O Carnaval 2024 no Ceará foi inaugurado na sexta-feira, 9, pela energia de Ivete Sangalo, em Aracati; atravessado pelas aparições de Simone Mendes e Alok, em São Benedito; e findou com o show de Baby Consuelo, na Praia de Iracema, em Fortaleza. Entre as senhorinhas empoleiradas nas sacadas das varandas dançando o hit supremo dessa folia, “Macetando”, acima de uma multidão a perder de vista; e o nostálgico “Sem Pecado e Sem Juízo” entoado feito despedida, o Carnaval cearense foi banhado de chuva, cozinhado de muita quentura e emocionou com algumas surpresas.
Ainda no sábado, 10, uma chuva de 215 mm, a segunda maior dos últimos 50 anos, quase deságua a folia em Fortaleza, quando, ao mesmo tempo em Majorlândia sob o sol a pino o que chovia era goma. Mas, afora os estragos que se espalharam na Cidade, a alegria se reorganizou para resistir. Um público, ainda que aparentemente menor que os de anos anteriores, achegou-se e inventou um Carnaval, ou muitos, de muitas caras.
Em um Carnaval firmado em polos fixos, os cortejos espontâneos deram um molho. Era um domingo branco, sem chuva nem sol, quando guiados por uma lagarta de fogo, no “Solto na Buraqueira”, ou pela serpente do “É só isso mesmo”, um monte de sereias, fridas, botafoguenses campeões, e policiais federais com porta e tudo tomaram ruas e vielas do Benfica. Foi lá, inclusive, onde as fantasias, mais escassas em outras partes, deram às caras, e promoveram aqueles encontros que só a folia permite: uma anja que se enamorou pelo Chico Science, uma pirata que roubou o marinheiro Popeye da Olivia Palito, e uma Barbie que dada hora inventou de beijar uma garrafa de Heineken, que na verdade era gente.
No Mercado dos Pinhões, a folia com enfeites de cabeça luminosos e um ajuntamento que ia de criança à terceira idade, teve um quê de flerte com os batuquês de praia regados a axé a la Chiclete com Banana. O pequeno Nicolas Kaua, 6, do alto da cacunda do pai Marcos Aurélio, 32, autônomo, resumiu o sentimento de um monte de gente que não quer ver a Quarta de Cinzas chegar: “Pai, não quero mais sair do Carnaval”.
Na Praia de Iracema, onde o palco recebeu nomes como Diogo Nogueira, Maria Rita, Zeca Baleiro e Criolo, além de atrações locais como Bloco Mambembe e Os Transacionais, as multidões preencheram as areias refazendo um Reveillon um tanto mais ébrio, cuja festa bem que podia ser em qualquer mês. Ao som de “Chupa que é Uva”, cantada pela cantora Solange Almeida, o médico Antonio Carlos Cabral, 39, exaltou a multiplicidade do Carnaval de Fortaleza. “É bem diverso, né? Isso é que é interessante, a diversidade cultural é que é bacana”.
A diversidade também foi celebrada na Praça da Gentilândia. Pós-chuvarada, quando o sol, enfim, abriu “de com força”, teve gente que se valeu de pouca roupa para aguentar o calor, e o acessório mais cobiçado era o leque. O biólogo Thieres Pinto, 42, foi mais longe: se muniu de um pulverizador para aplacar a quentura, regando quem passasse e, de quebra inventando arco-íris. O xiringador era, para Thieres, uma forma de agregar no meio de uma folia plural. “O Carnaval de Fortaleza tem, sim, uma cara: a cara da rua”. E, bem, a rua tem muitas caras.
O ápice das emoções veio num fim de tarde de segunda-feira, 12, quando o sol que perdeu e muito a timidez dos dias anteriores já ia baixando. Fazendo Pré e Carnaval desde 2007, e levando no nome o trecho daquele que é considerado o hino do Ceará, o Bloco Luxo da Aldeia presenteou a multidão na Gentilândia com uma visita ilustre, inédita e de arrancar lágrimas. Ednardo, aos 78 anos, com passos já lentos e a voz já mais cansada, subiu ao palco e agraciou a multidão com duas músicas, “Maresia” e “Terral”. “ Foi uma surpresa enorme para todo mundo e também pra gente”, contou o integrante do Luxo Mateus Perdigão.
Entre as que choraram ao ver o ídolo no meio do Carnaval, estava a artista plástica Paula Siebra, 25. “O Ednardo fala, em suas canções, das coisas da vida que às vezes passam despercebidas e o Carnaval de Fortaleza é isso, são eventos em lugares muito especiais da Cidade que têm uma importância afetiva muito grande. Aparecer o Ednardo é uma reafirmação desse lugar da rua e de ocupar a Cidade”, conta.
No palco, Ednardo engrandeceu o Carnaval. "Eu fui um dos primeiros que fizeram músicas de Carnaval aqui. Instituíram que Fortaleza não tem Carnaval. Mas tem, sim, e é maravilhoso. Tem os maracatus, tem os frevos. Tem tudo! Valorizem a alegria da sua própria terra".