Logo O POVO+
Geração Z: como os nascidos entre 1995 e 2010 consomem o mundo online
Reportagem

Geração Z: como os nascidos entre 1995 e 2010 consomem o mundo online

Pessoas que nasceram na virada do século têm o comportamento e as emoções mais afetadas pelas redes sociais, o que traz impactos sociais, profissionais e psicológicos
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL 26-09-2023: foto: Tayná Pantoja, Geração Z e o uso da tecnologia. (Foto: Yuri Allen/Especial para  O Povo) (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL 26-09-2023: foto: Tayná Pantoja, Geração Z e o uso da tecnologia. (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)

Um namoro declarado por meio de uma música lançada nas redes sociais e encerrado oficialmente em programa televisivo— repercutindo em massa nas plataformas digitais. O relacionamento relâmpago de Luísa Sonza e Chico Moedas nasceu e morreu no mundo online, sendo o exemplo mais recente de como se comporta a Geração Z: pessoas que já nasceram conectadas e têm o meio digital como válvula de escape. Um local para exprimir emoções na velocidade que o sinal de rede permitir.

Jovens nascidos  entre 1995 e 2010 vieram ao mundo em plena mudança de século, quando tablets e smartphones já não eram mais tão inacessíveis e passavam a ser comuns nas residências. A presença constante de telas levou esse grupo a crescer na esfera virtual, quase como se ela fosse real. 

Consequência desse hábito é refletido em estatísticas atuais. Segundo pesquisa de 2022 da Plataforma Gente, da Globo, os nascidos entre 1995 e 2010 são aqueles que mais passam tempo conectados às redes sociais, consumindo conteúdos digitais por até 12 horas diárias. 

Esse grupo, conhecido também como zoomers ou centennials, tem dentre as preferências de redes sociais o Instagram e o YouTube — enquanto as demais faixas geracionais preferem o WhatsApp. Vídeos de humor ou com temas diversos e conteúdos de entretenimento são os mais consumidos pelos "gen-Z".

Made with Flourish

Rafael Rodrigues, pesquisador do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho da Universidade de São Paulo (CPCT-USP), explica que as plataformas que atuam com audiovisual costumam ter o poder de atração maior. Essa linguagem conseguiria "ir ao encontro da sensibilidade" dos mais jovens. 

Além disso, o comunicólogo destaca que a Geração Z acaba sendo um "alvo mais fácil" para ser fidelizado pelos aplicativos pelo fato de esse grupo não ter experimentado o mundo antes do "boom" tecnológico. Por terem a internet intrínseca a sua existência, eles não teriam como comparar vivências atuais com a realidade onde o meio digital não influenciava o dia a dia.  

"Esse usuário (jovens que nasceram na era digital) não viveu fora da plataforma, não viveu em um mundo pré-plataforma, pra ele é natural ter uma conta no Instagram, no Youtube (...) As pessoas que cresceram (em um período antes da ascensão tecnológica) são mais fáceis de se desconectar e saber que aquilo é (somente) um pedaço da experiência", pontua o pesquisador.

Rodrigues, que é ainda professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), também frisa que essa intimidade com a tecnologia faz com que os mais jovens tenham e sintam mais facilidade em lidar com os algoritmos e com as ferramentas disponibilizadas nas plataformas. 

Dessa maneira, o mundo virtual é para os gen-Z uma zona de conforto — o que pode estabelecer uma relação de dependência perigosa. Conforme o docente, estudiosos já apontam um movimento de "plataformização da sociedade" — a dependência social do meio digital. 

"As plataformas desencadeiam uma espécie de dependência que vai se intensificando a medida que a gente vai se dando conta de que precisa (delas)", alerta o docente, frisando que essa ligação extrema é um problema que ocorre em qualquer faixa etária, mas para a qual jovens podem estar mais suscetíveis.

Como as gerações são denominadas

Geração Baby Boomer: nascidos entre 1946 e 1964 aproximadamente

Geração X: nascidos entre 1965 até o final de 1978

Geração Y (millennials): nascidos entre 1979 e 1994

Geração Z (zoomers ou centennials): nascidos entre 1995 até 2010

Geração Alpha: nascidos entre 2010 em diante.

Fontes: PATRICIA, w. Desenvolvimento Geracional: Um estudo sobre as gerações Baby Boomer, x, y e Z e os conflitos existentes entre elas. (Monografia) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), 2022./ Livro: Gerações: encontros, desencontros e novas perspectivas, por Sidnei Oliveira

Reflexo da dependência e da hiperexposição as telas

Maria Tayná Pantoja, de 23 anos, não lembra da primeira vez que pegou em um celular. Nascida em 1999, a analista de comunicação diz estar sempre buscando se atualizar sobre os aplicativos em razão do trabalho, mas confessa que tem utilizado bastante as plataformas, criando uma relação de dependência.

"Sou um pouco dependente (das redes sociais), eu pego o celular e automaticamente meu dedo vai no ícone do Instagram. Durante minha adolescência toda eu utilizava mais o Twitter, mas hoje em dia é o Instagram que mais consumo (depois do WhatsApp) e é uma ferramenta de trabalho também. Acho que ansiedade, insegurança e consumo são os piores pilares que me vejo fazendo, fico ansiosa e insegura por me comparar muito, conquistas, corpo, comportamento...enfim", desabafa a jovem.

"Tentei durante um momento fazer um controle e otimizar o uso (do celular). Por exemplo, colocava notificações quando passava um determinado tempo no Instagram. Hoje tenho utilizado streams para suprir o consumo do Instagram", admite ainda a analista de comunicação.

Já Hiago Henrique Marques, de 28 anos, diz que não tenta regular o consumo das redes. O jovem conta que as plataformas são para ele como uma "válvula de escape", onde costuma passar o tempo e diminuir as "frustações", principalmente agora — ele se encontra desempregado.

"Como estou em um período de ócio, (as redes sociais) têm me trazido entretenimento. Mas às vezes cansa, então, saio para dar um volta na praia, na beira da lagoa, enfim... ficar trancafiado em casa também tem seu lado negativo. Não curto sair sem celular, mesmo que eu não esteja vendo as redes sociais, eu tenho que estar pelo menos ouvindo música; 100% sem ele, não dá", destaca o jovem.

"Gosto muito de usar memes e me inspirar em piadas sarcásticas do Twitter (...) Ainda não cheguei ao ponto de ficar postando tudo que faço nas redes sociais, posto uma coisinha aqui e acolá. No Twitter, eu não meço esforços em postar besteiras, afinal, lá é lugar disso", brinca ele, que é formado em Rádio e TV.

A forma como Tayná e Henrique se sentem em razão das redes sociais reflete e conversa com a experiência da maioria dos gen-Z. O uso excessivo e a dependência do celular tem preocupado especialistas em todo mundo e apontado para uma ameaça chamada "demência digital".

Conforme o psiquiatra Bráulio Brandão Rodrigues, a condição é um estado mental causado pela utilização desenfreada de aparelhos digitais. O especialista explica que, quando chega a essa situação, o usuário se sente sobrecarregado e com dificuldade de lidar com o excesso de informações.

Essa "sobrecarga" pode ser acompanhada de uma constante tensão, pressão em estar sempre online, problemas de sono e uma dificuldade de concentração, causando ainda ansiedade e depressão.

De acordo com Antônio Araújo, neurocirurgião da Clínica Araújo & Fazzito e integrante do Corpo Clínico do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, o uso excessivo dos aparelhos digitais acelera ainda a perda de neurônios. Embora a Geração Z esteja mais conectada, consequências podem afetar qualquer faixa etária.

"Se você se torna dependente daquilo e passa horas do seu tempo na rede social, isso pode se tornar prejudicial, o reflexo disso virá em 20, 30 anos, às vezes com questões e consequências graves. Não existe isso de nativo digital, na verdade, são crianças que foram expostas precocemente. Os pais acham que a criança já nasceu sabendo. Não seria só a geração Z que seria mais exposta a esses riscos da tela, e sim qualquer geração que desenvolve uma dependência digital", alerta o médico.

Expondo a intimidade e atravessando limites

Com a internet "ligada a sua natureza", os cenntenials acabam desenvolvendo o costume de estar sempre "online" e de compartilhar a vida pessoal e íntima nas redes, mesmo que seja para alguns (ou múltiplos) desconhecidos. É quase como uma característica que se molda ao comportamentos deles. 

Segundo o pesquisador Rafael Rodrigues, essa necessidade de estar nas redes pode ser enxergada pela ótica capitalista. O docente lembra que as plataformas são geridas por grandes empresas e que o consumo delas gera valor. Em contrapartida, os usuários ganham pelo uso "recompensas" como curtidas e comentários. Um ciclo vicioso, que deixa um lado cada vez mais dependente e outro cada vez mais rico. 

Esse circuito "viciante" pode levar usuários mais jovens a ultrapassarem a linha do que pode ser exposto nas redes. Em agosto último, por exemplo, o segundo julgamento dos réus acusados pela Chacina do Curió, no Ceará, teve uma sessão interrompida após uma estudante de Direito publicar uma foto no Instagram que permitia a identificação dos jurados. A jovem teve o acesso ao Salão do Júri suspenso.

Além de casos como esses, há também aqueles em que o usuário tem a vida íntima acompanhada nas redes. Recentemente, a cantora Luísa Sonza viveu um namoro com o influenciador Chico Moedas, ambos da Geração Z. O início e o fim do romance foi amplamente exposto e compartilhado nas plataformas. 

De acordo com o professor Rafael, o comprometimento de estar sempre consumindo ou publicando algo nas redes pode atravessar limites. Pesquisador frisa que o meio digital é comandado por pessoas cuja realidades sociais são diferentes de grande parte dos consumidores, o que pode influenciar quanto a reprodução ou a aceitação de comportamentos intoleráveis, como os racistas.

"Essas pessoas (gen-Z) estão se descobrindo na vida, se descobrindo de várias maneiras. Quando você vive uma vida majoritamente nas redes, (vai) começar a viver, pensar, vivenciar pela forma como as plataformas veem o mundo", destaca o professor, completando que plataformas podem acabar moldando sociedades individualistas, desligadas do combate a questões ideológicas "inaceitáveis".

Uso da tecnologia pode abrir ou fechar portas no mercado de trabalho

Fazer parte da geração dos "hiperconectados" pode ser positivo quando o assunto é mercado de trabalho, uma vez que o uso da tecnologia tem sido cada vez mais recorrente nas empresas. Conforme Isabela Edson, diretora da AGIRH Consultoria, entender o meio digital é um "diferencial" na busca por emprego.

"Sem sombra de dúvidas os profissionais que hoje têm uma abertura, uma facilidade de lidar com a tecnologia, eles se sobressaem (no mercado) (...) Até porque a tempos atrás se entregavam currículos físicos e hoje a captação de vagas ocorre de forma online", destaca.

Além disso, a especialista pontua que existem empresas que têm uma cultura baseada na modernidade, na criação, na inovação e que buscam criatividade. Nesses ambientes, os jovens podem se destacar principalmente por se conectarem a esses conceitos de uma "forma mais acelerada".

Em contrapartida, o uso da tecnologia pode ser um agente poderoso para "barrar" empregos. Segundo Edson, na hora da contratação algumas empresas costumam pesquisar os candidatos nas redes sociais.

"A gente já teve recusa de profissionais que participaram de processos seletivos nossos porque a diretora de uma determinada empresa não gostou da forma como aquele profissional se portava nas redes sociais", conta, dizendo que as instituições costumam avaliar positivamente publicações que trazem um olhar mais otimista, voltado para o meio ambiente, para causas sociais ou para família, por exemplo.

Outro ponto negativo das redes, nesse contexto, seria a utilização excessiva delas. "Existem empresas que não estão mais permitindo o uso do celular porque os jovens não estão mais conseguindo frear esse uso. Isso tem comprometido significativamente a concentração, a produtividade, o gerar resultados dentro da empresa", diz a diretora.

Geração de criadores e influenciadores digitais

A facilidade de uso da tecnologia fez com que os "zoomers" dominassem as redes sociais e começassem a explorar suas múltiplas possibilidades. Se houve um tempo em que ideias eram compartilhadas em praça pública por grandes pensadores, hoje a nova "ágora" se concentra nas plataformas como Twitter (X) ou Instagram, onde pessoas emitem opiniões sem precisar sair de casa.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL 26-09-2023: foto: Tayná Pantoja, Geração Z e o uso da tecnologia. (Foto: Yuri Allen/Especial para  O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL 26-09-2023: foto: Tayná Pantoja, Geração Z e o uso da tecnologia. (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo) Crédito: Yuri Allen/Especial para O Povo
Um estudo realizado pela Nielsen no ano passado mostra como essa realidade se desenha no Brasil. De acordo com a pesquisa, o País é o que mais concentra influenciadores — pessoas que produzem conteúdo na internet. São 500 mil deles com ao menos 10 mil seguidores.

Segundo relatório especial do Edelman Trust Barometer 2022, a Geração Z domina a estrutura de influência. A pesquisa aponta que 74% dos brasileiros que têm até 26 anos criam ou compartilham conteúdo uma ou mais vezes por semana. Destes, 40% o fazem uma ou mais vezes por dia.

Levantamento também mostrou que 62% dos brasileiros são influenciados digitalmente pelos gen-Z em relação às compras. Um dos motivos disso seria o fato de pessoas dessa faixa geracional serem mais preocupadas com temas como meio ambiente e política, o que aumentaria a credibilidade das indicações.

Esses rostos que quase diariamente aparecem em stories ou vídeos no Youtube, falando sobre o cotidiano ou dando dicas sobre os mais diversos assuntos, podem também trazer perigos, ainda que "invisíveis". De acordo com a psicóloga clínica e jurídica Andreia Soares Calçada, toda essa dinâmica de criadores e influenciadores digitais acaba mostrando uma realidade que "na maioria das vezes não é real".

O consumo desses conteúdos pode afetar crianças e adolescentes, que ainda estão buscando se descobrir no mundo, e levando eles a criarem expectativas irreais sobre a vida. "Isso acontece principalmente com adolescentes, em relação a questões vinculadas ao corpo, hábitos, padrões de beleza, família e de estilo de vida que são distanciados do real e da vida pessoal de cada um", alerta a profissional.

 

 

O que você achou desse conteúdo?