Startups que integram finanças e tecnologias, as fintechs ocuparam nove das 15 primeiras colocações – ou 60% – do ranking de reclamações do Banco Central do Brasil (Bacen) no segundo trimestre deste ano, que inclui bancos, financeiras e instituições de pagamento.
O PagBank-PagSeguro liderou com um índice de 90,62, que representa a estimativa de reclamações procedentes por milhão de clientes.
Na sequência apareceram o Inter (82,16), C6 Bank (68,90), AME Digital (53,55) e Mercado Pago (25,87).
Outras fintechs mencionadas foram Original (25,48), Neon (24,34), Nubank (21,58) e PagueVeloz (8,21), além dos bancos tradicionais BTG Pactual-Banco Pan (77,38), Santander (52,63), Bradesco (38,43), Caixa Econômica (35,52), Itaú (34,68) e Banco do Brasil (18,40).
Bruno Diniz, autor do livro “O Fenômeno Fintech” e sócio da consultoria de inovação Spiralem, explica que, com a expansão do mercado, novas empresas de diferentes níveis entram em operação, o que pode levar a variações nos índices de qualidade dos serviços.
“Entendo que isso faz parte do processo, especialmente porque, ao reduzir as barreiras de entrada com regulamentações, vemos o surgimento de novos prestadores. No entanto, a própria dinâmica de mercado tende a regular essa situação,” afirma Bruno.
Ele também observa que o ranking do Bacen, por ser público e transparente, exerce pressão sobre as empresas que não entregam um bom nível de serviço. “A própria dinâmica de mercado acaba regulando essa situação”, explica.
Em Fortaleza, o Nubank entrou para a lista das dez empresas mais reclamadas no Departamento Municipal de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor (Procon Fortaleza), com 118 queixas registradas no primeiro semestre deste ano.
No entanto, os bancos Bradesco (321 queixas), Itaú (172), BMG (165), PAN (126), Santander (118) e Caixa Econômica (113) dominaram a lista de reclamações na Capital cearense. O coordenador jurídico do Procon Fortaleza, Airton Melo, explica o cenário local.
Os bancos tradicionais enfrentam um contexto mais desafiador em Fortaleza, com reclamações sobre cobranças indevidas, taxas de juros, crédito consignado, não cumprimento de obrigações contratuais, alterações unilaterais e outras eventuais irregularidades, segundo Airton.
Já o banco digital esteve mais relacionado a queixas de golpes, muitas vezes não diretamente atribuíveis à instituição, já que os clientes podem fornecer dados por engano ou acessar links suspeitos, facilitando a ação dos criminosos no ambiente online.
Questões relacionadas à segurança são um desafio para todo o mercado financeiro, conforme Bruno.
“A segurança vai além de uma agência com vigilância armada e portas giratórias. Ela envolve uma série de elementos digitais que impedem invasões ou ataques cibernéticos”, o que inclui a regulação.
As fintechs brasileiras estão regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), vinculado ao Banco Central, desde abril de 2018, por meio das resoluções 4.656 e 4.657.
O Bacen também monitora a movimentação financeira e a capacidade econômica dessas empresas. Atualizações regulatórias ocorrem de forma recorrente nesse ambiente.
O diretor executivo da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Carlos Oliveira, reconhece o apoio significativo do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e de outros órgãos na regulamentação do setor.
Ele ressalta que, uma vez homologadas, as fintechs estão aptas a prestar serviços. “Como as fintechs utilizam tecnologias inovadoras e modernas, elas garantem a segurança e a confiabilidade dos serviços prestados,” afirma Carlos.
Ele também destaca que o modelo de serviços bancários oferecido por fintechs que atuam como bancos digitais, conhecido como “banking as a service”, demonstra o sucesso e a flexibilidade da digitalização no mercado.
Em sua visão, pequenos erros podem ocorrer, mas são prontamente corrigidos. Carlos observa que o nível de satisfação com as fintechs é muito alto, especialmente quando comparado aos bancos tradicionais.
“A simplicidade, agilidade e soluções desenhadas para o cliente são grandes diferenciais,” conclui.
O POVO solicitou entrevista com uma fonte do Banco Central sobre o cenário das fintechs no Brasil, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
O Bacen havia divulgado, no início de agosto, que tem se atentado ao descumprimento de regras em instituições de pagamentos, especialmente as recém-chegadas. As informações são da Agência Estado.
Todavia, tais instituições não necessariamente se enquadram como fintechs, apesar do cenário demonstrar a preocupação geral do órgão ante o contexto, que pode levar a sanções.
As fintechs brasileiras, empresas de tecnologia financeira, atraíram US$ 10,4 bilhões em investimentos na última década, representando 66,67% dos aportes na América Latina, que totalizaram US$ 15,6 bilhões. Apesar do pico de US$ 5,7 bilhões em 2021, especialistas preveem uma retomada do crescimento, mas agora em ritmo mais moderado.
Os dados são da consultoria de inovação Distrito. Já são 1.592 empresas desse segmento no País e 2.712 na América Latina, as quais revolucionaram a forma como o mercado financeiro operava até então com os bancos tradicionais. As fintechs podem atuar em categorias como crédito, pagamento, gestão financeira, empréstimo, investimento, câmbio, entre outras.
A desaceleração dos investimentos nos últimos anos foi um reflexo da conjuntura econômica global e do período pós-Covid, segundo o sócio da consultoria de inovação Spiralem, Bruno Diniz. “Isso levou ao que chamamos de ‘inverno das startups’, que não afetou apenas o segmento de fintechs, mas todo o ambiente de startups.”
“A alta taxa de juros, especialmente nos Estados Unidos, também desestimulou investimentos de risco, com muitos fundos preferindo direcionar recursos para operações consideradas mais seguras. Apesar desses desafios, há alguns elementos positivos. Espera-se uma retomada, talvez não nos níveis extremos de euforia que vimos em 2021, mas uma melhoria em relação aos anos subsequentes”, cita.
O otimismo de Bruno Diniz se deve ao fato de que, cada vez mais, empresas de outros setores estão oferecendo serviços de fintechs, além do desenvolvimento de tecnologias como o Open Finance, o Pix, o Drex – moeda digital do Banco Central do Brasil (Bacen) – e a Inteligência Artificial, que têm o potencial de transformar e ampliar a interação com o ambiente digital.
O diretor executivo da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Carlos Oliveira, explica que o fenômeno das fintechs está, desde o início, atrelado a uma demanda social por inovação e conectividade, em contraste com a abordagem mais conservadora e burocrática dos bancos tradicionais. A ideia das fintechs era oferecer serviços mais simples e baratos.
“Isso não significa que a fintech vá acabar com os bancos, mas, para certas soluções, geralmente entrega uma oferta melhor, que agrada aquele público. A tendência é que esse conceito de fintech penetre cada vez mais nos bancos tradicionais”, comenta Carlos, ressaltando que há espaço para todos, com parcerias e combinações.
Bruno Diniz concorda: “Eu entendo que a coexistência entre bancos e fintechs tem funcionado cada vez melhor. Se durante um tempo parecia haver uma guerra entre Davi e Golias, hoje essa tensão está mais tranquila. O mercado entende que existem vários espaços a serem ocupados, e vejo que inclusive parcerias entre fintechs e bancos têm acontecido.”
Já a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou, em nota, que apoia qualquer medida que incentive a competição, desde que seja preservada a segurança e haja simetria no tratamento regulatório. “A entrada de fintechs no mercado é muito bem-vinda, por permitir mais eficiência de toda a indústria, com inegáveis ganhos para as pessoas e empresas.”
Segundo o Banco Central, as fintechs trouxeram benefícios como maior eficiência, redução da burocracia e diminuição dos custos. Essa evolução tem incentivado empresas de outros setores a oferecerem suas próprias soluções financeiras, como a Vivo Pay, da empresa de telecomunicações Vivo, e a 99 Pay, do aplicativo de mobilidade 99.
Leandro Coelho, diretor da Vivo Fintech, relatou que a empresa começou a atuar nesta área em 2020, com o empréstimo pessoal, acumulando R$ 446 milhões em carteira até junho. “Isso comprova a relevância e o potencial que enxergamos nesse segmento (...). Temos avançado de forma consistente trimestre a trimestre.”
A 99 Pay também iniciou serviços em 2020, com a missão de apoiar o público desbancarizado e de permitir o acesso a soluções financeiras, incentivando a inclusão na economia digital. O movimento surgiu após o aplicativo identificar a demanda de motoristas parceiros por serviços financeiros, gerando uma sinergia com o negócio de mobilidade.
Após horas sob o sol em uma longa fila para trocar uma "simples senha" em uma agência bancária de Fortaleza, onde até brigas ocorriam, a economista Beatriz Fernandes, 23, decidiu que não enfrentará mais esse “caos”, especialmente com opções de bancos digitais – isto é, fintechs – ao seu alcance.
A jovem não gostava da experiência de ter que se adequar a horários limitados dos bancos tradicionais, inclusive porque precisava pedir para se ausentar do trabalho para resolver pendências. “Era meio chato e ficava bem difícil essa logística presencial. Se fosse começo ou final de mês, era um caos”, relembra.
Hoje, Beatriz possui contas nos digitais Nubank, Inter, C6 e XP, onde diz estar mais feliz, pois o serviço é rápido, nunca deu problemas ou gerou dificuldades, facilitando eventuais questões de atendimento no dia a dia, onde tudo pode ser resolvido via aplicativo.
A economista, ainda assim, faz uns contrapontos ao cenário promissor e afirma que ficaria receosa caso sua avó tivesse uma conta digital, pelo medo de golpes, além de pontuar que não teria confiança para fazer empréstimos ou financiamentos em bancos digitais.
O doutorando em zootecnia, Eduardo Pessoa, 28, também vê desafios tanto no cenário dos bancos digitais quanto tradicionais. Ele se vê como refém do contato via telefone, e-mail ou aplicativo no primeiro caso, enquanto a ida a agências seria um empecilho no segundo.
Entretanto, ele prefere a praticidade do meio digital, possuindo contas no Nubank, Wise, Digio e N26, apesar de também ter conta no Banco do Brasil. “Optei pelos bancos digitais pela facilidade de abrir conta e resolver coisas, (...) mas, por possuir uma agência física e você poder ir lá se tiver algum problema, os bancos tradicionais passam mais confiança.”
O diretor executivo da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Carlos Oliveira, explica que os jovens, especialmente a Geração Z, já nasceram em um ambiente digital, extremamente conveniente e prático, não aceitando soluções que não sejam assim.
“Poucos cliques, poucas perguntas e que atenda de forma imediata, porque é assim que estão acostumados em vários sites e plataformas”. Apesar do domínio dos jovens, Carlos pontua que diversas faixas etárias já têm aderido a soluções digitais nos serviços financeiros do Brasil.
A Fire Banking, fintech cearense de meios de pagamentos, é responsável por um volume médio mensal de R$ 80 milhões a R$ 100 milhões transacionado por seus clientes. A companhia atua no segmento B2B – entre empresas –, atendendo cerca de 60 negócios.
A atividade partiu inicialmente do interesse de cinco sócios cearenses pela área de tecnologia. O co-CEO Victor Nery, 25, rememora que, desde a infância, criava os seus próprios jogos com os amigos. E, anos depois, quando surgiu a conversa para desenvolver a Fire Banking, aceitou.
A fintech tem operado uma infraestrutura para pagamentos, com início no Pix. “Agora estamos lançando um cartão de crédito e boleto bancário também, em parceria com outro banco (Celcoin), que faz a liquidação das operações”, diz Victor, que também mira nas criptomoedas.
O objetivo é oferecer menos burocracia e um processo de cadastro facilitado às empresas, com taxas fixas e mais baratas do que em bancos tradicionais. Além disso, a empresa integra-se a mais de um banco, pois, se o sistema de um deles cair, o outro entra em operação.
A Fire Banking detém hoje uma sede na cidade de São Paulo, além de Fortaleza. São 30 pessoas na equipe espalhadas pelo Brasil, nas áreas de produtos, design, tecnologia, serviço de atendimento ao consumidor (SAC), compliance e jurídico.
Todavia, Victor Nery relembra que nem sempre o projeto contou com movimentações relevantes. No começo, em 2022, era um desafio conseguir clientes e, até hoje, não houve investimentos externos na fintech. Tudo partiu de capital próprio dos sócios.
“Foi muito difícil conseguir nosso primeiro cliente. Conquistamos isso por meio de contatos nossos. Conseguimos colocar o produto em teste e fomos batendo de porta em porta, levando muitos nãos”, explica o co-CEO da empresa.
Apesar dos desafios, a visão de que as fintechs representam um "oceano azul de oportunidades" no Brasil impulsionou o negócio, afirma o empresário, que enxerga um futuro promissor com o Pix, o Open Finance e o Drex – moeda digital do Banco Central.
A Fire Banking tem buscado acompanhar as discussões do setor e ficar próxima de outros negócios do mesmo nicho, estando vinculada, assim, à Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) e à Associação Brasileira de Startups (ABStartups).