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A derrota da Confederação e a execução dos mártires
Reportagem Seriada

A derrota da Confederação e a execução dos mártires

Foram poucos os que escaparam da ira das forças imperiais, tendo a maioria encontrado o fim na chamada Praça dos Mártires, hoje Passeio Público
Episódio 2

A derrota da Confederação e a execução dos mártires

Foram poucos os que escaparam da ira das forças imperiais, tendo a maioria encontrado o fim na chamada Praça dos Mártires, hoje Passeio Público
Episódio 2
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No Ceará, a Confederação do Equador durou 54 dias. A revolta não foi homogênea, diferentemente do que aparentam os livros, conta Weber Porfírio, membro do Sebo/UFC. Em alguns casos, vilas das mesmas províncias ficaram umas contra as outras: de um lado as que aderiam ao movimento; do outro, as favoráveis ao imperador. O mesmo aconteceu em outras regiões pelo Norte.

Para impulsionar as ideias da revolução, foi criado e começou a circular o primeiro jornal do Ceará: o Diario do Governo do Ceara. Ele é considerado o primeiro órgão de imprensa publicado no Estado, em 19 de abril de 1824, sob a direção de Padré Mororó. O sacerdote já era engajado na causa republicana e se tornou secretário do Governo de Tristão Gonçalves. 

Conhecido por diversas sangrentas batalhas ao redor do mundo, voltou à cena o Marquês do Maranhão, Thomas John Cochrane. Como mercenário, ele já tinha participado das Guerras Napoleônicas e dos processos de independência do Chile, Peru, do Brasil e da Grécia. No Brasil, ele já tinha sido contratado por dom Pedro I para debelar tropas contrárias à independência, em 1822 e 1823.

Bandeira da Confederação do Equador , com os principais conceitos e, no centro, a cruz que reproduz a dos Templários(Foto: Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin/Itinerários Virtuais da Independência)
Foto: Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin/Itinerários Virtuais da Independência Bandeira da Confederação do Equador , com os principais conceitos e, no centro, a cruz que reproduz a dos Templários

Em 1824, ele foi novamente chamado pelo imperador para ser o cabeça da resposta contra os revolucionários. Primeiro em Pernambuco, onde Cochrane emitiu várias proclamações, que resultaram em um ultimato aos rebeldes, dando-lhes até o dia 28 de agosto para se entregar.

Parte da esquadra seguiu para o Ceará. Em outubro, Cochrane chegou a Fortaleza debelando a rebelião cearense. O brigadeiro Francisco de Lima e Silva, o Barão de Barra Grande, tentou forçar a rendição incondicional dos revolucionários, que evitaria a execução sumária para as lideranças. Poucos aceitaram, e a maioria preferiu continuar a luta no interior.

No Ceará, Cochrane voltou a emitir avisos para que os integrantes do movimento se rendessem. Para Tristão foram emitidos diversos ofícios para que se entregasse. De uma estimada família, ele receberia anistia se o fizesse.

Sem resposta do Alencar, Cochrane chegou a colocar uma quantia como prêmio por ele. No dia 31 de outubro do ano da revolta, Tristão foi emboscado e morto nas proximidades da vila de Santa Rosa, hoje região da velha Jaguaribara, que foi inundada com as águas da barragem do Castanhão.

Monumento em homenagem a Tristão Gonçalves em Jaguartibara antes da cidade ser inundada. IBGE mantém registros da cidade (Foto: Reprodução/IBGE)
Foto: Reprodução/IBGE Monumento em homenagem a Tristão Gonçalves em Jaguartibara antes da cidade ser inundada. IBGE mantém registros da cidade

A essa altura Fortaleza já tinha sido retomada. Isso porque, em 5 de outubro, como conta Barão de Studart no Tomo II de Datas e Fatos do Ceará, uma comissão militar tinha sido designada ao Ceará para julgar "sumariamente" as pessoas envolvidas na Confederação.

No dia seguinte à partida de Tristão para o Interior, no dia 18, sob a presidência de José Félix de Azevedo e Sá, os habitantes de Fortaleza juraram fidelidade ao imperador.

No mesmo dia 31 de outubro em que Tristão foi morto, Lord Cochrane anunciou que elegeu para presidente interino da província o coronel José Félix de Azevedo e Sá, que já vinha no cargo. Sem o líder da revolução na província, os demais revolucionários ou foram capturados ou se entregaram.

Uma das medidas foi também destruir todo e qualquer ofício, diploma, portaria, brasões impressos, a mera lembrança da tal república nordestina. Tudo isso para que não “apareça nem ao menos o vislumbre dessa tristíssima luz hoje de todo apagada e que tanto mal causou à Província inteira”, como escreveu Azevedo e Sá em circular.

 

 

Execuções dos líderes

Dos integrantes do movimento, as principais figuras foram mortas em execuções, como Padre Mororó e Pessoa Anta (os dois no mesmo dia), Francisco Miguel Pereira Ibiapina, Luiz Inácio de Azevedo, conhecido como Azevedo Bolão, e Feliciano José da Silva Carapinima. A execução deveria acontecer por enforcamento, mas foi convertida para fuzilamento porque as tropas se recusaram a realizar a prática por, entre os presos, existirem padres.

Tristão, como já mencionado, morreu em batalha e Pereira Filgueiras faleceu de malária enquanto era levado para ser julgado no Rio de Janeiro. Outras personagens foram enviadas para trabalhos forçados em Fernando de Noronha.

Coronel Antônio Bezerra de Menezes foi um dos poucos que conseguiram ser perdoados. Por intermédio de Conrado de Niemeyer, presidente da Comissão Militar nomeada para julgar a rebelião, teve pena convertida em degredo e prisão perpétua para o Maranhão. Ele acabou não cumprindo a sentença porque morreu na viagem.

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Frei Caneca foi condenado à morte na forca, mas os carrascos se recusaram a cumprir a pena. Por isso, ele foi fuzilado com tiros de arcabuz diante dos muros do forte das Cinco Pontas, no Recife. O corpo foi recolhido e sepultado em uma das catacumbas da ordem.

Duas figuras se destacam por terem sobrevivido e ainda se tornado personagens importantes no cenário político do Brasil. José Martiniano de Alencar, pai do escritor José de Alencar, enviou cartas pedindo perdão ao imperador e conseguiu ser anistiado, tornando-se senador de 1832 até a data da morte. O segundo foi Paes Andrade, que, após a derrota da revolução, fugiu de barco para Londres, onde ficou no exílio até 1831. Alguns anos depois, ele voltou a presidir a província de Pernambuco, em 1834 e foi deputado geral e senador do Império do Brasil de 1831 a 1855.

 

Principais figuras da Confederação do Equador no Ceará

 

 

Pernambuco fragmentado

Além da morte dos líderes, a província de Pernambuco foi punida por Dom Pedro I com a perda da Comarca do Rio São Francisco, em decreto de 7 de Julho de 1824. Foi a segunda porção de terra desmembrada de Pernambuco, já que tinha perdido sete anos antes a Comarca das Alagoas, em consequência da Revolução Pernambucana de 1817. 

 

 

Como morreu o presidente do Ceará Republicano

Lista dos nomes de quem mais participou da Confederação do Equador no Ceará(Foto: Reprodução/Domo II de Datas e fatos para a História do Ceará)
Foto: Reprodução/Domo II de Datas e fatos para a História do Ceará Lista dos nomes de quem mais participou da Confederação do Equador no Ceará

Entre os manuscritos históricos da Confederação do Equador, há diversos relatos de como o presidente do Ceará durante o movimento acabou sendo derrotado. Um dos relatos, feito pelo tenente-coronel Thomaz Lourenço da Silva Castro, descreve os últimos momentos do revolucionário.

Tristão Gonçalves tinha deixado Fortaleza em direção a Aracati para combater as forças imperiais. Ele se deslocou até chegar à região de Santa Rosa, onde posteriormente foi fundado o município de Jaguaribara, área atualmente coberta pelas águas do açude Castanhão. No local, os números de soldados imperiais eram muito superiores aos dos rebeldes.

“Na ocasião da luta foi abandonado pelos seus, e ficou só em campo. Assim abandonado, monta-se a cavalo, precipita-se sobre um despenhadeiro, e consegue alcançar a margem do rio (Jaguaribe), onde encontra a morte, dada por dois que o seguiram”, diz o militar em carta.

Contra Tristão foram efetuados diversos disparos. Já morto, o corpo foi alvo de mutilações. Teve mão e orelha decepados por soldados. Em uma das passagens, o tenente-coronel demonstra espanto pela atitude de um deles que chegou a pegar o membro e debochar: “V. Exc. com esta mão fui que assinou a sentença para ser eu fuzilado?” Passaram-se horas até que fosse dada sepultura ao cadáver.

“Quem escreve estas tristes linhas vio o seu cadaver em pé, recostado sobre uma jurema. Secco e esmirrado estava elle. o peito varado por uma bala, que se via de um a outro lado como por um oculo. os braços abertos, à mão direita golpeada ficando suspença e cahido por terra e com outro golpe sobre à nuca”, diz o militar no documento, conforme a grafia da época.

 

 

Revolucionários não estão no São João Batista como contam boatos

Circulam boatos pelas redes sociais de que os corpos dos revoltosos estariam enterrados no Cemitério São João Batista, no Centro de Fortaleza. O local é o mais antigo cemitério da Capital ainda em atividade e fica a alguns quarteirões da região do Passeio Público, onde a maioria dos revolucionários foi morta. No entanto, o túmulo de nenhum deles foi encontrado no local.

É o que conta Layane Gadelha Caitano, que trabalha há 15 anos no cemitério. Entusiasta da história cearense, ao longo dos anos, ela procurou pelo túmulo dos revolucionários, mas nunca encontrou. "Eu nunca encontrei o túmulo de nenhum deles. Azevedo Bolão, Padre Mororó. Nenhum, e eu procurei bastante", explicou. A única pessoa minimamente ligada à Confederação ou aos revolucionários que está no local é a viúva de Tristão Gonçalves, Ana Triste Araripe, falecida em 1874.

Na lápide, há uma menção ao marido como "prezidente do Ceará na Confederação do Equador em 1824", além de uma frase em latim "Dhexit patrium et virtutem cotuit", que significa "Deixou seu país e cultivou sua coragem"."Ela foi a única que eu encontrei. Talvez por eles serem confederados, não foi construído nenhum jazigo. Nenhuma homenagem póstuma", aponta a funcionária.

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Ela explica ainda que o cemitério só foi construído em 1866, mais de 40 anos da execução dos revolucionários. O próprio São Casimiro, primeiro cemitério de Fortaleza, é de 1848, muitos anos após a morte do grupo. O local foi desativado e muitos corpos, especialmente de famílias mais abastadas, foram trasladados para o endereço onde hoje fica o São João Batista.

"Antes disso, as pessoas eram enterradas em igrejas e quintais. E como eles (os revoltosos) eram persona non grata na sociedade, acho difícil eles terem ido para alguma igreja", ponderou ela. Nos textos de Barão de Studart, há registros que as autoridades militares solicitaram que os corpos dos revolucionários fossem sepultados, mas não há menções que pudessem indicar os possíveis locais ou mesmo se havia lápides com o nome deles.

"Como as datas não batiam, eu fui procurar um monumento póstumo, mas não achei nada. Talvez eles só viraram heróis na proclamação da República", disse Layane.

Embora os corpos pareçam perdidos no tempo e nas circunstâncias, a rua Tristão Gonçalves é um dos acessos até o cemitério. Lá estão sepultados tanto a viúva dele como Barão de Studart, que registrou a história dos revolucionários. Estão sepultados e separados por metros.

Tristão, inclusive, é o único que possui um local marcado como “sepultura”. No ano de 1924, cem anos após os eventos da confederação, o Instituto Histórico do Ceará ergueu em um local denominado Alto dos Andrade, no Sítio Tapera, zona rural de Jaguaribara, um pequeno monumento ao herói. 

Missão encontrou momumento de Tristão Gonçalves que tinha sido inundado com as águas do Castanhão (Foto: Divulgação/Prefeitura de Jaguaribara)
Foto: Divulgação/Prefeitura de Jaguaribara Missão encontrou momumento de Tristão Gonçalves que tinha sido inundado com as águas do Castanhão

Supostamente seus restos mortais foram sepultados na capela do povoado. Com a finalização das obras do Castanhão, a cidade foi inundada e apenas partes do local podiam ser avistadas em época de seca da barragem do açude.

Em 2022, a Prefeitura de Jaguaribara anunciou que, sob a coordenação do secretário de Governo e Gestão, Jurailson Brito, encontrou o monumento. O grupo se deslocou inicialmente de veículo e depois caminhando pela mata, por cerca de 3km até a localização do marco erguido.

Apesar de a maioria não ter um memorial, os revolucionários dão nomes a diversas ruas e avenidas em Fortaleza: Tristão Gonçalves (há também uma no Crato com mesmo nome), Azevedo Bolão, Pereira Filgueiras, Padre Mororó (há uma rua e uma praça com mesmo nome em Groaíras), Carapinima e Pessoa Anta.

 

 

Cartogafria da Confederação do Equador em Fortaleza

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