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Guarda de menino ao pai réu por estupro é investigada
Reportagem

Guarda de menino ao pai réu por estupro é investigada

| CNJ e TJCE | Parentesco do pai com pelo menos três magistrados levantou as suspeitas do processo de guarda da criança
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GUARDA do menino de 7 anos é disputada por mãe e pai. Decisão do STJ mandou Vara de Parnamirim definir o caso e mãe retomou a guarda da criança (Foto: Creative Plan/Adobe Stock)
Foto: Creative Plan/Adobe Stock GUARDA do menino de 7 anos é disputada por mãe e pai. Decisão do STJ mandou Vara de Parnamirim definir o caso e mãe retomou a guarda da criança

O caso corre sob sigilo, mas saiu da esfera familiar e virou um imbróglio jurídico com repercussão nacional. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instaurou um pedido de providências e vai investigar se um pai, coronel reformado da Polícia Militar do Ceará, foi favorecido indevidamente em decisões judiciais com o direito de ficar com a guarda de seu filho, mesmo respondendo criminalmente pelo suposto abuso do próprio garoto. O homem tem parentesco direto com membros do Judiciário Cearense.

O pai é irmão de um juiz, primo de outro magistrado, sobrinho de uma desembargadora federal e teria proximidade com outros nomes da Corte local. Mais três juízes e dois promotores se declararam suspeitos para atuação no caso, o que também foi considerado pelo CNJ para abrir a investigação.

Além disso, a Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará também abriu procedimento para analisar a conduta dos magistrados do caso. Porém, o órgão não informou detalhes - sobre quando iniciou a apuração, quais os prazos, trâmites ou o que especificamente será investigado.

"A Corregedoria-Geral não foi intimada oficialmente, até o momento (nota recebida pelo O POVO nesta terça-feira), sobre procedimento instaurado pelo CNJ. No entanto, tramita neste órgão estadual procedimento de apuração relacionado ao caso", confirma.

O TJCE havia emitido nota anteriormente: "Nos nomes dos envolvidos existem diversas ações judiciais, com diferentes assuntos, movidas por ambas as partes e também por órgão ministerial. Os referidos processos tramitam em segredo de justiça, por esta razão, não podem ser repassadas informações. O acesso integral aos autos é resguardado às partes e aos seus respectivos advogados para a preservação do direto à intimidade dos envolvidos, inclusive do menor".

Desde 6 de julho deste ano, a mãe, que é advogada, não tem informação nenhuma sobre o filho, que fará sete anos em dezembro. Não sabe se o menino está indo à escola, se está febril ou com dores, se tem saudades dela, ou mesmo se tem sido mencionada em alguma conversa. Já são 103 dias sem contato ou resposta alguma. Não viu nenhuma foto nem áudio, não teve acesso a nada.

Mesmo com indícios de que o pai tenha cometido abuso sexual contra o garoto, e seja réu em processo sobre isso na 12ª Vara Criminal de Fortaleza, ainda assim a Justiça do Ceará, através de decisão de um desembargador, deu ao pai esse direito de guarda da criança. Até o menino ser retirado da mãe, eles mantinham a guarda alternada - sete dias em cada residência, em Fortaleza (pai) e Parnamirim/RN (mãe).

Em 2021, durante um exame bucal da criança para avaliar sua dentição e o maxilar e corrigir problemas de dicção, a dentista percebeu lesões de coloração vermelha escura e roxa no céu da boca (petéquias). E avisou à mãe que os ferimentos eram compatíveis com situação de abuso sexual.

"Não irei continuar, isso aqui é indício de que ele foi molestado por sexo oral", alertou a dentista. O POVO assistiu ao vídeo com a criança mostrando a lesão na boca.

O pai já teria sido investigado por acusações de abuso sexual do outro filho e de uma filha, de dois relacionamentos anteriores. A menina mora no Pará, é pré-adolescente hoje. O filho é universitário. O POVO não conseguiu confirmar qual desfecho tiveram esses casos. A informação é de que ele também teria se tornado réu pela acusação com a filha.

A mãe advogada chega a descrever cenas e situações ainda piores que teriam sido vivenciadas pela criança. Gravou confidências reveladas pelo filho, de molestações. O menino conta, mas diz à mãe que poderia ser castigado, se o pai soubesse que ele havia contado.

O casal se separou em dezembro de 2018, num episódio de violência doméstica, como contou a mãe ao O POVO. Desde então, a disputa pela guarda da criança se espalhou em diversas ações também apresentadas em Fortaleza na 3ª Vara de Família e na 9ª Vara Criminal, no 20º Juizado Especial Criminal, na Vara de Infância de Parnamirim - cidade onde a mãe morava com a criança havia dois anos.

O coronel alegou nesse pedido que a mãe havia fugido com a criança, mas a advogada tinha a seu favor uma outra decisão, da Justiça do Rio Grande do Norte que lhe permitiria a guarda. A mãe disse que decidiu levar o menino do Ceará e não mais devolvê-la por conta de uma medida protetiva imposta ao pai, por ele já ser réu por estupro.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também foi acionado para avaliar se houve o chamado conflito de competência, já que as decisões para guarda foram dadas pelo judiciário potiguar e cearense - que não teria levado em conta a ordem da Vara de Infância de Parnamirim.

Na última segunda-feira, 16, a advogada Ana Paula Brito, que atua para o lado da mãe, lançou mão de nova tentativa para reverter a situação. Peticionou ao processo da 12ª Vara Criminal para que seja concedido um mandado de busca e apreensão da criança, desta vez no endereço do pai, no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza. A princípio, seria o local onde a criança estaria vivendo.

A intenção é que ele volte para a mãe ou seja mantido aos cuidados de uma terceira parte disponível, pessoa indicada dentro do processo. A parte da mãe apontou o nome da avó materna, o pai ainda não teria indicado alguém para esta possibilidade, segundo Ana Paula Brito.

PREVENÇÃO

-Criança se comunica por meio do comportamento. A linguagem oral é o último recurso.

-Mudança de comportamento é sinal de alerta: estar mais isolado, disfunção no sono ou na alimentação.

-Existem sinais e sintomas de abuso sexual. Cada vítima vai atravessar de forma diferente.

-Os sinais visíveis são vermelhidão na região genital, laceração no ânus, manchas roxas próximas às partes íntimas, secreção, mal cheiro.

-Sintomas: dores no corpo sem explicação, agressividade, linguagem sexual que a criança ainda não tem repertório para ter, comportamento sexual mais aparente.

-A criança precisa sentir que não tem culpa, que é um dos quatro sentimentos que a criança abusada apresenta, junto à vergonha, o medo e a insegurança.

Fonte: Clarissa Chaves, psicopedagoga e Educadora Master ESEPAS (Educação Sexual, Emocional e Prevenção ao Abuso Sexual)

A oficina "E agora? Como lidar com a sexualidade das crianças?" será realizada nesse sábado, 21, pela psicopedagoga e educadora Master ESEPAS (Educação Sexual, Emocional e Prevenção ao Abuso Sexual), Clarissa Chaves, no espaço Alfabetilar (@alfabetilar)

Objetivo é que os adultos conheçam características importantes do desenvolvimento e da sexualidade infantil, saibam como lidar com comportamentos e responder as perguntas das crianças, além de aprenderem a ser rede de proteção da infância na prevenção ao abuso sexual.

A metodologia da oficina contará com jogos, dinâmicas e rodas de conversa.

 

Mãe relata cotidiano de violência doméstica e sinais de abuso sexual

Em entrevista ao O POVO, a mãe descreve situações do (ex) casal, desde acusações de violência doméstica, proposta de jogos sexuais a comportamentos da criança que seriam indícios do abuso sexual supostamente cometido pelo pai.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Sofri violência doméstica e tive que fugir de dentro de casa. Foi em 2018, no dia 8 de dezembro. O que era recorrente dentro de casa eram os desequilíbrios dele, no sentido de cunho sexual. Ele sempre fazia propostas de swing, bacanal, orgia. Tenho conversas no WhatsApp, tá documentado nos processos.

GRAVIDEZ

Quando me deparei que estava grávida, eu tinha três cistos no útero e a médica pediu pra eu parar de tomar medicação (anticoncepcional) para operar os cistos e eu saí grávida. A gente já tinha ensaiado separação. Não queria ter saído gestante dele.

RASTREADOR

Perguntei se ele era homossexual, por conta das propostas, ele disse: "Vou dormir com o (filho)". Ele já estava isolando o menino dentro de casa, não deixava ele comigo. Foi quando ele me agrediu, porque eu disse que tinha dito pra terapeuta. Ele me levava para a mesma psicóloga, para saber o que eu tinha dito. Até que ela me relatou que ele havia colocado um rastreador debaixo do banco (do carro), com microfone.

AGRESSÃO

Aí ele me agrediu, eu fugi de casa. Ele ficou com o menino, entrou com um processo de guarda no dia 13 de dezembro de 2018, às 11h40min. (A agressão) foram umas manchas enormes no meu braço. Fui entrar no quarto, ele fechou a porta, ficou tentando quebrar meu braço fechando a porta. Às 14h30min desse dia a juíza já tinha deferido a guarda alternada. O menino ficava sete dias com ele, isolado de mim.

PSICOSSOCIAL

A guarda alternada ficou vigente até o momento que ele molestou o (filho). O menino nunca quis ir pra ele. Meu filho foi gago até 4 anos, falava muito mal. O estudo psicossocial foi contra ele (pai).

IDADES

Quando me separei, ele (filho) tinha 1 ano e 11 meses. E quando fugi do Ceará ele tinha 4 anos e 6 meses.

VÍDEOS

Tenho mais de 300 vídeos do meu filho chorando para não ir para ele. Era arrastado no meio da rua para ir para o pai. Se o pai é bom, não era para a criança ir daquela forma. Era para ir feliz.

"AÍ FUGI"

Medida protetiva que pedi para meu filho demorou 72 dias para sair. E não ia esperar 72 dias, aí fugi do Ceará. Fugi na terça, 22 de junho de 2021. Fui para Parnamirim, requeri a guarda do meu filho, unilateral, por conta da situação.

RÉU

Ele é réu em processo de estupro. O delegado viu indícios. A promotora viu materialidade, denunciou e a juíza recebeu.

BUSCA E APREENSÃO

Ele entrou com processo de subtração de incapaz no Juizado Especial. Provei que tinha a guarda e foi arquivado. Ele entrou com a mesma ação pela área cível. Mas não disse que era investigado por estupro, nem que eu tinha a guarda em Parnamirim.

AGRAVO

A juíza suspendeu a guarda dele, mandou devolver a criança para mim em 24 horas. Ele teria que me entregar na terça. Ele recorreu na segunda, à 1h40min. À 00h30 do dia 10/10 o desembargador conseguiu ler um agravo de 350 páginas e suspendeu os efeitos da decisão da juíza. É melhor a criança ficar com o estuprador do que em outro estado? A Justiça está mantendo a criança com o estuprador que denunciou ele por estupro.

Defesa alega inocência

"O processo envolvendo a guarda do menor tramita em segredo de Justiça. É lamentável a divulgação indevida e distorcida dos fatos envolvendo um litígio que tramita em sigilo, resultando em prejuízos ao bem-estar da própria criança envolvida. Afirmamos, porém, que o pai da criança é inocente de todas as acusações, não tendo praticado, jamais, qualquer tipo de ilícito contra seu filho ou contra quem quer que seja. O processo criminal, baseado em alegações falsas e unilaterais - até mesmo o resultado do exame de corpo de delito resultou negativo -, é produto de uma campanha premeditada de desqualificação do pai da criança perpetrada pela genitora do menor.

A denúncia, baseada em laudo unilateral produzido por psicóloga contratada pela mãe da criança, somente foi oferecida depois que a genitora perdeu a guarda da criança em função dos inúmeros expedientes atentatórios à dignidade do infante. Entre tais expedientes, pontuam-se a divulgação de informações do processo nas redes sociais e na imprensa, os constantes ataques públicos à família paterna e a reiterada desobediência às decisões judiciais. A genitora chegou a sequestrar e ocultar o menor por mais de dois anos, em franco descumprimento aos mandados de busca e apreensão expedidos pelo Juízo de Família.

Ressalte-se que os laudos social e psicológico, produzidos por profissionais nomeados pelo Juízo de Família, apontam que a convivência do filho na moradia paterna é segura e amorosa, não havendo menção à prática de qualquer ilícito praticado pelo pai.

A mãe da criança, por outro lado, responde pela prática de crimes diversos, tais como maus tratos, tortura, constrangimento contra menores, perigo para a vida e saúde de outrem, desobediência e subtração de incapaz, crimes em investigação na Delegacia de Combate à Exploração da Criança - além do crime de denunciação caluniosa por ter falsamente denunciado o pai da criança.

Reafirmamos a confiança no Judiciário e a convicção de que a verdade será restabelecida, com a absolvição do genitor das acusações criminais e sua manutenção como guardião exclusivo da criança".

CONSELHO TUTELAR

PLANTÃO 24 HORAS

Local: Rua João Tomé, 261,

Monte Castelo

Contatos: (85) 3238-1828

(85) 9897-0547

Prevenção

Criança se comunica por meio do comportamento. A linguagem oral é o último recurso.

Mudança de comportamento é sinal de alerta: estar mais isolado, disfunção no sono ou na alimentação.

Existem sinais e sintomas de abuso sexual. Cada vítima vai atravessar de forma diferente.

Os sinais visíveis são vermelhidão na região genital, laceração no ânus, manchas roxas próximas às partes íntimas, secreção, mal cheiro.

Sintomas: dores no corpo sem explicação, agressividade, linguagem sexual que a criança ainda não tem repertório para ter, comportamento sexual mais aparente.

A criança precisa sentir que não tem culpa, que é um dos quatro sentimentos que a criança abusada apresenta, junto à vergonha, o medo e a insegurança.

Fonte: Clarissa Chaves, psicopedagoga e Educadora Master ESEPAS (Educação Sexual, Emocional e Prevenção ao Abuso Sexual)

A oficina "E agora? Como lidar com a sexualidade das crianças?" será realizada nesse sábado, 21, pela psicopedagoga e educadora Master ESEPAS (Educação Sexual, Emocional e Prevenção ao Abuso Sexual), Clarissa Chaves, no espaço Alfabetilar (@alfabetilar

Objetivo é que os adultos conheçam características importantes do desenvolvimento e da sexualidade infantil, saibam como lidar com comportamentos e responder as perguntas das crianças, além de aprenderem a ser rede de proteção da infância na prevenção ao abuso sexual. 

A metodologia da oficina contará com jogos, dinâmicas e rodas de conversa. 

Dispositivos legais garantem proteção à criança

"A mãe foi em vários locais mostrando os sinais de violência e conta que foi desencorajada a denunciar. A Justiça, em vez de procurar dispositivos de proteção à criança, garante que o suspeito de ser abusador tenha a guarda exclusiva". As constatações são feitas pela membro do Fórum Nacional da Criança e do Adolescente (DCA), Lídia Rodrigues, que avalia ainda que há muita morosidade do sistema de Justiça em apurar casos de abuso sexual que não são flagrantes.

É no Estatuto da Criança e Do Adolescente (ECA), criado em 1990, onde consta que é dever da família, da sociedade e do Estado a proteção desse público. Quando essa família nuclear, configurada pelos pais, não garante esse direito, o próprio ECA define o plano de convivência familiar e comunitário.

"Uma parentalidade de alguém próximo que pudesse ficar com essa guarda provisória e, em casos mais extremos, essa criança ir para uma unidade de acolhimento. Então, há outras alternativas que a Vara da Família deveria ter considerado", avalia Lídia.

A Lei da Escuta Protegida, de 2017, que estabelece meios especializados para o depoimento de crianças vítimas de agressões; e a Lei Henry Borel, que seria a "Lei Maria da Penha" voltada à infância, de 2022, são dispositivos que garantem, no Judiciário, medidas emergenciais de proteção. Ordem dos Advogados do Ceará (OAB) - secção Ceará - também acompanhará as investigações sobre a suposta irregularidade no processo de guarda, garante Stella Pacheco, membro da Comissão de Defesa Especial dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-CE.

Como funcionam o poder parental e a guarda compartilhada

Todo pai e toda mãe possuem o poder parental de acompanhar a educação e o desenvolvimento dos filhos. "E decorre também o poder de fiscalização. Aquele que não está de fato com a guarda do filho pode fiscalizar o desenvolvimento e deve intervir sempre nos interesses da criança", detalha o defensor público Sergio Luiz de Holanda, supervisor das Defensorias de Família.

Esse poder parental, reforça Sergio, existe independente da guarda unilateral ou não. Só é perdido através da destituição parental, medida extrema em que o Estado intervém e afasta os genitores da criança, que perdem a capacidade de exercício da paternidade e da maternidade. "Geralmente acontece quando há abuso e maus tratos ou abandono. A criança está numa situação de vulnerabilidade", frisa o defensor.

Ter a guarda de um filho significa ter o exercício do direcionamento e a responsabilidade sob a criança. Quando os pais estão juntos, essa guarda é exercida no dia a dia, com o compartilhamento do entendimento sobre os filhos. Atualmente, o Código Civil estabelece, como regra, a guarda compartilhada das crianças e adolescentes, no sentido de assegurar a maior participação de ambos os pais.

"Excepcionalmente pode ser fixada guarda unilateral, quando os pais estão em alta beligerância e quando há riscos à integridade física ou mental da criança em permanecer com um dos guardiões", complementa Sergio. Nesses casos, a ação de guarda fará com que um juiz defina quem tem as melhores condições parentais para estar com essa criança ou adolescente, mediante provas.

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