“Fica instituído o dia 12 de outubro para ter logar, em todo o territorio nacional, a festa da criança, revogadas as disposições em contrario”. Foi esse o início do Dia das Crianças no Brasil, sob decreto publicado no dia 5 de novembro de 1924 pelo governo Artur Bernardes, que destinou a data à ainda tímida celebração infantil.
Quase 100 anos depois, a festa foge de burocracias e se tornou um momento para pais e filhos viverem e lembrarem todos os prazeres e a liberdade desta fase tão importante da vida.
O dia é palco para descobertas, criações, improvisações, imaginações, projeções, perguntas e explorações das várias atribuições de quem é criança. Com os rios de criatividade e pouca experiência de vida — particulares a cada um destes indivíduos —, sempre ressurge aquela que é uma das perguntas mais difíceis até para adolescentes: “O que eu quero ser quando crescer?”.
Foi essa a questão que O POVO levou a sete crianças, de diferentes idades, raças, bairros, sonhos e personalidades. De encontro ao proposto, elas não encaram a pergunta como um ultimato à escolha, mas sim como um convite à possibilidade.
Além das profissões citadas nos textos, surgem ainda possíveis professores, engenheiros, esteticistas, policiais e muitas outras carreiras. Jornalistas, quem sabe? Alguns desses sonhos para o futuro se baseiam em gostos atuais dos entrevistados e outros… são devaneios infantis. Papo sobre crianças, com crianças. Explicações excessivas são desnecessárias.
Entretanto, algumas das que eles citam como as que mais desejam, têm uma fonte bem enraizada no seio familiar. Querem ser como as mães, os pais, os tios, os primos ou vários outros parentes, mas sem perder a própria personalidade.
O POVO convidou ainda a geração anterior — pais e mães — a retornarem aos tempos de infância e lembrarem o que queriam ser quando crescessem. Um recurso para perscrutar diferenças e semelhanças entre as gerações.
Pais que não seguiram os sonhos de infância, outros que ingressaram nas respectivas áreas e até aqueles que tinham os mesmos sonhos dos filhos contaram suas experiências. Sem falar daqueles que buscaram outro meio de vida, mas guardam o sonho adormecido para o futuro.
Em cinco perfis — um deles voltado a trigêmeas —, sobressaem futuras profissões, um pouco dos gostos pessoais, características e reações de cada um. São relatos de histórias que ainda não foram vividas, mas que são diariamente projetadas e reprojetadas.
Essa é a grande virtude que as pessoas carregam na infância. Podem mudar a profissão dos sonhos até a fase adulta, como esse desejo também podem mudar até o próximo Dia das Crianças, até o Natal, ou até amanhã.
Essa é a graça de tudo. A infância não é feita de compromissos, mas de muitas possibilidades. Neste dia 12, o desafio é lidar com esse mundo inteiro de trilhas possíveis. Vários futuro que elas podem (ou não) traçar.
Trigêmeas Rodrigues: "Nem todo mundo é igual"
Maria Evellin, Maria Gabriela e Maria Júlia Rodrigues têm 10 anos de muitas semelhanças e diferenças. Alguns poucos minutos com elas são suficientes para conhecer as particularidades de cada uma. Depois de uma conversa, então, é quase impossível confundí-las.
Evellin, de tiara colorida, é a primeira a falar. Relaxada, fala até pelas irmãs, que no início mais assistiram do que participaram. O silêncio durou pouco, logo Júlia, a de tiara azul, supera a timidez e desata a falar. Uma surpresa, já que as demais dizem que ela é a mais quieta.
Desta vez, quem assume o cargo de tímida é Gabriela, de laço na cabeça, que evitava falar e mantinha uma linguagem corporal retraída. Por vezes deitada na cadeira ou com braços e pernas cruzados, foi a última a se monstrar confiante na conversa.
As semelhanças surgem nas carreiras que visam: muita arte envolvida. Evellin quer ser estilista e ter a própria marca. Aos 10 anos, já faz os primeiros desenhos e imagina roupas para suas bonecas. O sonho é inspirado no tio, que é estilista e já usou as gêmeas como modelos.
Ela não foi a única a se encantar pelo mundo da moda. Gabriela viu na atividade com o tio não só um passatempo, mas o pontapé para uma carreira como modelo. De campanha ou passarela? Sem preferências. Quer viver as duas. Fala até em montar um desfile junto de Evellin no futuro, quando vestiria as peças desenhadas pela irmã.
A produção do evento também tem Júlia, que planeja ser cantora, como uma das estrelas na programação. A música é um talento mais particular, cultivado na igreja onde canta com as irmãs. Na contramão da personalidade agitada, a fã da banda Melim prefere entoar canções calmas, para não forçar muito a voz. As parcerias com o avô na sanfona também foram um grande incentivo.
Nos estudos são diferentes. Gabriela é das artes, Júlia do portugês, principalmente da leitura, e Evellin é, como as irmãs disseram, a "rainha da matemática". O ponto de encontro na escola é o apreço pela calmaria. Nenhuma gosta do recreio. As outras crianças correm demais e por isso, elas preferem fofocar na biblioteca.
Por fim, os hobbies são parecidos. Gostam de ver televisão, de ir à igreja e bastante de dançar balé. Elas, porém, descartam o desejo de uma carreira na dança. Seguem firmes nas escolhas que fizeram. Até o próximo devaneio, pelo menos.
Nicole Rodrigues, 42, é a mãe das três Marias. Criança, sonhava em ser repórter, mas não seguiu carreira. Conta que a curiosidade é de família, pois o que mais lhe encantava na profissão eram as viagens e sempre conhecer algo novo.
Acabou indo para o comércio, que fazia desde pequena, vendendo lanches e revistas na escola. Já adulta, trabalhou com cosméticos e sabonetes medicinais, entre muitas outras funções.
Hoje atua como auxiliar na escola em que as meninas estudam e destaca a dupla jornada como mãe de trigêmeas e da mais velha, de 14 anos. Para o futuro, quer retomar os estudos, agora para gestão escolar, onde pretende se profissionalizar cada vez mais
Karine Lima: "Vou estar inspirada em mim"
Aos 9 anos de idade, Karine Lima mira uma combinação inusitada de carreiras que quer seguir. No páreo estão duas áreas semelhantes, a de influencer digital e a de modelo. A surpresa vem do outro sonho de profissão que acompanha as carreiras mais voltadas à estética: o de ser policial.
A de influenciadora é a que mais lhe interessa e na qual já começa a praticar desde cedo. Com perfis no Instagram e no Tiktok, administrados pela mãe e pela irmã mais velha, Karine mostra o dia a dia, viagens que faz com a família, presentes que recebe e compartilha conteúdo sobre moda.
A beleza e simpatia das influenciadoras são alguns dos aspectos que a atraem no trabalho com redes sociais. Quer ser como as mulheres que tanto admira, mas sem perder a própria personalidade.
Quem pensa que o desejo de trabalhar com imagem faz de Karine uma menina exibida, se engana. Em geral, ela se mostrou tímida. Parecia ansiosa e, por vezes, disse estar tensa com as perguntas que seriam feitas.
Os sorrisos dela, porém, comunicavam bastante. Os primeiros eram de nervosismo, curtos e de canto de rosto. Logo deram lugar a expressões mais calmas, naturais e demoradas quando falava de algum assunto que gosta, como viagens, por exemplo.
Sem dúvida, os maiores sorrisos foram para a câmera. Essa foi a melhor amiga de Karine naquela tarde. Olhava para as lentes com naturalidade, fazia poses e não se incomodava com os diversos ângulos e cenários recomendados para as fotografias.
Esse é um bom sinal para a segunda carreira que quer seguir, a de modelo. Assim como a mãe, que fez algumas campanhas quando mais nova, Karine diz se dar melhor com o trabalho de estúdio, apesar da pouca experiência. Como mostrou anteriormente, é tímida e as passarelas ainda a assustam um pouco. Tudo parece grande demais quando a gente tem 9 anos.
Em um caminho diferente das outras duas profissões, Karine cultiva também o sonho de ser policial. Pouco relacionada com as demais carreiras que almeja, essa surgiu sem muitos precedentes, de um desejo orgânico.
A pequena diz que se interessa por investigação, quer desvendar os crimes. Vindo de alguém nessa idade, na qual se aprende e descobre tanto a todo momento, soa como uma vontade motivada pela constante vontade de sempre desbravar algo novo.
Apesar de ter atuado como modelo, a mãe, Keila Gomes, 43, tinha outros sonhos quando era criança. Com prazer em arrumar e projetar espaços, vislumbrava ser arquiteta.
O desejo não vingou. Natural de Russas, a 171 km da Capital, veio morar em Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), e hoje trabalha com vendas. A rotina agitada não permite que ela retorne muito ao sonho de infância. Os momentos de lembrança ocorrem quando aconselha a filha, contando sobre os trabalhos de modelo que fez quando mais jovem.
Agatha Garcia: "Eu gosto de cuidar das pessoas"
Agatha exala calma, cuidado e muita simpatia. Aos 8 anos de idade, a pequena já demonstra qualidades de uma das muitas profissões que quer seguir, a de pediatra. Inspirada na mãe, Meiriane Garcia, 38, técnica de enfermagem, a estudante do terceiro ano do ensino fundamental começou a treinar cedo, cuidando de suas bonecas em várias brincadeiras.
Com os apetrechos que simulam os da mãe, realiza todos os passos do atendimento pediátrico com as bonecas. Se vai aplicar uma injeção, pega a seringa, enche com o líquido de sua imaginação, dá três batidinhas na ponta e só depois aplica. Afinal, tem de fazer como foi ensinada.
O cuidado com as bonecas se estende para outras áreas, principalmente na escola, onde diz gostar de tudo. A matéria preferida deste ano é ciências, já que agora, na terceira série, faz experiências.
No ano passado, quando diz ter estudado muita teoria, a pequena não se interessava muito por ciências, porém. Vem sendo conquistada. Com destaque para a robótica, Agatha conta animada e dando leves pulos no sofá as experiências que tem feito, retrato de quem gosta de estar em movimento.
No tempo livre, faz muitas coisas. Além de brincar com as bonecas, se diverte brincando de esconde-esconde, com os amigos do prédio, ou junto à prima, na casa dos avós. Aos 4 anos, a filha dos tios desenlaça o cuidar de Agatha, a futura pediatra.
Agatha fala de tudo e também gosta de muita coisa, uma combinação que nessa idade faz com que ela projete diversas versões de si mesma para o futuro. Já quis ser dentista, cabeleireira, manicure, esteticista, maquiadora e essas foram apenas as que ela lembrou.
Dentre as várias opções de profissão, porém, a que ela mais repete é pediatria. Perguntada porque essa tanto lhe enche os olhos, Agatha dá uma resposta simples, mas cheia de personalidade para alguém tão pequeno:
"Eu gosto de cuidar das pessoas".
A área da saúde parece atrair as mulheres da família há algum tempo. A mãe, Meiriane, desejava a enfermagem desde pequena, assim como Agatha e a pediatria. Hoje atua na profissão e diz se orgulhar e incentivar o desejo da filha.
Por vezes, devido à correria do dia a dia, leva Agatha para o trabalho, onde a pequena aprende vendo a mãe. Meiriane diz não pressionar pela escolha na saúde, mas faz questão de acompanhar os muitos desejos da filha.
O pai, Rodrigo, 38, foi quem acabou mudando de ideia na família. Quando pequeno queria ser militar, mas hoje presta serviços a concessionárias de energia, trabalho que desempenha há quase dez anos. Apesar do sonho de infância, se vê feliz com o que faz.
Heitor Mendes: "Eu quero ser jogador"
Heitor Mendes respira esportes. Seu favorito é o futebol, mas também nutre paixão por automobilismo e basquete. Como muitas crianças de 9 anos como ele, quer ser atleta do esporte mais popular do mundo e jogar pelos clubes de coração, Ceará e Corinthians-SP.
Diferentemente de muitos outros, quer ser zagueiro. Uma opção curiosa, já que gosta de ver lances de gols e dribles, além de destacar que tem o bom passe como principal característica. Quando brinca só, vai na contramão de muitos defensores e treina a força de seus chutes contra a parede.
O primeiro sonho em campo é conquistar o acesso para a Série A com o Alvinegro de Porangabuçu. Lá quer ganhar Campeonato Estadual, Copa do Nordeste e todos os títulos a que tem direito.
Este seria o início promissor, dentro da estratégia por ele traçada até chegar a outro Alvinegro, o de Itaquera. No Corinthians, clube por quem ele declara a maior paixão, marcaria 50 gols. Heitor até levou a contagem até 100, mas, ao pensar melhor, lembrou que será zagueiro e dividiu a conta pela metade.
Os títulos seriam grandes. Libertadores, Sul-Americana e Copa do Brasil fazem parte dos planos do garoto que a essa altura da conversa, já olhava inquieto para os amigos que jogavam bola ali próximo.
Mais caseiro, diz que prefere sair do prédio onde mora apenas para jogar ou assistir ao futebol. Quando os pés não correm atrás de uma bola, fica em casa, onde relaxa assistindo vídeos no YouTube. Sobre o quê? Futebol. Ele lista vários canais que assiste, mas o conteúdo favorito são as jogadas dos atletas que mais admira: Cristiano Ronaldo, Sergio Ramos e João Félix.
Apesar do apego ao futebol, também há vez para outros esportes. O automobilismo, através da Fórmula 1, lhe encanta os olhos. Gosta da velocidade e da potência dos carros. Outro queridinho é o basquete, o qual ele acompanha menos, mas não deixa de ter seus favoritos.
Elogia a lenda Kobe Bryant, que mais vê pela internet, já que o atleta se aposentou em 2016, quando Heitor tinha 6 anos. Entre os que ainda estão em atividade, o fã destaca Lebron James, astro do Los Angeles Lakers, time da liga estadunidense.
A escola não é um dos lugares favoritos dele para praticar esportes. Só se solta na hora dos recreios e nas aulas de Educação Física, atividades mais próximas do sonho dele de brilhar no futebol. Também se interessa por leitura, principalmente algumas revistas do Ronaldinho Gaúcho que encontra na biblioteca da escola.
O hábito de ler se expandiu e agora chega ao mangás, quadrinhos japoneses. Influenciado pelos amigos, começou a ler One Piece, na qual um pirata procura um tesouro escondido há bons 1000 capítulos.
A mãe, Jacqueline Mendes, 38, sonha em ser psicóloga. Segundo ela, essa ainda é uma meta a ser realizada. Hoje trabalha com recursos humanos, mas cita alguns motivos para querer retornar à psicologia.
O principal deles é Heitor. Com o filho diagnosticado há dois anos com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Jacqueline diz que o retorno aos estudos é mais do que pela profissão ou o diploma, mas sim para acompanhar melhor o garoto.
A ideia inicial sempre foi trabalhar em clínicas e hospitais, com atendimento direto à saúde mental das pessoas. No entanto, não descarta a implicação dos conhecimentos na área em que já atua.
Antônio Nascimento: "Vou ser melhor que o Cristiano Ronaldo"
Com a certeza que só existe em uma criança, Antônio Nascimento é direto sobre o sonho de futuro: "Vou ser melhor que o Cristiano Ronaldo". Tendo o jogador português como ídolo, o menino de 7 anos faz do esporte, que hoje é apenas uma diversão com os amigos, uma possibilidade de carreira
É verdade que ele tinha outro desejo, esse mais imediatista. Vendo os amigos brincando na rua, disse por várias vezes 'Mãe, eu quero andar de bicicleta", mas como bom atleta que quer ser, atendeu gentilmente à imprensa.
O futebol é o lampejo maior do menino indígena, estudante da Escola Abá Tapeba, em Caucaia, município da Região Metropolitana de Fortaleza. Frequenta o espaço por dois turnos. Pela manhã acompanha a mãe, que trabalha como diretora da instituição de ensino.
À tarde, volta para a escola, mas, desta vez, para estudar. Vai bem em matemática e português. No 1° ano do ensino fundamental, se destaca em somas e na leitura, além de arriscar alguns desenhos.
Na escola, umas das atividades que mais gosta é o Toré, manifestação cultural comum a diferentes etnias brasileiras, celebrada com dança, música e expressões de religiosidade. Além desta, participa de diversas brincadeiras como a corrida do galo, a corrida do Saci e a corrida da tora.
No futebol, tem sonhos altos. Segundo ele, seu primeiro gol vai ser de bicicleta com o Castelão lotado. Quer jogar pelos clubes de coração, Flamengo-RJ e Fortaleza, pelos quais quer ganhar a Copa do Brasil.
Uma das motivações é conhecer os ídolos, Pedro e Gabriel Barbosa, jogadores do time carioca; e Yago Pikachu, atacante do Tricolor do Pici. Outro forte desejo é a seleção brasileira. Na Canarinho, quer ganhar a Copa do Mundo ao lado de grandes estrelas como Rodrygo, Neymar e Vinícius Júnior
Ainda novo, não sabe muito do futebol. Por exemplo, disse que também quer jogar na seleção da Holanda, pois admira muito o time, mesmo sem ser holandês.
A notícia de que só poderá jogar por uma das seleções não abalou o entusiasmo do menino de 7 anos. Perguntado sobre qual profissão pretende seguir caso não deslanche como jogador de futebol, Antônio não se viu em nenhuma outra carreira.
Esse, no entanto, não é nem de longe um problema para o caçula entre os perfilados. Jovem até entre os mais jovens, ainda tem bastante tempo para alcançar o sucesso nos gramados ou na descoberta de outro labor.
A mãe, Francineide da Silva, 43, sonhava em ser enfermeira. No entanto, já crescida, seguiu a rotina escolar, dando aulas como professora da educação infantil ao ensino fundamental.
Não desistiu da enfermagem. A falta de tempo ainda é o maior problema para a mãe de Antônio. Quer ainda voltar a estudar para se formar na área da saúde, mas diz que não trocaria de profissão. O desejo de Francineide é usar tudo o que aprender para atender melhor as crianças a quem leciona.