Na complexa luta contra as mudanças climáticas, outras duas facetas que também chamam a atenção por prejudicar aqueles mais vulneráveis são os locais de moradia e a própria composição urbana. Construções irregulares que são mais comuns do que se imagina, por exemplo, são verdadeiras amostras de como os efeitos do aquecimento global acabam por se tornar mais impactantes na vida das pessoas com baixo poder aquisitivo.
Em 2019, cerca de 50% dos imóveis no Brasil tinham algum tipo de irregularidade, conforme apontou o Ministério do Desenvolvimento Regional (hoje Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional). À época, dos 60 milhões de domicílios urbanos brasileiros, 30 milhões não possuíam escritura. É verdade que a informalidade acontece tanto em condomínios de luxo como em favelas, locais cujas irregularidades acontecem tanto devido às invasões a loteamentos como por terem sido criados à revelia da lei.
Conforme aponta o professor Newton Becker, da Universidade Federal do Ceará (UFC), porém, a maior parte das habitações que não seguia padrões técnicos eram aquelas instaladas em zonas onde a vulnerabilidade social se faz mais presente. Pós-Doutor em Engenharia Hidráulica e Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP), ele atua no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Urbanismo e Design da UFC e reflete sobre como a falta de um olhar profissional sobre as construções pode acabar comprometendo não somente a ventilação como também o conforto nos imóveis mais precários.
"Várias pessoas vivem em lugar de privilégio, com uma climatização artificial ou com intervenções arquitetônicas que pensam em uma boa ventilação", diz, completando: "Hoje, por mais que ainda se projete a questão da ventilação cruzada, ainda mais no nosso contexto de semiárido que tem uma certa umidade do litoral, todos os ambientes são propostos, em uma nova construção ou em adaptações, já prevendo algum tipo de climatização artificial. Então tudo vai ter a espera de ar condicionado. Nada mais é pensado para funcionar com um conforto passivo e que não precise de consumo de energia."
A lamentação, por outro lado, é que nem todas as pessoas podem usufruir de um ambiente de trabalho (como já mostrado nesta reportagem) ou mesmo de uma moradia com essas características. Moradores de favelas ou kitnets, por exemplo, muitas vezes residem em espaços que dividem a mesma parede com os vizinhos, sem pode contar nem com janelas ou sequer recuos laterais.