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Direita tenta novo impulso a partir da Argentina
Reportagem

Direita tenta novo impulso a partir da Argentina

| FUTURO | Argentina decide futuro presidente neste domingo, 19, com o economista e candidato da extrema direita Javier Milei como favorito e o atual ministro da Economia, Sergio Massa, em segundo lugar na maioria das pesquisas
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O ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, e o forasteiro anti-establishment Javier Milei se enfrentarão no segundo turno da eleição presidencial em 19 de novembro de 2023, uma batalha entre duas versões totalmente diferentes do país (Foto: JUAN MABROMATA, LUIS ROBAYO / AFP)
Foto: JUAN MABROMATA, LUIS ROBAYO / AFP O ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, e o forasteiro anti-establishment Javier Milei se enfrentarão no segundo turno da eleição presidencial em 19 de novembro de 2023, uma batalha entre duas versões totalmente diferentes do país

As eleições na Argentina neste domingo, 19, podem concretizar a recondução de um projeto mais à direita ao poder em um grande país da América do Sul. Javier Milei, candidato da extrema direita, é o favorito no 2° turno eleitoral contra o governista Sergio Massa (da esquerda). O resultado a ser proclamado nas próximas horas pode ser, também, indicativo de um novo ganho de tração da direita na região.

Entre 2019 e 2020, a direita imperava na América do Sul. Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai eram governados por presidentes de direita, centro-direita ou extrema direita neste período. Já nos anos seguintes, com a realização de novas eleições, o cenário se inverteu.

Projetos mais à esquerda voltaram a ter protagonismo regional. Em 2021, o jovem Gabriel Boric (esquerda) foi eleito no Chile, contra José Antonio Kast, da extrema direita. Mas foi na Colômbia, com Gustavo Petro, e no Brasil, com Lula, que a esquerda sul-americana teve suas maiores vitórias eleitorais, em 2022. Isso porque a Colômbia nunca havia sido governada por um mandatário de esquerda e o Brasil nunca havia visto um presidente perder a reeleição. Jair Bolsonaro (PL) foi o primeiro.

Agora, na Argentina, Javier Milei tem lembrado o comportamento do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL), com declarações ideológicas, inflamadas e com promessas de rupturas com aliados históricos como Brasil e China, por exemplo. Massa, por sua vez, é uma nova aposta do peronismo para se manter no poder.

Independentemente do resultado, a extrema direita avança a passos largos no vizinho ao Sul. Em menos de três anos, Milei foi de nome desconhecido na política a deputado eleito (2021) e segundo colocado no primeiro turno presidencial. Nas eleições legislativas deste ano, seu partido, o Liberdade Avança, tornou-se a terceira maior bancada, elegendo 35 deputados e oito senadores.

Os números demonstram tendência de crescimento num contexto de desgastes do atual presidente Alberto Fernández (esquerda), que abriu mão de disputar a reeleição para indicar Massa, seu ministro da Economia.

Matheus de Oliveira, doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, não arrisca cravar um vencedor. "A única tendência é a de uma vitória por margem estreita. Massa obteve um resultado muito bom no 1° turno, mas não podemos esquecer que os votos à direita (Milei Bullrich) foram mais de 50% do total. A questão chave agora é a capacidade de transferência de votos".

O especialista destaca que o mundo terá que lidar com figuras similares a Milei "por um bom tempo", independentemente do resultado deste domingo. Já sobre uma possível influência do pleito argentino para a região, Oliveira minimiza a correlação tanto num cenário de vitória da direita quanto da esquerda.

"Esses processos são ainda mais heterogêneos do que nos anos 2000, tenho dificuldade em ver ciclo entre esses grupos. Boric (Chile) e Petro (Colômbia) são tão diferentes que os colocá-los no mesmo grupo é difícil", comenta. Sobre eventual vitória de Milei diz que embora dê "certo fôlego" à direita na região ainda não está claro se seria algo que mudaria rumos na região. "Está claro que essa extrema direita é bem articulada internacionalmente, mas não me parece algo decisivo", avalia.

O mesmo modus operandi de Milei foi praticado nos Estados Unidos, por Donald Trump, no Brasil com Bolsonaro e na eleição do Chile com Kast. Embora derrotados recentemente, eles têm mantido relevância política local. Trump, por exemplo, voltou a figurar como nome forte para disputar a presidência dos EUA em 2024 e tudo indica que será candidato novamente.

A vitória mais recente da direita na América do Sul foi no Equador, com Daniel Noboa, eleito em outubro. Especialistas ouvidos pelo O POVO analisam que embora uma vitória na Argentina amplie o leque de países governados por esse espectro, ainda seria precoce cravar uma nova tendência no pêndulo político na região.

Iago Caubi, pesquisador ligado ao Núcleo de Estudos sobre Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial (GIS-UFRJ), entende que o resultado na Argentina vai influencia primeiro no próprio país. "O problema da Argentina é específico dela, caracterizado pelos seus problemas macroeconômicos. Nas últimas décadas, tanto a esquerda quanto a direita governaram e pouco se alterou naquele cenário", destaca.

Para Caubi, Milei surge mais como um "voto contra o establishment", assim como foi visto com Bolsonaro no Brasil e em outros países. "Acredito que (Milei) não terá capacidade de lidar com os problemas da Argentina, pelo contrário, pode aprofundá-los. Cogitar o fim do Banco Central e outras falácias, como romper relações com parceiros comerciais, é irracional. No caso de vitória, acredito que as instituições argentinas vão impor limites".

 

Rompimento com parceiros é "retórica" de Milei, avaliam especialistas

Candidato da extrema-direita à presidência da Argentina, Javier Milei chamou a atenção do mundo durante a campanha presidencial por promessas um tanto quanto polêmicas. Dentre elas, anunciou pretensões de retirar o país do Mercosul e cortar relações com a China, por exemplo. O que é tido como inviável por especialistas dada à dependência e os próprios interesses da Argentina em manter boas relações comerciais com esse e outros parceiros.

Iago Caubi, pesquisador do GIS-UFRJ, chama de pura "retórica" as ameaças de Milei, que estaria jogando para o eleitorado mais alinhado com posturas extremistas. "Caso ele (Milei) se eleja, será exposto à realidade das instituições que formam um Estado", diz, explicando que há uma série de fatores que "limitam essas propostas" mais extremas como a ideia de simplesmente cortar relações por questões ideológicas.

"Ele pode se distanciar, como presidente, mas de forma alguma romper. A cooperação entre Brasil e Argentina, por exemplo, não depende apenas dos governos desses países", argumenta Caubi.

O entendimento é compartilhado pelo professor Matheus Oliveira, doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas. "Não me parece que haveria uma ruptura formal, com retirada de embaixadores. Milei diz que os agentes privados seriam livres para manter suas relações comerciais com os brasileiros, mas o que ele não parece entender é que não existe comércio, não é possível manter as relações econômicas na densidade que elas têm hoje sem coordenação política".

Desse modo, os analistas indicam que é preciso ver até onde Milei conseguiria em nome de manter a coerência com essa "retórica deslocada da realidade" feita durante a campanha.

"Não parece provável que sejam feitos grandes gestos de ruptura, inclusive pela reação de setores econômicos importantes do país", diz Oliveira.

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