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200 anos do primeiro periódico impresso do Ceará
Reportagem

200 anos do primeiro periódico impresso do Ceará

Em 1º de abril de 1824 era publicado a primeira edição do Diário do Governo do Ceará, marco civilizatório e do início da imprensa cearense
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Página do O POVO de 1º de abril de 1982 (Foto: O POVO)
Foto: O POVO Página do O POVO de 1º de abril de 1982

Em 1º de abril de 1824, o Ceará passou a ter seu primeiro periódico impresso, o Diário do Governo do Ceará. Propagação de ideias, liberdade, alianças, identidade política, tecnologia, elite, religião. A imprensa cearense surgia com o anseio de República por parte das províncias, em um país governado pela monarquia portuguesa. O primeiro redator-chefe, natural de Groaíras: Padre Mororó, fuzilado no meio de uma praça por lutar por mais liberdade. Há mais paralelismos em 200 anos do que se imagina.   

Em meio à insatisfação diante do Governo do Brasil, então nas mãos de Dom Pedro I, o Ceará foi uma das primeiras províncias do Norte (atuais Norte e Nordeste) a instalar uma tipografia, com equipamento doado pela província de Pernambuco.

"Objetivo era de facilitar a comunicação, propagar e alinhar ideologicamente as ideias liberais entre as províncias. Ambas demonstravam insatisfação com a dissolução da Assembleia Geral Constituinte de 1823", afirma Weber Porfírio, historiador, pesquisador e Assistente Técnico do Museu do Ceará e do Sistema Estadual de Museus do Ceará (SEM-CE).

O contexto em que se produzia o primeiro periódico do Estado — 16 anos após o pioneiro Gazeta do Rio de Janeiro, na então capital nacional — era de conflitos entre monarquistas e republicanos em luta pelo controle do poder.

"São dois momentos de tensão: a fuga da família real de Portugal para o Brasil e a eclosão da Confederação do Equador (movimento contrário à centralização do poder imperial)", conta Weber. A insatisfação sobre a centralização desse poder, que já tinha sido objeto de outros movimentos, como a Revolução Pernambucana (1817), mexia com os sertões cearenses de Crato, Icó e Quixeramobim.

De acordo com o banco de dados O POVO, o DATADOC, no livro “Para história do jornalismo cearense”, Barão de Studart transcreve o seguinte trecho de uma carta que a 16 de setembro de 1823, que Manuel do Nascimento Castro Silva endereçava, de Fortaleza, a José Martiniano de Alencar, no Rio de Janeiro: “Aqui não corre as folhas e bem vê a necessidade delas para hum homem ajuizar o estado das cousas, e por tanto aquelas folhas que vir são úteis remeta-me para eu as lêr e dar a lêr aos amigos”. 

Padre Gonçalo Ignácio de Loiola Albuquerque e Melo (Padre Mororó) fez as folhas correrem, mas acabou sendo fuzilado por estar como protagonista no movimento da Confederação do Equador.

"As condições eram precárias, incipientes. E é notório que se tratava de veículo voltado para uma pequena elite letrada, pois a esmagadora maioria da população era analfabeta. O mais importante significado dessa curta experiência, penso, é a lição de que a complexa atividade de escrever livremente, de defender ideais, sempre embute riscos, às vezes pagos com a própria vida, como ocorreu ao padre Mororó. O ativista australiano Julian Paul Assange e o jornalista saudita Jamal Khashoggi são bons exemplos para os dias de hoje", avalia o diretor de Biblioteca e Hemeroteca da Associação Cearense de Imprensa (ACI). 

A professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Maria Érica de Oliveira Lima, destaca que o primeiro Diário Oficial do Ceará significou presença e organização do Estado, e foi seguido de outros órgãos, jornais e folhetos. "Que vão fazer oposição ao Governo Nacional, outros vão surgindo mais segmentados na literatura, muitos ligados às questões antropológicas e da cultura do Brasil", detalha. 

Para ela, a importância do Diário do Governo do Ceará, naquele contexto histórico, é o marco da presença da imprensa, independente da sua natureza. "A província estava evidentemente buscando novos caminhos. Era um Ceará que já tinha se tornado independente, que se buscava ter mais visibilidade".

A ideia de Padre Mororó ganha continuadores e os números de periódicos impressos iam aumentando, com mais ou menos periodicidade. Gazeta do Ceará, O Cearense, Diário Cearense, Gazeta Cearense, Diário do Conselho Geral da Província do Ceará, o Semanário Constitucional... algumas das publicações que foram concretizadas nos anos seguintes. O Jornalismo se transforma, assim como o mundo, tem destaque ao digital e novas discussões sobre Esporte, Política, Economia, Cidades, Opinião, Vida e Arte. 

Ciclos de tecnologia, avanços e retrocessos

Da impressão régia aos desafios atuais, os 200 anos da imprensa impressa no Ceará resumem os avanços e retrocessos pelos quais passa a o jornalismo e suas contribuições às sociedades. Ciclos, que têm como destaque tecnologia, liberdade, censura, religião, elite, capitalismo, sociedade, desigualdade e democracia.

"A maior contribuição que o jornalismo pode dar à sociedade e às democracias — é importante pontuar que o jornalismo é um dos pilares da democracia — são as liberdades. As liberdades individuais, as liberdades coletivas, dentro de uma perspectiva democrática". A afirmação é da professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Maria Érica de Oliveira Lima.

A circulação de comunicadores e de impressos pela província cearense já era registrada antes do Diário do Governo do Ceará, em 1º de abril de 1824, afirma Weber Porfírio, historiador, pesquisador e assistente técnico do Museu do Ceará e do Sistema Estadual de Museus do Ceará (SEM-CE).

"É possível encontrar registros de pessoas que habitavam o Ceará no início da década de 1820 e assinavam jornais de outras províncias, como no Maranhão, por exemplo".

De forma gradativa, o Diário do Governo, de acordo com o pesquisador, possibilitou a formação de identidades políticas forjadas no campo do debate em torno da situação das províncias do Norte frente às decisões oriundas do Rio de Janeiro (na figura de Dom Pedro I).

No processo de evolução do jornalismo impresso, a tecnologia é destaque desde quando a tipografia do século XIX possibilitou a ampliação da produção de jornais, com mais circulação, alcance e comercialização.

O diretor de Biblioteca e Hemeroteca da Associação Cearense de Imprensa (ACI), Nilton Almeida, também destaca que a evolução dos informativos impressos passa pelos avanços tecnológicos, mas também pela dinâmica social.

"Da qual surgiram a imprensa literária, a imprensa operária, a imprensa politica, até chegarmos à imprensa burguesa, como bem explica Nelson Werneck Sodré (carioca, escritor, economista e historiador). Hoje, prevalece a imprensa empresarial com seus conglomerados lucidamente analisados por (John B.) Thompson (britânico, sociólogo e professor), associados a plataformas digitais", analisa Nilton, ao citar autores e escritores.

De acordo com o professor de jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), Wagner Borges, o jornalismo impresso é responsável, ao longo da história, por reproduzir a inquietude para qualificar marcos civilizatórios.

"É importância também de transferir autoridade e história a partir da sua marca, da sua construção cronológica e do peso politico. E o digital carrega essa marca de onde se originou, da autoridade que se construiu".

O professor destaca ainda que entre os desafios da produção jornalística que continua com a evolução, está a necessidade de análise mais profunda sobre temas que merecem debate público. "O desafio é o público leitor, que hoje é submetido a um volume muito grande de informação, complexas, mas sem o direito de aprofundar. O papel da imprensa e do jornalismo, instituição, é promover reflexão, que tem de fazer de forma articulada".

O POVO fez parte de 96 dos 200 anos de imprensa no Ceará. Atualmente, é o único jornal impresso de circulação diária no Estado.

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