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Enel Ceará acumula R$ 71,16 milhões em multas por má qualidade do serviço
Reportagem

Enel Ceará acumula R$ 71,16 milhões em multas por má qualidade do serviço

| Em dois anos | Montante é a soma de penas aplicadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica e Decon Ceará
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Eventos climáticos foram apontados como principais motivos para falha no atendimento pela Enel (Foto: Equipe Enel/Divulgação)
Foto: Equipe Enel/Divulgação Eventos climáticos foram apontados como principais motivos para falha no atendimento pela Enel

A Enel Ceará acumula um total de R$ 71.169.875,87 em multas nos últimos dois anos e o motivo é a má prestação dos serviços, segundo indicam os aplicadores das punições: o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon-CE) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O montante em penalidades, no entanto, não parece ser suficiente para reverter a atuação da companhia, que vem sendo alvo de críticas severas, com picos após as falhas do Réveillon e do Carnaval.

Os motivos das multas, detalha o Decon-CE, são diversos e envolvem: falha na prestação do serviço, fatura duplicada, solicitação de inclusão na modalidade baixa renda na fatura, cobrança indevida, acordo para pagamento, descumprimento dos prazos estabelecidos nas normas, dano ocasionado ao consumidor, contestação do Termo de Ocorrência de Irregularidade (TOI), consumo elevado, corte indevido de energia, fatura de duplicada e consumo acumulado.

Após tentar vender a operação no Estado, a Enel recuou e, agora, tenta reverter a imagem de má qualidade impressa nacionalmente após sucessivos anos entre as piores do País no ranking de concessionárias elaborado pela Aneel.

Decon: Enel pagou menos de 10% das multas

"No período de 2022 a 2024 (até o dia 15/02, data do pedido de informação pelo O POVO), a Enel foi multada no montante de R$18.319.298,76, realizando o pagamento de somente o valor de R$ 1.182.820,46, ou seja, realizou o pagamento de menos de 10% das multas aplicadas", atesta o Decon Ceará.

A forma de pagamento deste montante ainda foi parcelada ao longo dos anos, da seguinte forma: R$ 472.533,85 em 2022; R$ 649.322,31, em 2023; e R$ 60.964,30, até 15 de fevereiro de 2024.

O órgão de defesa do consumidor ainda destacou que "o caso que ensejou a sanção administrativa mais extrema foi em 2022, quando foram verificadas diversas irregularidades à normativa consumerista e correlata, bem como revelou o descumprimento da concessionária às cláusulas obrigacionais fixadas no contrato de concessão de distribuição de energia elétrica 01/1998 firmado com o Estado do Ceará."

Neste caso, foi aplicada sanção de multa de 3 milhões de Ufirce (Unidade Fiscal de Referência do Estado do Ceará), o que corresponde a R$ 16.476.840.

Ao todo, foram 153 multas aplicadas até sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024. O órgão de defesa do consumidor explica que "a empresa normalmente recorre das sanções administrativas de multa aplicadas".

A partir dessa ação, o recurso apresentado é direcionado à Junta Recursal do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Jurdecon), competente para analisar as razões recursais.

Sobre o que é feito do recurso pago, o Decon Ceará explica que, "se for relacionado ao recurso financeiro, o destino das multas pagas são o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos do Estado do Ceará, vinculado à Procuradoria Geral da Justiça".

Agência reguladora tem todas as multas pagas

Nas contas da Aneel, três multas foram aplicadas à concessionária de energia do Ceará em dois anos. Nos três casos, diferente do que a empresa fez com o Decon-CE, a Enel quitou todas as multas.

O valor total em penalidades soma R$ 52.850.577,11. Duas delas (de R$ 2.993.083,93, do ano base 2018, e de R$ 26.509.528,72, do ano base 2020) se devem à "infração apurada em fiscalização da qualidade do fornecimento de energia elétrica".

A terceira diz respeito a "pedidos de ligação nova com aumento de carga ou necessidade de obras", no total de R$ 23.347.965,06.

Valores pagos à Aneel viram benefícios aos usuários

"O recurso obtido pelas multas administrativas é utilizado para abater a Conta de Desenvolvimento Econômico (CDE), fundo setorial que concentra recursos da maior parte dos subsídios que impactam o setor elétrico brasileiro", diz a nota da Agência sobre o que é feito com o recurso pago pela concessionária.

Na prática, essas multas pagas custeiam os serviços prestados pela Enel aos usuários enquadrados na tarifa social - o segundo maior número de usuários do País. Isso porque a CDE custeia investimentos nas próprias concessionárias via subsídios concedidos pela União.

O impacto na tarifa gira em torno de 9%, incluindo incentivos para a geração distribuída (modalidade na qual o usuários produz a própria energia), mas o impacto da cota CDE na conta é o maior, de 6%.

A Enel Ceará, por exemplo, está na lista das que mais recebem recursos do que contribuições da Conta. Dados do Subsidiômetro, da própria Aneel, indicam que a companhia recebeu R$ 634,02 milhões enquanto contribuiu com R$ 388,74 milhões, em 2023.

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FORTALEZA,CE, BRASIL, 17.06.2021: Funcionários da Enel realizam manutenção em rede elétrica no bairro Meireles.  (Fotos: Fabio Lima/O POVO)
FORTALEZA,CE, BRASIL, 17.06.2021: Funcionários da Enel realizam manutenção em rede elétrica no bairro Meireles. (Fotos: Fabio Lima/O POVO)

Consumidores criticam planos e atendimento da empresa

De posse dos planos de atendimento da Enel Ceará para o Carnaval uma semana antes da data, o Conselho de Consumidores da companhia disse, via o presidente Erildo Pontes, não ter tempo hábil para sugerir mudanças e aprimorar o atendimento. Críticas sobre a transparência na tomada de decisões e no atendimento permeiam o grupo.

A ocorrência de falhas em todo o Estado enquanto a maioria das chuvas do período foi concentrada na Capital implica, segundo Pontes, em falhas que vão além dos acontecimentos climáticos.

"Na reunião com a diretoria eu perguntei se eles estavam satisfeitos. Disseram que não. Eu disse que bom porque a imagem da companhia continua muito ruim", falou ao O POVO sobre a reunião que teve após o fim do feriado.

Depois da reclamação, Erildo disse ter recebido a promessa de entrega do plano de ação para a Semana Santa, que começa no dia 24 de março, com mais antecedência.

A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec) disse contabilizar "mais de R$ 50 milhões em cobranças indevidas". Amílcar Silveira, presidente da Faec, endossou o dito por Erildo e acentuou as críticas.

"Temos mais de 14 mil produtores com cobranças indevidas. Então, nós já ingressamos na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) com algumas ações pedindo o ressarcimento."

Ele reclamou por mais equipes técnicas para reforçar o atendimento, inclusive, quando a demanda é geração distribuída. Amílcar contou de produtores rurais cuja demanda de conexão da própria geração foi demorada, o que atrapalhou a atividade.

Um faturamento 30% abaixo do registrado em 2023 foi o que contabilizou a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes no Ceará (Abrasel-CE) durante o Carnaval. Algo que já havia acontecido no Réveillon.

"Há tempos a gente tem tido problema de prestação de serviços da Enel. O tempo de resposta normalmente é muito demorado e a infraestrutura, pelo que a gente percebe, está bastante precária aqui no Ceará, infelizmente", diz Taiene Righetto, presidente da Abrasel-CE.

Sobre o atendimento, ele disse que a companhia "foi solícita, pôs um canal exclusivo, mas foram tantos que realmente a velocidade que tudo foi arrumado não foi suficiente para não amargar esse prejuízo todo."

"Eu sinto que há necessidade de abrir mais ações preventivas", exemplificou Erildo. O "sentimento", diz o presidente do Conselho de Consumidores, é de que os indicadores apresentados pela companhia são suplantados pela imagem negativa da empresa junto à população.

Fortaleza, Ce, BR - 29.09.21 Na foto: Marcia Sandra, Presidente da ANEL Ceará, em entrevista ao Jornal O POVO  (Fco Fontenele/O POVO)
Fortaleza, Ce, BR - 29.09.21 Na foto: Marcia Sandra, Presidente da ANEL Ceará, em entrevista ao Jornal O POVO (Fco Fontenele/O POVO)

Companhia diz reforçar equipes próprias de atendimento

A Enel Ceará rebateu as críticas. Afirmou que o montante das multas se dá porque a empresa recorre em todas as instâncias quando discorda da punição. Márcia Sandra Vieira, presidente da companhia, disse ao O POVO que o número de eletricistas contratados pela empresa deve crescer neste ano, dando continuidade à estratégia de diminuição de terceirizados. Da mesma forma, assegura que o investimento é uma constante.

Ela critica a metodologia do Decon Ceará, a qual aponta a companhia como a campeã de reclamações nos últimos quatro anos. Para a presidente, é preciso fazer uma média do número de registros no órgão de defesa do consumidor e o número de clientes e, então, elaborar o ranking.

Para 2024, Márcia conta que o projeto-piloto implementado na Região Metropolitana de Fortaleza de treinar e contratar novos eletricistas foi ampliado para Sobral, o que deve resultar em mais pessoal capacitado para atuar em casos de queda e oscilação de energia e manutenção preventiva.

Sobre a meta de incorporação para este ano, ela disse que "está fechando o número para saber quanto deve ampliar na Região Norte".

No ano passado, 600 eletricistas foram incorporados aos 11.648 funcionários da concessionária. Novos 300 caminhões também foram acrescidos à frota no plano de investimento no Ceará, o qual soma R$ 5 bilhões em cinco anos.

Parceria para formação garante pessoal

"Nós primarizamos toda a atividade de manutenção, operação e manutenção do sistema elétrico. Nós tínhamos uma escassez muito grande de pessoal capacitado. Toda essa atividade é própria, agora, em Fortaleza e Região Metropolitana", ressaltou.

Ao todo, são três grandes centros de formação em parceria com o Senai para eletricistas em Fortaleza, Sobral e Juazeiro do Norte. A capacidade é de formar 3 mil profissionais por ano a partir da parceria.

Clima prejudicou serviço

Durante o Carnaval - quando foi deflagrada a última crise de insatisfação -, diz a presidente, a companhia saiu de 346 equipes previstas inicialmente para trabalhar ao longo dos dias para 686 após as fortes chuvas e acidentes que aconteceram em seguida.

Foi a estratégia da Enel para reparar o sistema após a 2ª maior chuva (215mm) em 50 anos cair em Fortaleza, o que gerou alagamentos, quedas de 180 árvores e 50 mil raios (em todo o Estado).

Com dados do Climatempo e da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) analisados na sala de controle, cujo funcionamento é de 24 horas, a presidente da Enel Ceará contou que atuou no reparo das estruturas.

"Nós temos uma grande operação no Ceará inteiro, não só de emergência. Então, todas as equipes, quando acontece uma necessidade emergencial, que é mandatório para a gente, são transferidas de uma outra atividade para a emergência", afirmou.

Além dos raios, quedas de árvores e abalroamentos, a Enel aponta ainda o furto de fios como motivos dos problemas de oscilação e queda de energia. Motivo, inclusive, de reunião com a Secretaria de Segurança Pública e, segundo Márcia, tem resultado em menos casos.

Relacionamento afinado

Já sobre a entrega de última hora do plano de atuação ao conselho de consumidores, Márcia Sandra Vieira afirmou que "stakeholders relevantes" foram ouvidos para a elaboração das medidas.

"Nós preparamos um material técnico, uma análise interna olhando o nosso histórico, o Réveillon que teve todo aquele impacto, e conversamos com stakeholders (lideranças) relevantes para entender a quantidade de pessoas que ia circular nas cidades no período e como a gente precisava reforçar essas áreas de grande volume", disse ao O POVO.

Na lista, a presidente da Enel Ceará citou a Associação dos Municípios do Ceará (Aprece), sindicatos, a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) e também o governo estadual. Márcia ressaltou ainda que o trabalho foi feito com antecedência e foi exitoso em cidades como Aracati, onde houve um dos maiores carnavais do Estado.

 

Atuação da Enel no Ceará

Perfil

  • 184 municípios atendidos
  • 4,2 milhões de clientes
  • 162 mil km de redes
  • 127 subestações
  • 165 mil transformadores
  • 771 alimentadores
  • 4,7 mil equipamentos telecontrolados
  • 2 subestações móveis
  • 188 agências

Ranking de tarifas no Nordeste (R$/kWh)*

  • Cercos (SE): 1.012
  • Equatorial (AL): 866
  • Equatorial (PI): 854
  • Neoenergia (BA): 808
  • Neoenergia (PE): 764
  • Enel (CE)*: 744
  • Equatorial (MA): 719
  • Neoenergia (RN): 689
  • Energisa (SE): 658
  • Sulgipe (SE): 603
  • Energisa (PB): 602

*Esses valores não contemplam tributos e outros elementos que fazem parte de sua conta de luz, tais como ICMS*, PIS/Pasep e Cofins, Taxa de Iluminação Pública e o adicional de Bandeira Tarifária

**A tarifa residencial da Enel CE é de R$ 744 por megawatt/hora e a parcela referente ao custo dos subsídios é de R$ 69,39 por megawatt/hora. O que representa 9,20% da fatura de energia

Fonte: Aneel

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