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"A resposta das instituições ao golpe foram positivas e necessárias"
Reportagem

"A resposta das instituições ao golpe foram positivas e necessárias"

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Tipo Notícia

Fernandes Neto, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE) e professor universitário.

O POVO - O 8 de janeiro completa um ano nesta segunda-feira. Do ponto de vista do Direito, da democracia e do funcionamento das instituições, qual o "saldo" deste primeiro ano? As instituições responderam à altura?

Fernandes Neto - Talvez seja, ainda, precipitado avaliar, com a complexidade necessária, a intentona de 8 de janeiro de 2023. O Estado Democrático de Direito implantado com a Constituição de 1988, ainda se ressente do surpreendente ataque à democracia nacional e suas instituições. Após mais de 30 anos de certa normalidade institucional - eleições livres, periódicas, com alternância de poder - o malfadado instante político que objetivava criar o caos social para justificar mais um golpe institucional dos tantos malferidos na breve história democrática nacional, não parecia provável, mas aconteceu. Levará tempo, a depender dos efeitos da atuação dos poderes da República sobre os todos os responsáveis pela tentativa de golpe, para permitir uma visão mais abrangente desses influxos. No momento, pode-se afirmar que as instituições constitucionais foram suficientes para debelar a intentona de 8 de janeiro. O STF e o TSE cumpriram a obrigação constitucional. O Poder Legislativo, através dos presidentes da Câmara e do Senado, repeliram a ameaça autoritária. As Forças Armadas, ou seja, a maioria do comando geral, não se aventuraram politicamente. Pode-se dizer que a resposta das instituições ao golpe foram positivas e necessárias.

OP - Grande parte do que ocorreu tem a ver com as eleições e com a polarização existente no País. Com o cenário atual, de um governo que busca dialogar com mais atores, mesmo os de campos opostos. É possível dizer que o pior já passou ou deve-se continuar vigilante?

Fernandes - A polarização é social e não só política. As eleições, pelos embates que provoca - reavivada pelo poder de agregação de pautas improvável através da virtualização - é a face mais visível desta divisão. A renovação do extremismo político, sobretudo pela extrema direita, é uma reação à exigência da consecução dos direitos fundamentais e sociais. O diálogo promovido pelo governo Lula, contribui para o isolamento dos extremos, dos que não se propõem a buscas de interesses temporários, no entanto, não assegura um restabelecimento dos status quo. A extrema direita permanece muito atuante no Brasil e no mundo, e se retroalimenta. Eleições como de Javier Milei, na Argentina, e a perspectiva de um duro embate nos Estados Unidos em 2024 alimentam a tendência extremista, que tem como principal efeito, o aniquilamento da própria direita liberal. A metáfora de Robert Michels (1914) da instabilidade das democracias é muito significativa: 'As correntes democráticas que constatamos na história assemelham-se às ondas. Elas se desfazem todas contra o mesmo encolho. E a todo instante se produzem novas. E a todo instante se produzem novas. É um espetáculo ao mesmo tempo reconfortante e entristecedor". A vigilância contra o autoritarismo deve ser constante. A polarização extremista entre esquerda e direita, têm a capacidade de embasar as visões, justificar posições antidemocráticas e aumentar os privilégios. Veja-se exemplos: O presidente Lula teria o dever democrático de nomear uma mulher para o STF, apesar de não ser um imperativo legal, mas não o fez. O Congresso legislou em causa própria no acréscimo desproporcional das emendas parlamentares e no fundo público para campanhas eleitorais, enquanto o Brasil amarga déficits fiscais astronômicos. Quanto ao Judiciário, os jornais estampam, diariamente, os supersalários em tribunais estaduais. O TJCE é exceção.

OP - Vale lembrar que estamos em ano de eleição novamente. É possível ver algo similar? E sobre as consequências legais para quem pratica ou praticou atos como os do 8 de janeiro, a lei brasileira é severa o suficiente ou pode ser aprimorada? Como?

Fernandes - As eleições de 2024 tendem a continuar polarizadas. Quando as eleições se travam nos municípios, no entanto, as questões e interesses locais, se sobrepõem às temáticas nacionais. É uma eleição localizada, por mais que nas Capitais e grandes centros urbanos os aspectos ideológicos nacionais tenham influxos consideráveis. O poder Judiciário tem se mostrado muito atento ao combate à extrapolação dos limites éticos e jurídicos das eleições, inclusive levando a cassação e inelegibilidade candidatos que usaram de fake news, abusando dos poderes políticos e econômicos para se elegerem. O combate, no entanto, é consequente e posterior ao ato, e a eleição, naturalmente. Os exemplos do TSE - importantíssimos para a prevenção - não garantem a normalidade dos pleitos, em uma sociedade cada vez mais intolerante com as diferenças e desigual, materialmente. A plena democracia pressupõe mais que eleições livres, mas a busca por uma sociedade justa, e a Justiça Eleitoral, pode aprimorar-se na defesa da igualdade de chances eleitorais, mas o papel decisivo é da sociedade como um todo, das instituições, dos partidos e candidatos, principalmente do eleitor. Infelizmente, nada nos permite acreditar nesse compromisso.

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