Vila Olímpica do bairro.
Essa amiga é Paula Feitosa, 40 — conhecida como Taty. Ela conta que o projeto teve início quando a comunidade tomou conhecimento de que alguns moradores estavam "se apropriando" da área da Vila Olímpica do Genibaú para praticar atividades físicas, mesmo com o equipamento bastante precário pela ação do tempo e pela falta de reformas.
Taty então tomou a iniciativa de convocar as amigas que, quando adolescentes, integraram a antiga equipe de vôlei do equipamento para ocupar o espaço. Foi assim que surgiu o projeto "Vila Raiz". "A gente começou em maio de 2022. E aí o grupo foi aumentando, foi aparecendo outras pessoas que também já tinham praticado vôlei antigamente, além de outros novos, tanto daqui da região, como também de outros bairros como Granja e Conjunto Ceará", relata a representante do projeto.
Ela conta que, de início, o projeto enfrentou dificuldades para se "reapropriar" do espaço. "Após pararem as atividades aqui na Vila, esse espaço começou a ser alvo da criminalidade. Então aqui virou um local de uso de drogas, prostituição e outras coisas mais. Quando começamos a usar de novo pra praticar esportes, até mesmo as pessoas da comunidade se sentiram receosas de voltar, com medo mesmo, mas com o tempo estamos ganhando a confiança e mostrando que a Vila é um bom lugar de novo", relata.
Em julho do ano passado, o Vila Raiz chegou a realizar um torneio para arrecadar fundos e, com a verba adquirida, os próprios moradores instalaram uma porta para o banheiro, fizeram a capinagem, além de parte iluminação na quadra. À época, os membros da equipe ainda chegaram a alugar andaimes para viabilizar a instalação nas vigas que fazem a cobertura da quadra. Contudo, a maior parte da estrutura continua precária.
Segundo a integrante do Vila Raiz, apesar das dificuldades e da falta de apoio dos órgãos públicos, praticamente todos os dias o espaço é ocupado para a prática de vôlei, futsal e outros esportes.
"O nosso principal objetivo, com a volta dos times de vôlei, é tentar atrair o olhar do Poder Público para a revitalização desse espaço. Nós que vivemos a época de ouro da Vila Olímpica sabemos o potencial que esse lugar tem, de tirar essa juventude das drogas, de tirar das telas de celular", conclui Taty.
Perspectivas de reforma nos equipamentos
Ao longo dos anos, com a falta de utilização do espaço da Vila Olímpica do Genibaú, moradores também se apropriaram de parte do terreno para construir casas. Assim, as novas residências dividiram ao meio o terreno, ficando a área de campo de um lado e a quadra coberta de outro.
Em junho deste ano, o Governo do Ceará anunciou a construção de uma areninha no bairro Genibaú. O novo equipamento seria instalado no próprio terreno da Vila Olímpica, na porção que restou de campo aberto.
Durante a cerimônia de assinatura da ordem de serviço, o governador Elmano Freitas (PT) e o superintendente de Obras Públicas, Quintino Vieira, chegaram a visitar o antigo prédio da Vila Olímpica — que engloba a quadra coberta — para avaliar uma requalificação do local. Contudo, até o momento o local não recebeu reparos.
A Secretaria do Esporte do Estado (Sesporte) informou que Areninha tipo I que está sendo construída no bairro Genibaú tem conclusão prevista para novembro. Já sobre a Vila Olímpica do local, a pasta declarou que "foi formalizado via ofício à SOP a solicitação de manutenções corretivas do referido equipamento esportivo. Estão sendo analisadas as possíveis intervenções a serem realizadas", declarou em nota.
A pasta ainda comunicou, referindo-se a todas as Vilas Olímpicas de Fortaleza (Messejana, Conjunto Ceará, Genibaú e Canindezinho), que estão aguardando o processo em tramitação para contratação de empresa que fará a limpeza das unidades.
A SOP reforçou que, após elaboração do projeto de requalificação, dará andamento ao trâmite de contratação da empresa que será responsável pela obra. Ambas as pastas não deram previsões de possíveis datas para a entrega dos equipamentos requalificados.
Sobre a segurança nos equipamentos e no entorno das Vilas Olímpicas, a Polícia Militar do Ceará (PMCE) informou que os bairros Genibaú e Conjunto Ceará são cobertos por meio da 1ª Companhia do 17º Batalhão Policial Militar (1ª Cia/ 17º BPM). Já o bairro Canindezinho pela 1ª Cia/ 21º BPM e Messejana por meio da 1º Cia/ 16º BPM.
A PMCE afirma que está sempre à disposição e pode ser acionada a qualquer momento por meio do telefone 190. "Denúncias que possam levar à identificação e/ ou captura de suspeitos na área podem ser repassadas pela população por meio do telefone 181 ou para o (85) 3101-0181, que é o número de WhatsApp da SSPDS, pelo qual podem ser feitas denúncias via mensagem, áudio, vídeo e fotografia. O sigilo e o anonimato são garantidos", informou a pasta.