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Produção de leite no Ceará salta 53% e chega ao top-10 nacional
Reportagem

Produção de leite no Ceará salta 53% e chega ao top-10 nacional

Principal atividade da agropecuária cearense e líder em crescimento no Nordeste, em quatro anos, a produção de leite no Ceará supera os desafios do sertão semiárido e salta de 716,7 milhões de litros de leite para 1,1 bilhão de litros, numa alta de 53,8%
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Em quatro anos, a produção no Ceará saltou de 716,7 milhões de litros de leite para 1,1 bilhão de litros (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Em quatro anos, a produção no Ceará saltou de 716,7 milhões de litros de leite para 1,1 bilhão de litros

De sol a sol, de segunda-feira a domingo. A vida do criador de gado leiteiro é em maior parte dedicada ao cuidado das vacas e o dia a dia sempre começa antes do sol nascer, nos currais. Terra de longos ciclos de seca que trouxe graves prejuízos ao sertanejo que depende desta atividade, o Ceará agora se vê em novo momento, de bonança, com a cadeia produtiva de leite sendo destaque.

Em quatro anos, a produção no Ceará saltou de 716,7 milhões de litros de leite para 1,1 bilhão de litros, numa alta de 53,8%. Líder em crescimento no Nordeste, Ceará está no top-10 nacional do setor.

A melhoria da capacidade hídrica do Estado nos últimos anos foi fator determinante para que o setor pudesse experimentar uma recuperação após praticamente sete anos de seca. No entanto, os investimentos em melhorias genéticas do gado e em tecnologia para melhoria do manejo e espaços gerou maior produtividade.

Com 40 anos de experiência na atividade, o produtor rural Moisés Maia, 68, começou com duas vacas produzindo leite. Hoje, a produção multiplicou e chega perto de 2,5 mil litros por dia, com expectativa de dobrar esse valor nos próximos dois anos.

Ele destaca que sua propriedade, localizada em Limoeiro do Norte, deu um salto há cinco anos. A inovação nos processos foi o fator fundamental. Curioso, destaca que a busca constante por melhorar a produtividade faz com que o leite seja extraído de forma totalmente mecanizada.

"Sou criado no campo, de família muito grande, com 15 irmãos. Meu pai criou a gente pela pecuária de corte, produção de queijo - que servia para subsistência também. Era uma atividade muito difícil, até poucos anos atrás nos consideravam pobres coitados, mas hoje recebo visitas que ficam admiradas pelo rebanho, tecnologias", conta.

Orgulhoso, Moisés, completa: "Temos um futuro promissor. O pessoal chamava a gente de matuto, mas agora somos produtores rurais e todo mundo respeita e admira". Até hoje o produtor levanta às 4 horas todos os dias.

Produção de leite no Ceará - Série histórica

Davi Girão, presidente do Instituto Luiz Girão, destaca o tripé "nutrição, genética e ambiente" para a melhoria das condições.

A partir do trabalho do instituto - que é um braço do grupo Alvoar, os produtores têm acesso a alimento para os rebanhos - hoje sendo o maior fornecedor de silagem do Nordeste, atendendo aos produtores de leite parceiros do grupo. Esses parceiros ainda têm parte dos custos subsidiados.

No quesito melhoramento genético também há financiamento parcelado em 24 meses. Em três anos, mais de 500 novilhas provenientes de embriões selecionados foram financiadas. Ainda há um trabalho de consultoria em relação aos espaços de criação dos animais.

"Estamos com 15% de todos os fornecedores de leite da Alvoar no Nordeste sendo atendidos. Em três anos de trabalho, estamos atendendo mais de 600 produtores e para os próximos anos a expectativa é aumentar e apoiar 50% das fazendas de fornecedores parceiros", diz.

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O experimentado produtor rural e o executivo da fundação fazem parte de um movimento virtuoso que se materializa na mudança de cenário vista de uns anos para cá. No Ceará, segundo dados consolidados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção de leite é a principal atividade da pecuária cearense, concentrando 55,6% do valor total, de R$ 4,2 bilhões apurados em 2022.

Esse movimento é possível a partir do crescimento consecutivo da produção de leite no Estado. Em 2022, a estimativa é de 1,1 bilhão de litros produzidos, num avanço de 10,7% em relação a 2021.

Hoje, diferente do passado, há a ousadia de dizer que a produção de leite do Ceará não vai morrer por conta do clima por conta dos avanços em infraestrutura hídrica.

A Betânia é uma das marcas do grupo Alvoar Lácteos(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA A Betânia é uma das marcas do grupo Alvoar Lácteos

A transposição do Rio São Francisco e os canais de distribuição de água do Castanhão permitindo a formação de perímetros cúbicos irrigados nas regiões do Jaguaribe e Tabuleiro de Russas foram fatores fundamentais para gerar estabilidade na produção de leite.

"O produtor de leite não depende mais 100% das chuvas como acontecia. Temos muitos produtores que fazem uso de irrigação e que guardam a silagem para o gado para as épocas mais secas. Digamos que melhorou a convivência com esse problema climático", aponta Bruno Girão, CEO da Alvoar Lácteos.

Aliando a inteligência ao planejamento e investimentos em infraestrutura, Bruno destaca que a convivência com o semiárido vem sendo positiva, tanto que em secas passadas, tais quais 2012 e 2013, a produção de leite não despencou como acontecia em outros ciclos.

 

Riqueza em meio ao semiárido

Conforme os dados mostram, os principais polos produtores de leite no Estado são localizados no semiárido, no coração do sertão. Hoje, o Ceará é líder no Nordeste no crescimento da produção. Esse movimento não é concentrado, mas se espalha entre os municípios do sertão cearense.

Segundo o IBGE, Morada Nova segue como grande polo de produção de leite no Ceará, com 96 milhões de litros, num avanço de 35,2% em relação a 2021. Depois aparecem Iguatu (60,3 milhões de litros produzidos) e Quixeramobim (54,4 milhões).

A ampliação desse raio produtor é notável em municípios, como Mombaça, que mais que dobrou sua produção (+113% entre 2021 e 2022) e Jaguaretama (+32,8% no mesmo período).

Como a produção de leite do Ceará é industrializada

Além da Alvoar, como está a indústria de lácteos no Ceará

O período de crise do setor deixou marcas na indústria de lácteos do Ceará. Antes abrigando muitas marcas importantes - e grandes demandantes da produção de leite dos produtores rurais, parte desse parque industrial fechou.

Exemplo claro desse movimento foi o fim do projeto da Danone no Ceará, em 2020. Maior produtora de iogurte do mundo, a matriz decidiu fechar a planta industrial localizada no Distrito Industrial de Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Na época, o fechamento da fábrica foi amplamente sentido entre os produtores de leite, já que a Danone demandava matéria prima de pequenos produtores locais. Outros investimentos, até então ventilados para o setor, esfriaram e nenhum grande player se instalou no Estado desde então.

Apesar desse movimento ocorrido na crise, um contraste se observou no mercado: o sucesso da marca cearense Betânia. Seu negócio movimenta uma cadeia produtiva 100% local que envolve mais de 3,5 mil famílias de produtores no Nordeste. A Betânia é a marca líder no Nordeste em leite UHT, iogurtes e creme de leite e está presente em mais de 57 mil pontos de venda em toda a região.

Com a fusão com a Embaré (dona da marca Camponesa) e criação da Alvoar Lácteos, o negócio é hoje a quinta maior indústria de laticínios do Brasil.

São mais de 4 mil colaboradores diretos, cerca de 6.500 famílias de produtores e 12 cooperativas, abastecendo 9 fábricas e 13 centros de distribuição, com atuação em todo o Brasil e em mais de 45 países. A marca possui um portfólio de lácteos com mais de 120 itens, como leites pasteurizados, longa vida e em pó, bebidas lácteas, iogurtes, queijos, requeijões, leite fermentado, creme de leite e leite condensado.

Bruno Girão destaca que, de acordo com uma estimativa de mercado, a cada 50 litros de leite processados na indústria são gerados - direto e indiretamente - aproximadamente 50 empregos na cadeia de produção.

Hoje, as vacas comem mais, os espaços de criação visam o bem-estar animal e o melhoramento genético permitiu que a produtividade saltasse e um animal possa produzir entre 25 litros e 30 litros por dia, enquanto antes esse valor chegava a apenas 10 litros. Os produtores mais experientes até destacam: as prenhas aumentaram também, com mais bezerros nascendo por vacas.

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Leite vegetal é livre de gordura e ajuda a manter a saúde (Imagem: karissaa | Shutterstock)
Leite vegetal é livre de gordura e ajuda a manter a saúde (Imagem: karissaa | Shutterstock)

Efeitos do corte de ICMS e mais oportunidades

Os efeitos do decreto que reduz progressivamente a cobrança de imposto estadual sobre a cadeia produtiva do leite começaram a valer neste mês. A partir de 2024, a alíquota será zerada. Esse movimento deve fortalecer os elos desse mercado, reduzindo preços ao consumidor final e, quem sabe, ajude na atração de novas indústrias de laticínios, avalia o presidente da Federação da Agricultura do Ceará (Faec), Amilcar Silveira.

Ele destaca que os planos de evolução do setor são diversos e alguns planos serão postos em prática em 2024. Para melhorar a situação dos produtores de leite, a Faec tenta viabilizar com apoio do Governo do Estado a criação das condições para que pequenos e médios produtores de leite se juntem para formar duas cooperativas para comercialização de leite. A intenção é que essas cooperativas tenham porte de 40 mil litros de capacidade produtiva por dia ao juntar todos os cooperados.

Amilcar explica que, assim, os produtores terão condições diferenciadas de negociação com a indústria, já que a diferença de preços para quem vende mil litros e 10 mil litros é substancial.

Há a ideia também de que o leite produzido pelos produtores locais seja beneficiado e exportado, aproveitando o potencial logístico e tributário do Ceará a partir do Complexo do Pecém e sua Zona de Processamento de Exportações (ZPE).

Na avaliação de Amílcar, há oportunidades a partir de algumas revisões, como o caso de indústrias alimentícias que importam leite de outros mercados. No que entra a segunda iniciativa: o aumento da quantidade de plantas industriais demandando matéria prima.

A Faec identificou que a indústria de sorvetes do Ceará vem importando leite em pó da Argentina, o que poderia ser substituído pelo produto local. Amílcar já sentou para conversar com lideranças do setor de sorvetes do Estado e há perspectivas positivas.

Ele diz que é possível criar uma "economia circular cearense", gerando oportunidades no Ceará e aumentando a capacidade industrial de vazão da matéria prima local, principal demanda do setor hoje.

"Estamos à porta do Atlântico, podemos exportar se tivermos indústria para beneficiar o leite e produzir derivados. No mercado temos muito fortes as bebidas proteicas com Whey Protein, os sorvetes, em que demandam leite", destaca.

Atualmente, a Alvoar concentra mercado e chega a envasar o leite de outras marcas cearenses, como a Maranguape. Se o consumidor prestar atenção, na caixa de leite existe a inscrição de que aquele produto foi industrializado na usina de beneficiamento da Alvoar, em Morada Nova, apesar de ser uma empresa independente e, na prática, concorrente das marcas do grupo Alvoar.

Dados do Centro de Inteligência e Inovação da Faec (Ciagro) apontam que essa concentração faz com que, apesar do Ceará ser o 9º maior produtor de leite, em 2021, o valor pago ao produtor ainda fosse quase 6% menor do que no líder de mercado, apesar do custo de produção aqui ser maior.

No entendimento de Amílcar, apesar do orgulho pelo sucesso e alavancagem que uma indústria cearense tem dado ao setor, esse quadro pode melhorar a partir do aumento do parque industrial no setor, o que geraria dinamismo e contribuiria para aumentar os valores pagos aos produtores.

Sérgio Baima e José Aguiar, técnicos da área de Agronegócio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Ceará (SDE), destacam que já existem diagnósticos para melhoria de alguns pontos no setor. O combate aos intermediários é um deles.

Esse movimento ocorreria a partir da organização dos produtores numa ação coletiva neste mercado para que eles consigam melhores preços. Também investir na ampliação de produção de forragens adaptadas ao semiárido e no acesso a tanques de resfriamento.

No ponto de vista dos pequenos laticínios, que atualmente não conseguem competir com as grandes indústrias, o Estado projeta incentivar o processo de certificação desses beneficiadores, garantindo possibilidade de melhoria nos processos e produtos industrializados, tais como o queijo e doce de leite.

Do ponto de vista de ação do estado, os técnicos da SDE apontam ainda a necessidade de melhoria na fiscalização em barreiras sanitárias, para reduzir a entrada de produtos clandestinos sem certificação.

 

Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará (Adagri) inspecionará a qualidade dos itens, já que são alimentos perecíveis
Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará (Adagri) inspecionará a qualidade dos itens, já que são alimentos perecíveis

Regularização de pequenos é desafio

O número de pequenas indústrias de beneficiamento que produzem derivados de leite no Ceará passa dos 2 mil. No entanto, a parcela desses laticínios que possuem certificação dos órgãos de controle é pequena, o que representa risco à saúde pública.

Conforme a Agência de Defesa Agropecuária do Ceará (Adagri), o número de licenças emitidas entre pequenas queijarias saltou 50%, chegando a 68 laticínios. Segundo o presidente Sindicato das Indústrias de Laticínios no Estado do Ceará (Sindilaticínios), José Antunes, o número de empresas certificadas que estão aderindo ao sindicato é crescente.

Hoje, são 27 empresas sindicalizadas, sendo a maioria pequenas indústrias. O desafio, no entanto, é grande, já que a Faec já mapeou aproximadamente 2 mil pequenos laticínios que ainda não têm certificação oficial. Antunes destaca que há um trabalho para diminuir burocracias e facilitar a certificação, já que atualmente são necessários 17 alvarás para que um laticínio funcione.

"Há um problema cultural, falta de informação que faz com que alguns laticínios não se certifiquem", pontua. O diretor da Sanidade Animal da Adagri, Amorim Sobreira, diz ao O POVO que o trabalho para garantir a qualidade dos produtos que chegam aos consumidores começa desde o trato com o animal.

Ele destaca que o Ceará é uma área livre de febre aftosa e existe trabalho de vacinação contra brucelose e tuberculose.

Em relação aos produtos, Amorim destaca que, o Ceará, como reconhecido polo produtor de queijo coalho, tem avançado para aumentar a quantidade de queijarias certificadas.

"Estamos buscando conscientizar. Primeiro as prefeituras a terem serviços de inspeção municipal que emitam o selo municipal. E aos produtores a importância de se certificar, pois assim ele conseguirá vender o queijo dele no município e até a nível estadual e federal, a partir de programas desenvolvidos pelo Ministério da Agricultura", explica.

Segundo o diretor da Adagri, instituições como Faec-Senar, Senai, Sebrae e Ematerce podem ajudar de forma gratuita os produtores com consultorias.

 

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