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A Praia do Futuro que absorve a cidade e que se espalha por ela
Reportagem

A Praia do Futuro que absorve a cidade e que se espalha por ela

Misto de cartão postal com zona de degradação urbana e ambiental, a Praia do Futuro é o lar de pouco mais de 20 mil pessoas e abriga pouco mais de 300 empresas, dos mais variados portes
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Bairro, dividido oficialmente em dois, tem aproximadamente 20 mil habitantes e 300 empresas (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Bairro, dividido oficialmente em dois, tem aproximadamente 20 mil habitantes e 300 empresas

 

 

A Praia do Futuro é conhecida, principalmente, pelos seus oito quilômetros de faixa litorânea e suas barracas de praia que criaram tradições como a quinta do caranguejo, mas que ao mesmo tempo, se sofisticaram ao ponto de se assemelhar a parques aquáticos.

O bairro (oficialmente dividido em dois) ganhou evidência recentemente também por conta da polêmica entre o projeto da construção de uma usina de dessalinização e a instalação de empresas de telecomunicações atraídas pela maior concentração de cabos submarinos a chegar ao Brasil.

Bairro, dividido oficialmente em dois, tem aproximadamente 20 mil habitantes e 300 empresas(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Bairro, dividido oficialmente em dois, tem aproximadamente 20 mil habitantes e 300 empresas

As mesmas características naturais por trás do interesse desses empreendimentos tais como as correntes marítimas e a qualidade da água, por outro lado, foram até agora um fator limitante para o desenvolvimento hoteleiro e imobiliário, pensada nos primórdios da construção da moderna Praia do Futuro, entre o fim dos anos 1960 e início dos anos 1970.

 Barraca Itapariká, na Praia do Futuro(Foto: Everton Lemos, em 17/08/1991)
Foto: Everton Lemos, em 17/08/1991 Barraca Itapariká, na Praia do Futuro

Com uma das mais fortes maresias do mundo, a região acabou não recebendo grandes empreendimentos do tipo e foi, ao longo das décadas, recebendo não apenas barracas de praia, mas também sendo ocupada de forma desordenada por quem não tinha muitas opções de moradia e têm pouquíssimos privilégios na vida, a não ser apreciar a beleza do mar e da areia branca.

Esse misto de cartão postal com zona de degradação urbana e ambiental é o lar de pouco mais de 20 mil pessoas e abriga pouco mais de 300 empresas, dos mais variados portes. OP+ ouviu especialistas em história, urbanismo e nas principais vocações econômicas da Praia do Futuro para entender a sua formação, os fenômenos típicos do século XXI e as perspectivas para o (com o perdão do trocadilho) futuro, no qual, inclusive os “olhos do mar”, nos versos de Ednardo, são cada vez menos acessíveis.

 

Praias do Futuro I e II e bairros vizinhos

 

 

A cidade chega até a PF

Se você é de Fortaleza, provavelmente, já ouviu a Praia do Futuro ser chamada de PF e tem algum (ns) momento (s) marcante (s) vivido por lá, mas nem sempre foi assim. Pode parecer quase inacreditável hoje, mas há seis ou sete décadas atrás a região era quase desconhecida da maioria dos fortalezenses.

Praia do Futuro ajudou a consolidar cidade de Fortaleza em um dos mais importantes balneários do País(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Praia do Futuro ajudou a consolidar cidade de Fortaleza em um dos mais importantes balneários do País

A cidade, aliás, passou os primeiros três séculos de sua formação restrita à região no entorno do Centro, ainda mais valorizada no século XIX, com sua efervescência arquitetônica. Romeu Duarte, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca que apenas no final daquele período, com a expansão das linhas de bonde, Fortaleza começou a se espalhar, primeiro para bairros como Benfica e Aldeota.

“Com a paulatina transformação da cidade em balneário, após a construção da Avenida Beira Mar no começo da década de 1960, o Centro começa a perder força e importância. A cidade começa a se fragmentar e a se expandir de uma maneira completamente desordenada e intensa para tudo que é lado. É o momento em que você tem a Praia do Futuro, surgindo a partir de alguns loteamentos que existiam lá naquela região e empresas imobiliárias que começam a trabalhar com um tipo de parcelamento por quadras maiores”, explica Duarte.

Pré-inauguração da Praça da Paz Dom Hélder Câmara, que substituiu a antiga Praça 31 de Março(Foto: Camila de Almeida, em 21/07/2015)
Foto: Camila de Almeida, em 21/07/2015 Pré-inauguração da Praça da Paz Dom Hélder Câmara, que substituiu a antiga Praça 31 de Março

O ponto de virada, segundo o pesquisador, ocorreu com a expansão da Avenida Santos Dumont em direção ao litoral. “Isso ocorreu em 1978 na direção da Praia do Futuro para a criação da Praça 31 de março (hoje, Praça Dom Hélder Câmara). Esse é um vetor de ocupação porque ali você vai ter uma uma referência permanente que é a praça, o ônibus, o esgoto, a água, aquela coisa toda. Os terrenos ao longo da Santos Dumont vão, automaticamente, sendo valorizados”, prossegue.

“Também nesta época, surge o interesse imobiliário porque algumas construtoras. O problema é que você vai ter uma área que tem uma das mais fortes abrasões marinhas do mundo e isso acabou se tornando um fator limitante do processo de ocupação da Praia do Futuro, que acabou sendo substituído, posteriormente, por todo tipo de equipamento ligado ao lazer e ao turismo”, complementa.

Nesse sentido, a vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Ceará (IAB-CE), Regina Costa e Silva, reitera que, diferentemente do que aconteceu em cidades como Natal e Salvador. "Mesmo sendo uma área federal e de preservação ambiental não dá mais para imaginar a Praia do Futuro sem a ocupação das barracas", constata.

Super barracas da Praia do Futuro atraem turistas de todo o mundo, mas também geram controvérsias(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Super barracas da Praia do Futuro atraem turistas de todo o mundo, mas também geram controvérsias

A cidade e, porque não dizer o Brasil e o mundo, chegam à Praia do Futuro em definitivo, mas essa chegada também vem cercada de discussões. Algumas de natureza mais jurídica, uma vez que a área litorânea, ocupada pelas barracas e em alguns pontos por residências, é Patrimônio da União. Outras de natureza mais social, decorrentes das dificuldades crescentes no usufruto da PF por quem quer apenas tomar um banho de mar ou se expor ao Sol.

 

 

A PF chega até a cidade 

Polêmicas à parte, as barracas se incorporaram à cultura de Fortaleza e criaram tradições que depois se espalharam pela cidade.

Talvez mais óbvia seja a “quinta do caranguejo”, nascida ainda nos anos 1990, inicialmente como uma ideia mais promocional e que, hoje, está presente em praticamente todos os bairros da capital cearense.

Barraca Chico do Caranguejo, na Praia do Futuro(Foto: Fernando Sá, em 25/08/1994)
Foto: Fernando Sá, em 25/08/1994 Barraca Chico do Caranguejo, na Praia do Futuro

O empresário Moraes Neto, que trabalhou por décadas na Praia do Futuro, afirma que além de ter caído no gosto do fortalezense, razões indiretas como a insegurança e a Lei Seca, levaram a quinta do caranguejo a migrar.

“Ela se transferiu de certa forma para a periferia. Algumas barracas continuam com ela e tem toda essa expertise em trabalhar à noite com uma boa música excepcional, mas esses dois fatores foram determinantes para a diminuição da frequência às barracas de praia na quinta-feira à noite”, pontuou Moraes. Com o esvaziamento da noite na PF, não apenas nas quintas-feiras, muitos turistas que se hospedam em hotéis no bairro acabam se deslocando para outros pontos da cidade no período noturno. “O hóspede acaba indo para outros locais da cidade, principalmente, para a feirinha da Beira Mar”, observa.

Além de levar tradição e hóspedes para outros pontos de Fortaleza, a Praia do Futuro também tem levado tecnologia por meio de suas redes de fibra óptica, ainda mais em tempos onde as pessoas querem ficar cada vez mais tempo conectadas. É o que exalta o vice-presidente da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação do Ceará (Assespro), François Charles Rosa Boris.

Obras de escavação para a instalação dos cabos submarinos de fibra óptica na Praia do Futuro (Foto: Fábio Lima)
Foto: Fábio Lima Obras de escavação para a instalação dos cabos submarinos de fibra óptica na Praia do Futuro

De acordo com ele, apesar de nos últimos anos, um número crescente de empresas de telecom nacionais e estrangeiro ter instalado data centers no bairro, o impacto maior que a Praia do Futuro tem gerado para a cidade é o hub de conectividade por lá estabelecido.

“A Praia do Futuro permite ser um indutor desse novo tipo de economia. Ela facilita a implantação desses investimentos para o que importa mesmo, que é a criação de startups e de todo o ecossistema de tecnologia”, disse o especialista.

“Outras áreas de Fortaleza usam a infraestrutura que esses data centers podem oferecer em termos de serviços e aplicações tanto localmente como globalmente. Então, eu os vejo como indutores para o crescimento desse ecossistema”, disse.


A estrutura das Praias do Futuro I e II

 

 

Uma nova chance para hotéis e residências 

Se a tentativa dos anos 1980 de se construir hotéis, condomínios de casas e apartamentos na Praia do Futuro esbarrou na forte maresia e na falta de estrutura do entorno, novos avanços tecnológicos em construção civil e melhorias urbanísticas estão gradativamente trazendo de volta tais empreendimentos e o interesse das empresas dos segmentos turístico e imobiliário.

Praia do Futuro se depara com declínio de equipamentos tradicionais e erguimento de novos empreendimentos(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Praia do Futuro se depara com declínio de equipamentos tradicionais e erguimento de novos empreendimentos

Para a diretora-secretária do Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Ceará (Creci-CE), Silvana Mourão, “existe uma peculiaridade que vai deixar a Praia do Futuro diferenciada. Além da bela vista, a rede hoteleira tende a se deslocar para a Praia do Futuro também porque a outra região litorânea de Fortaleza, que é a Avenida Beira Mar, já não tem disponibilidade de ocupação para a rede hoteleira”.

“Vai ser um boom. Aliás, ele já está acontecendo. Inclusive os lançamentos que a Praia do Futuro dispõe para 2024 e 2025 são bem interessantes”, acrescenta Silvana. O mesmo ela projeta ocorrer para o setor imobiliário. “Isso deve acontecer, inclusive, em relação a apartamentos que têm de 35 a 60 m²”, explica.

“Esse tipo de moradia tanto serve para locação permanente como para locação por tempo determinado e vai ser uma grande novidade no mercado. Quanto ao preço de aluguel, podemos ter imóveis bastante atraentes de R$ 2.500 a R$ 4.000”.

 

Praia do Futuro I

Regional 7
Área: 1.733 km²
População: 7.310
Densidade por km²: 4218.12

 

Praia do Futuro II

Regional 7
Área: 3.166 km²
População: 13.182
Densidade por km²: 4163.61

Já o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE), Patriolino Dias, pontua que “de uma década para cá, se encontrou alguns nichos de mercado na Praia do Futuro”.

“Um deles são as residências em condomínio de casas nas dunas e você tem empreendimentos com uma pegada mais do Minha Casa Minha Vida, com grandes construtoras apostando neles”, conclui.

 

Assista ao trailer do documentário Enterrados Vivos

 

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