A maioria dos brasileiros está feliz no trabalho atual, com respostas afirmativas em 78,05% dos entrevistados líderes e 71,82% dos liderados, os quais, em sua maioria, atribuem tal felicidade como uma responsabilidade da empresa. O sentimento positivo esteve relacionado, em primeiro lugar, ao equilíbrio entre vida social e profissional. Os dados são da 4ª edição do estudo "Inteligência Emocional e Saúde Mental no Ambiente de Trabalho", da The School of Life (TSC), em parceria com a Robert Half. Entre janeiro e fevereiro deste ano, foram entrevistados 774 profissionais em diferentes regiões do Brasil. Destes, 387 eram líderes e 387 liderados, com 25 anos ou mais e formação superior completa.
Entretanto, o cenário mostrou-se desafiador em um outro levantamento da Harvard Business Review pelo mundo, revelando que mais de 70% dos novos presidentes (CEOs, em inglês) relatam sentimentos de solidão. Enquanto outra pesquisa da Infojobs, em 2023, apresentou que 86% dos brasileiros não veem as empresas preparadas para lidar com saúde mental.
O fato é que os líderes têm que lidar com suas próprias necessidades psicológicas, como a alta competitividade e a pressão, bem como ter um olhar ativo e acolhedor para as problemáticas dos colaboradores. Neste cenário, cerca de 45% dos líderes entrevistados pela TSC e Robert Half pontuaram que relacionamentos tóxicos são o principal fator de infelicidade no trabalho.
Além dos aspectos interpessoais, um ambiente tóxico pode incluir um estilo de liderança inadequado, discussões sobre trabalho remoto e fatores externos, como transporte urbano, saúde e responsabilidades com questões domésticas, a exemplo dos cuidados com os filhos ou pais idosos, explicou a neuropsicóloga e professora do Insper, Luciana Lima.
"Não podemos afirmar que o ambiente de trabalho é a causa direta de problemas mentais, mas podemos dizer que um líder com padrões de comportamento prejudiciais pode agravar a condição mental de um profissional", acrescentou Luciana, detalhando que isso pode ser potencializado também por valores organizacionais atrasados nas empresas e outros fatores.
"No nosso País, para as pessoas conseguirem ganhar um pouco mais, elas precisam assumir uma posição de gerência. E isso é terrível, porque gestão não é um cargo; é uma carreira muito específica. A escolha por essa carreira deveria ser por desejo, e não pela possibilidade de ganhar mais. O resultado disso são esses números, essa discussão sobre solidão", diz.
A psicóloga e professora da Faculdade Ari de Sá (FAS), Milena Falcão, acrescentou que sintomas de ansiedade e depressão estão mais comuns nesses ambientes, além de sinais psicossomáticos como afastamento do trabalho, cefaleias, problemas na coluna ou gastrointestinais e, até mesmo, a síndrome de burnout – esgotamento profissional.
"Cultura e clima organizacional são dois eixos fundamentais dentro do ambiente de trabalho. Um controle centralizador, autocrático, que não permite a expressão do trabalhador, da criatividade, da fala e da subjetividade, tende a promover um clima organizacional mais tenso. Isso gera um estado de alerta constante no trabalhador", segundo Milena.
Por outro lado, é fundamental e necessário que as empresas tenham um olhar atento para os líderes também, já que, muitas vezes, são eles quem lidam diretamente com os colaboradores no dia a dia. "Alguns segmentos têm desenvolvido ações para apoiar os líderes, mas ainda há muito a ser feito nesse cenário", diz Milena, da FAS.
Algumas organizações já têm desenvolvido iniciativas para mitigar o aparecimento de doenças psíquicas nos trabalhadores, com uma série de benefícios que ficaram conhecidos popularmente como "CLT Premium", incluindo o acesso a tratamentos psicológicos gratuitos, planos de academia, ambientes acessíveis a pets e outros.
Uma movimentação em prol de condições mais adequadas de trabalho tem sido vista de forma veemente na Geração Z, de jovens nascidos entre 1997 e 2010. Todavia, a questão não é geracional. "A questão é muito maior. O mundo não está mais aguentando essa forma de trabalho, independentemente das gerações", pondera Luciana, do Insper.
34% das famílias do NE afetam finanças com saúde mental
Despesas com saúde mental levam 34% das famílias do Nordeste à desorganização financeira, ficando em sexto lugar no ranking de prioridades de gastos na região, em um cenário onde 50% dos nordestinos enfrentam simultaneamente problemas financeiros e de saúde mental. As informações são do estudo "O Impacto das Finanças na Saúde Mental do Brasileiro", da Serasa e do Instituto Opinion Box, que foi divulgado neste mês de setembro, após ouvir 1.766 consumidores no Brasil para investigar a relação entre dinheiro e emoções.
Os dados indicam, ainda, que 93% dos nordestinos entendem que a melhora da situação financeira a longo prazo está ligada ao investimento em saúde mental. Outros 70% dizem que gostariam de investir ainda mais nessa área.
A psicóloga especializada em finanças, Valéria Meirelles, explica que as pessoas deixaram de enxergar a saúde mental no segundo plano, transformando-a em um objetivo essencial para alcançar uma vida melhor desde a pandemia de covid-19. "Depois da pandemia, as pessoas se preocupam mais com a saúde mental, buscando qualidade de vida, praticando exercícios e adotando outras iniciativas para lidar com as emoções", de acordo com Valéria.
A questão da saúde psicológica mostra, também, que 68% dos nordestinos preferem resolver problemas financeiros sozinhos. A psicóloga faz um contraponto neste sentido: "Não deixamos de ser bons pais, filhos ou amigos por enfrentarmos dificuldades financeiras". "Muitas vezes, as pessoas têm vergonha de pedir ajuda. (...) Falar sobre dinheiro com naturalidade é o primeiro passo para superar as dificuldades", acrescenta.
Empresas cearenses buscam promover saúde mental dos colaboradores
O destino turístico Beach Park, o Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (CH-UFC) e a indústria Cimento Apodi são algumas das instituições estaduais que têm desenvolvido iniciativas voltadas à promoção da saúde mental dos seus colaboradores.
O programa "Cuidando de Você", do Beach Park, iniciou na pandemia de covid-19, em 2020. De lá para cá, o intuito é acolher as pessoas que trabalham na empresa. Há à disposição dos funcionários uma equipe multidisciplinar, que realiza atendimentos individuais e em grupo.
Ansiedade, família, violência contra a mulher, luto e pais e mães de crianças e adolescentes com deficiência integram algumas das questões mais abordadas pelos colaboradores do Beach Park.
A gerente de recursos humanos (RH) do Beach Park, Anunciada de Moraes, explica que a iniciativa permeia a ideia de que cuidar da saúde mental é tão importante quanto a saúde física. "Ignorar problemas emocionais pode agravar a situação, assim como ignorar sintomas físicos".
Já as iniciativas do CH-UFC incluem desde programas de qualidade de vida até uma diretriz de gestão de pessoas, contemplando melhorias para os trabalhadores em vários eixos, como saúde e bem-estar, segundo a psicóloga organizacional da instituição, Ana Paula Torres.
"A instituição hospitalar demanda muito do trabalhador, que está sempre na linha de frente, e isso pode gerar estresse e sobrecarga. Por isso, é essencial criar mecanismos para lidar com a saúde mental no ambiente de trabalho", afirma Ana Paula.
Estão à disposição dos trabalhadores do CH-UFC a auriculoterapia – especialidade da acupuntura –, aromaterapia, massoterapia, ventosaterapia e meditação, entre outros, além de escuta ativa e atendimento emergencial.
A Cimento Apodi disponibiliza, de forma gratuita e sigilosa, atendimento psicológico para os funcionários por meio de uma plataforma digital, incentivando, inclusive, que os gestores utilizem a ferramenta em prol da própria saúde mental.
"Nosso objetivo é evoluir para que o ambiente de trabalho seja cada vez mais agradável e acolhedor", afirma a gerente executiva de desenvolvimento humano e organizacional e sustentabilidade da Apodi, Luciane Mello.
Gestor que superou dificuldades prioriza a saúde mental da equipe
Desde o início da graduação no curso de administração, o cearense Cabral Junior, 44, sempre desejou alcançar um cargo de gestão. Ele via a liderança como uma oportunidade para ajudar as pessoas a se fortalecerem e se desenvolverem profissionalmente.
Hoje, além desses objetivos, Cabral aprendeu a ter um olhar cuidadoso para a saúde mental. Ele atua como coordenador da área de gestão de rede credenciada em uma operadora de saúde e busca entender as particularidades de cada pessoa da sua equipe para acolhê-las.
"Quando assumi a liderança, entendi que precisava cuidar deles para que se sentissem bem no trabalho. Acredito que quando alguém se sente acolhido em suas necessidades pessoais, isso reflete positivamente no trabalho", explica o coordenador.
Cabral realiza diversas atividades de reconhecimento com os colaboradores, agradecendo "até pelas pequenas coisas", promovendo retorno (feedback, em inglês) e almoços comunitários, onde é proibido falar de trabalho. Algo fundamental para um ambiente saudável, na sua visão.
Apesar do olhar cuidadoso com o próximo, nem sempre foi fácil para Cabral reconhecer as suas próprias necessidades psicológicas. "Sempre me cobrei muito, independentemente de estar em um cargo de gestão e, quando assumi a liderança, isso aumentou."
O administrador costumava sentir ansiedade e estresse, mas, com o tempo, tomou algumas iniciativas para aliviar os sintomas, como a terapia, a prática de exercícios físicos e a separação saudável entre a vida profissional e pessoal.
"No início da minha carreira como gestor, eu achava que precisava responder a tudo imediatamente, mas aprendi a delegar e a reconhecer o que é realmente urgente. Evito mexer no celular ou responder e-mails em casa, e procuro atividades de lazer", detalha.
"Como passei por essas dificuldades, me preocupo bastante com a saúde mental dos meus colaboradores e incentivo a terapia. Metade da minha equipe faz terapia hoje, o que acredito ser uma forma de cuidado e prevenção para problemas maiores no futuro", acrescenta.