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Dia da Água: reúso pode ser alternativa para diminuir consumo
Reportagem

Dia da Água: reúso pode ser alternativa para diminuir consumo

Reúso envolve o tratamento e o reaproveitamento de águas menos contaminadas em atividades como irrigação e limpeza de veículos. Consumo de água tende a crescer 24% até 2030
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Demonstração de estudo de qualidade da água de esgoto (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Demonstração de estudo de qualidade da água de esgoto

Dias cada vez mais quentes, aumento populacional e as indústrias são alguns dos fatores que explicam o crescimento do consumo de água no Brasil. Segundo pesquisa realizada pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o nível do consumo do recurso no País, até o ano de 2030, tende a crescer até 24%, quando deve-se alcançar a marca de 2,5 milhões de litros utilizados a cada segundo.

Ainda de acordo com o estudo da ANA, os principais contribuintes para esse alto consumo no território nacional são a agricultura, responsável por 52% de toda a água retirada dos mananciais; seguida do abastecimento urbano, com 23,8%; e a indústria, com 9,1%. Os dados foram divulgados pela Agência Brasil.

Em meio a esse crescimento, algumas alternativas surgem para aliviar a carga exigida do meio ambiente, dentre elas o reúso das chamadas "águas cinzas", que são aquelas utilizadas pelas pessoas no banho e no uso de máquinas de lavar.

O líquido passa a ser assim chamado porque, apesar de ser um material sujo, não houve contato com as "águas escuras", que consistem nos volumes provenientes de aparelhos sanitários, por exemplo, cuja quantidade de dejetos é maior.

Devido a esse menor fator de contaminação, essas águas têm a possibilidade de ser tratadas e reutilizadas em atividades que não necessitam de água potável, como irrigação de jardins e lavagem de veículos. Isso reduz a exigência sobre as fontes oriundas das companhias de água.

"As águas cinzas são tratadas e você pode, então, usar — logicamente que não para uso humano, mas para irrigar os jardins, por exemplo. Se você imaginar, quando você usa essa água em edificações é uma água clorada, cara, e não há necessidade dessa qualidade para esses fins", explica o o doutor em saúde ambiental, Suetônio Mota.

No entanto, Suetênio, que é também professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que essa alternativa exige que o local de aplicação tenha um sistema de tratamento de água. Por isso, é uma alternativa que costuma ser mais utilizada em edifícios residenciais ou empreendimentos comerciais.

Esse reúso é um caminho inclusive para a agricultura, principal responsável pelo consumo de água no País. Os líquidos podem ser utilizados em processos essenciais como a irrigação e substituir o recurso que seria retirado de reservatórios, gerando sustentabilidade e economia para os produtores.

"O reúso não é só nas edificações. Você pode usar o reúso na irrigação. É possível você irrigar principalmente culturas não alimentícias, por exemplo, mamonas, algodão, plantas forrageiras e outros tipos de cultura que você pode irrigar usando esgoto tratado", acrescenta Mota.

O reúso de água, porém, não é uma solução para controlar definitivamente a alta carga exigida dos sistemas de abastecimento no País. A alternativa busca diminuir os impactos causados pela grande demanda que populações, indústrias e diversas áreas da sociedade têm sobre o bem tão precioso que é a água.

No Ceará, o abastecimento não é suprido apenas pelas precipitações da quadra chuvosa, que ocorre anualmente no período entre os meses de fevereiro a maio. Para este ano, foi estimado que o Ceará tem 45% de probabilidade de chuvas abaixo da média no primeiro trimestre do período de precipitação, conforme a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).

Para o doutor em engenharia civil, Francisco de Assis Filho, a gerência dos recursos hídricos é de suma importância também para a manutenção de diversas áreas no Estado.

"É fundamental para a gente promover desenvolvimento. A gestão de recursos hídricos no estado do Ceará não é uma questão setorial, é uma questão sistêmica. Todo o processo de desenvolvimento do Estado, como mostraram as secas do passado, dependem de uma adequada gestão dos recursos hídricos", explica o também professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará.

Medidas para a água

Uso de água no país

* Retirada de água por termelétricas é superior à soma de todas as retiradas para mineração e abastecimento humano no meio rural em todo o Brasil.

* Enquanto as termelétricas responderam por 3,8% das retiradas de água, o abastecimento rural respondeu por 1,7%, enquanto a mineração ficou com 1,6% das retiradas.

Maiores consumidores de água no país:

- Agricultura: 52%

- Abastecimento humano: 23,8%

- Indústria: 9,1%

 

Tratamento de esgoto

376 milhões de litros de esgoto são tratados diariamente nas 24 cidades atendidas pela Ambiental Ceará

99% do esgoto tratado nas estações é composto por água. Apenas 1% é de resíduos.

600 toneladas de lixo são retirados por mês das águas em Fortaleza.

Fontes: Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico e Ambiental Ceará

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,21.03.2024: Estação de tratamento de esgoto da Ambiental Ceará, Av. Leste Oeste. Dia mundial da água.
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,21.03.2024: Estação de tratamento de esgoto da Ambiental Ceará, Av. Leste Oeste. Dia mundial da água.

Tratamento de esgoto: o que acontece com a água que sai das casas?

Tratamento e destino adequados aos resíduos que ainda são gerados nas residências são necessários para permitir o reúso, de forma a reduzir o volume de água exigido dos mananciais. Segundo dados da Ambiental Ceará, empresa responsável pela coleta, afastamento e tratamento de esgoto em 24 municípios cearenses, apenas em Fortaleza são coletados cerca de 600 toneladas de lixo por mês nas estações de tratamento de esgoto.

Esses locais, conhecidos como Estações de Pré-Condicionamento (EPCs), são responsáveis por receber grande parte do esgoto gerado nas cidades e realizar todo o processo necessário para devolver à natureza os volumes que chegam diariamente para a remoção de impurezas.

Uma das estações utilizadas pela empresa está localizada na avenida Presidente Castelo Branco, mais conhecida como Leste Oeste, em Fortaleza. O local recebe mais de 60% do esgoto gerado na cidade e entre os dejetos encontrados estão desde produtos pequenos, como preservativos e copos de plástico, até grandes materiais tal qual restos de obras e sofás.

Após chegar à estação, as águas do esgoto passam por um sistema de purificação que conta com esteiras removedoras, grades de proteção, bombas d'água e reservatórios para a separação entre o que é água e o que é lixo.

Todo esse processo, no entanto, é chamado apenas de "preliminar", já que a conclusão da limpeza do esgoto ocorre dentro do mar. A água tratada, com apenas alguns resíduos restantes, é jogada a três quilômetros da orla, onde terminará de ser limpa pelo oceano.

Esse serviço, no entanto, não representa risco à população ou ao meio ambiente, conforme afirma o diretor-presidente da Ambiental Ceará, André Facó. Segundo ele, a água é suficientemente tratada antes de ser lançada ao oceano para que chegue o menos poluída o possível e possa terminar de ser limpa pela própria natureza.

Ainda durante o processo, a água é coletada e analisada em laboratório três vezes, em diferentes etapas, para acompanhar quanto de resíduo ainda existe nos líquidos e só depois de atestados os níveis de segurança ambiental, é jogada no mar. Após isso, a água também é monitorada dentro do mar, para observar a faixa em que estão os resíduos ainda existentes e evitar que retornem à orla, local que os banhistas utilizam para o lazer.

"Nós temos um emissário submarino que lança esse esgoto tratado a três quilômetros da orla e a gente faz o monitoramento desse esgoto que é lançado e eventualmente a proteção para que esse esgoto não retorne para a orla. Essa planta já funciona desde 1998, é uma planta que tem licenciamento ambiental, que tem acompanhamento ambiental e que garante a proteção das pessoas, mas também a proteção do mar", pontua Facó, que também destaca a importância desse esquema de tratamento de esgoto.

"As estações de tratamento de esgoto são o que garante a confiabilidade de que essas águas, que tinham essas impurezas, após o tratamento irão retornar ao meio ambiente de forma segura", conclui.

Além do tratamento do esgoto, outro problema importante que cai sobre a estação é a relação com a comunidade em volta. Por ser um local de tratamento de águas sujas, a indústria chega a emitir odores fétidos, que incomodam quem mora perto do ponto de tratamento.

Devido a esse incômodo, novas formas de trabalho têm sido testadas, como os picos de trabalho durante a madrugada, para evitar que o cheiro atrapalhe os moradores durante as refeições, por exemplo.

"O que se procura na verdade é você interferir o mínimo na dinâmica da população. Muitas vezes essas estações são um pouco mais afastadas para evitar qualquer desconforto", afirma o diretor-presidente da Ambiental Ceará.

 

Quixadá,- Ce, Brasil, 16-12-2021: Açude do cedro fica seco pela segunda vez na história. última vez que o açude havia secado foi entre 2016 e 2017. barcos, peixes mortos e carcaças de cágados ficam aparentes no solo seco do açude.  (Foto: Júlio Caesar/ O Povo)
Quixadá,- Ce, Brasil, 16-12-2021: Açude do cedro fica seco pela segunda vez na história. última vez que o açude havia secado foi entre 2016 e 2017. barcos, peixes mortos e carcaças de cágados ficam aparentes no solo seco do açude. (Foto: Júlio Caesar/ O Povo)

A dimensão da histórica da escassez de água no Ceará

Era 1879 quando os flagelados da "Grande Seca" (1877-1879) chegavam à Capital nacional — Rio de Janeiro — e chocavam o Governo Imperial. Da caneta de dom Pedro II nascia a ordem de serviço da primeira obra pública federal do País: o açude do Cedro, em Quixadá, no Sertão Central.

O Ceará tem o primeiro açude federal e tem também o maior reservatório da América Latina: o Castanhão, com capacidade para 6.700 hectômetros cúbicos d'água, quase o triplo do segundo maior do Brasil. Tudo isso ilustra o quanto a terra de Rachel de Queiroz é a que mais necessita de água no País.

Desde 2017, considera-se que 95% do território cearense está no Semiárido. São 175 dos 184 municípios sujeitos a um clima demarcado por chuvas intermitentes e riscos de desabastecimento. Ao todo, 90% da vegetação do Estado é caatinga, bioma único do Brasil e caracterizado pela secura.

Segundo a mais recente atualização do Monitor de Secas, o Ceará tem territórios em condição de seca fraca (Litoral, Região Jaguaribana); e moderada (Sertão Central e Inhamuns, Sertão de Crateús), em um cenário de abrandamento da situação. A questão é que uma seca prolongada, tal qual a de 2012 — que durou mal e mal até 2018 —, ameaça o frágil equilíbrio atual.

A previsão da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) é que o primeiro trimestre da quadra chuvosa — fevereiro a março —, tem 45% de chances de ser abaixo da média histórica. O que significaria redução da capacidade hídrica. Ate ontem, os 157 maiores açudes do Ceará estavam com 42,7% do volume total.

As boas chuvas de 2024, porém, tem acumulado bons volumes no litoral, e baixos resultados no Sertão Central e Inhamuns, maior macrorregião do Ceará e que traz "sertão" já no nome.

Lucas Fumagalli, meteorologista da Funceme, aponta que os 95,4mm de chuva até o dia 21 no Sertão Central e Inhamuns está "abaixo dos limites da normal climatológica na macrorregião, que, em março situa-se entre 140,3 mm e 206,1 mm".

"Todas as macrorregiões contribuem de forma semelhante para os acumulados de chuva no Ceará, e portanto, os desvios negativos também contribuem para o observado ainda abaixo da média no estado", argumenta.

A última vez que Fortaleza viveu a iminência de falta d'água foi durante a seca de 2012-2018. Em 2016, foi traçado um plano de racionamento que previa redução da pressão da água enviada à Capital, tarifa extra, desligamento das termelétricas e até abastecimento em dias alternados. Chegou a faltar água em vários bairros.

Antes disso, em 1993 e em 1980, Fortaleza chegou a ficar dias sem água nas torneiras.

O Ceará vive o histórico de escassez do estado mais seco do Brasil. E já é o que melhor monitora os recursos hídricos. O desafio que se impõe e fazer melhor com o pouco que cai do céu. (com pesquisa histórica O POVODOC)

 

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