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3 perguntas para Tião Santos (SÒ se couber)
Reportagem

3 perguntas para Tião Santos (SÒ se couber)

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Tipo Notícia

 A história de Sebastião dos Santos poderia virar filme. E, na verdade, virou. Mais conhecido como Tião, o ex-catadorde lixo, de 45 anos, tem como cenário de boa parte da sua história o lixão Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro.

Com uma trajetória de vida que passou por uma reviravolta após entender que o seu trabalho e o de sua família estava diretamente ligado à questões sociais, econômicas e ambientais, Tião passou a investir em educação, a militar e a buscar visibilidade e representatividade da sua classe em uma época onde os termos “catadores” não tinham relação direta com “sustentabilidade”.

Em 2011, Tião ganhou visibilidade mundial com a estreia de Lixo Extraordinário, documentário que apresenta o trabalho do artista plástico Vik Muniz com catadores do então maior aterro sanitário da América Latina. De catador, Tião passou a líder de cooperativas, palestrante, consultor e defensor dos direitos de catadores e catadoras do Brasil.

No dia 10 de julho deste ano, participou da cerimônia de assinatura de regulamentação da Lei de Incentivo à Reciclagem (LIR), ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto.

Os investimentos, as políticas públicas e os projetos são vistos como uma valorização de catadores e catadoras de materiais recicláveis.

O POVO -Como começou a sua história, a sua relação com o lixo e a reciclagem?

Tião Santos -Eu sou o sétimo filho de uma família de oito. A reciclagem na minha vida é muito parecida com a da maioria dos catadores de materiais recicláveis, até porque a reciclagem, no Brasil, ela não nasce da educação ambiental do cidadão brasileiro, da conscientização. Ela nasce da pobreza e da exclusão social.

Meu pai é estivador. Ele veio do Recife para trabalhar no Rio de Janeiro, trabalhou durante muitos anos, teve uma boa vida, deu uma condição boa para a gente até mais ou menos 1984, 1985.
Quando o cais do Rio de Janeiro e de todo o Brasil passa a transportar tudo em container. Então meu pai não ficou desempregado, mas não tinha mais tanto navio para carregar e descarregar.

Aí ele se tornou alcoólatra e minha mãe passou a ser o pai e a mãe da família. 73% dos catadores brasileiros são mulheres negras. Então minha mãe era mais uma. Mulher negra, com a quarta série do colegial, no Rio de Janeiro. Então ela foi fazer faxina. Aí não dava para sustentar oito filhos.


OP - Hoje, quais são as suas atribuições?

Tião -Hoje eu estou presidente da Associação de Catadores do Aterro de Jardim Gramacho. Eu também fui eleito no ano passado representante do Instituto Mesc, que é o Instituto Movimento Eu Sou Catador.
A gente agora está com um projeto chamado Eu Sou Cata que Protege, tem também o Eu Sou Cata que Empreende, que é voltado para capacitação e profissionalização dos catadores para prestação de serviços.

Já que agora a reciclagem não tem mais aquela visão do lixo, cada vez mais a reciclagem tem a sua importância e o seu papel na diminuição do resíduo produzido, não só no Brasil, mas no mundo.
Então hoje eu estou militando nesse movimento, discutindo com o Governo Federal as políticas públicas que possam melhorar a qualidade de vida dos catadores, principalmente o reconhecimento pelo serviço ambiental prestado por nós, catadores e catadoras de materiais recicláveis. O que a gente presta é serviço de coleta seletiva de embalagem pós-consumo.

Cada embalagem tem um dono, ela tem CNPJ, ela tem alguém que produziu, alguém que utiliza a embalagem. Segundo a lei, que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos, cabe às empresas que produzem e utilizam embalagens, pagar para, no mínimo, fazer voltar à cadeia produtiva da reciclagem, dentro da economia circular, 22% daquilo que ela coloca de embalagem no Brasil.

Então a gente agora vem discutindo o que o catador faz, que é extensão de serviços dessas empresas e que, assim como hoje já começa a reconhecer a importância de se regulamentar e regularizar os direitos dos prestadores de serviços de aplicativo, precisa também reconhecer esse serviço ambiental prestado por nós, catadores.
Para que esses catadores possam receber pelo serviço ambiental prestado. É isso. Eu continuo trabalhando e acredito que essa é a minha missão aqui.

OP - Como você vê o impacto que o trabalho de reciclagem tem na vida das pessoas, na vida das cidades e no meio ambiente?

Tião -A gente é uma sociedade que consome e produz muito, não existe outro mecanismo para diminuição do quantitativo de resíduo produzido que não seja a reciclagem. A reciclagem tem uma importância ambiental muito grande quando se trata de sustentabilidade, dos 17 objetivos da Organização das Nações Unidas (ONU).

Uma vez eu parei para observar os 17 objetivos da ONU e as pessoas pensam “poxa, será que para alcançar os 17 objetivos eu tenho que fazer, literalmente, aquelas 17 coisas?”

Mas olha a importância que tem a reciclagem: quando você recicla, você está erradicando a pobreza, cuidando da vida terrestre, da vida marinha, gerando trabalho digno, fazendo a cidade ser mais sustentável, está contribuindo para as mudanças climáticas, até mesmo a questão de gênero, já que a grande maioria dos catadores são mulheres.

A reciclagem tem um papel importantíssimo na nossa sociedade, mas para isso é preciso educar, sensibilizar o cidadão brasileiro sobre a importância da reciclagem, mas, acima de tudo, sobre a valorização e reconhecimento do profissional que faz a reciclagem no Brasil, que são os catadores e catadoras de materiais recicláveis.

A gente sabe que o mundo produz mais de 400 bilhões de toneladas de resíduo, isso gera um quantitativo de CO2 e um consumo de energia muito grande.

E tudo isso a reciclagem pode diminuir: o quantitativo de recursos que a gente precisa retirar da natureza, o consumo de energia. Quando você recicla um vidro, você gasta muito menos energia do que a utilizada para produzir um vidro novo.

A reciclagem gera trabalho, gera renda, ou seja, a sua latinha, a sua caixa de papelão, a sua garrafa PET, ela pode gerar impacto ambiental, social e econômico negativo na sociedade, mas quando ela tem como destino a reciclagem, ela é transformada em trabalho, renda inclusão social, economia e proteção ambiental. (Colaborou Larissa Viegas)

Leia íntegra da entrevista na coluna Carol Kossling aqui.

 

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