Os jogos de mesa atraem cada vez mais a atenção de pesquisadores e profissionais da saúde, que passaram a aplicar a terapia lúdica devido à complexidade dos títulos. O método tem abordagens, como palhaçoterapia, contação de histórias e a brinquedoterapia, que tem o paciente como centro da experiência. A brinquedoterapia com jogos traz leveza durante internações e é usada como recurso para humanizar os cuidados hospitalares.
Um dos projetos que atua nessa frente em Fortaleza é a Liga de Brinquedo Terapêutico, vinculada à Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). O projeto surgiu a partir de uma experiência pessoal do professor Gilberto Cerqueira, da UFC, orientador da iniciativa, a partir do diagnóstico de câncer de seu pai. Durante as longas visitas ao hospital, ele percebeu que os pacientes eram agrupados por idades.
"Estava na enfermaria com meu pai em cuidados paliativos. De manhã, adultos e crianças faziam quimioterapia e à tarde as crianças ficavam ociosas, sem fazer nada. Um menino me chamou para brincar e eu não tinha nada. O que eu fiz? Juntei minhas duas meias, virou uma bola e ficamos a tarde toda brincando".
O nome completo do projeto é "Brinquedo terapêutico: A Anatomia como ferramenta na promoção da saúde de crianças com câncer", apesar de incluir ações com crianças que lidam com enfermidades fora de quadros oncológicos. Cerqueira é um dos professores de anatomia da UFC. Em uma de suas avaliações, apelidada de "anatomia lúdica", seus alunos precisam comprar um boneco e o alfinetar em 50 "músculos" de sua escolha.
Os alunos estudam os locais do alfinete e devem responder perguntas sobre a função dos músculos escolhidos. Depois da atividade, os estudantes têm a opção de ceder o boneco para ser doado nas ações do Brinquedo Terapêutico, sendo a principal forma do projeto renovar o estoque de brinquedos.
Contudo, pelas bonecas virem sem roupas, extensionistas do programa precisam costurar manualmente as vestimentas antes de repassar os brinquedos para crianças. Sendo essa mais uma das etapas do projeto.
O projeto Brinquedo Terapêutico dispõe de cerca de 20 alunos e depende de doações e compras dos próprios integrantes para manter as atividades. Juntos, eles se dividem entre pesquisar sobre terapia lúdica no tratamento de crianças com câncer, levar brinquedos aos hospitais pediátricos de Fortaleza, lares de acolhimento e lares de adoção.
Em uma atividade do projeto no Lar Amigos de Jesus, instituição de acolhimento de crianças em tratamento contra o câncer, O POVO testemunhou a importância terapêutica dos jogos e do brincar. As crianças sorriam. Na ação, várias estações de brinquedos foram montadas e postas à disposição das crianças. Dos mais tradicionais, como pega-vareta, até jogos modernos, como Dobble.
Sentada em uma mesa no salão, Sara Millena, 13, encara a torre de Jenga com um olhar afiado, enquanto joga contra dois extensionistas do projeto Brinquedo Terapêutico. Ao ser abordada, sem desviar o olhar do jogo, ela pontua que a única condição imposta para a entrevista seria não tirar sua concentração na partida. Natural de Juazeiro do Norte, na região do Cariri, ela tem o Lar Amigos de Jesus como uma segunda casa há 10 anos.
Sara nasceu com uma má-formação, o que obrigou a família a vir para Fortaleza nos primeiros meses de vida da menina, para o tratamento.
Sua mãe, Judite Nascimento, 35, descreve como a ação tem ajudado sua filha e as crianças acolhidas pelo lar. "Eles se animam muito, ficam mais alegres. Porque o tratamento é cansativo. Aí vem essas brincadeiras, as visitas, a minha (filha) se animou muito", diz.