Logo nas primeiras horas após o crime, o nome de um homem foi ventilado como sendo um possível suspeito. Tratava-se de um morador da vila, um homem com antecedentes criminais por violência sexual e que aparentava ter transtornos psiquiátricos.
A suspeita se deu porque, próximo ao corpo de Gaia, foi encontrada uma baladeira e esse homem era conhecido por andar com uma pela praia. O nome dele, porém, logo foi descartado: testemunhas confirmaram que ele passou a noite de Natal com a mãe e exame de DNA também não constatou haver material genético dele na cena do crime.
Dessa forma, a primeira pessoa a ser tratada, oficialmente, como suspeita pela Polícia Civil foi a farmacêutica Mirian França, então com 31 anos. Havia sido com ela que Gaia havia viajado para Jericoacoara, após as duas tornarem-se amiga ao se conhecerem, dias antes, no hostel de Fortaleza.
Natural do Rio de Janeiro (RJ), Mirian estava em Fortaleza a passeio. Ela tinha passagens compradas para conhecer Jericoacoara e também Canoa Quebrada (em Aracati, Litoral Leste do Estado). Originalmente, ela pretendia viajar com a mãe, mas esta desistiu de vir para o Ceará. Com passagens em mão e hospedagem para mais uma pessoa já paga, Mirian convidou Gaia para ir com ela a Jeri. A italiana aceitou e as duas chegaram a Jericoacoara em 21 de dezembro.
Por volta das 22 horas do dia 24, Mirian deixou Jericoacoara com destino a Fortaleza e, posteriormente, Canoa Quebrada. Gaia iria junto, mas desapareceu. Mirian, sem querer perder o ônibus que partia naquela noite, foi sozinha.
Mensagens que Mirian trocou com uma funcionária do hostel de Fortaleza, a partir de 12h24min do dia 25, mostram a farmacêutica preocupada com o sumiço da amiga. Gaia, primeiramente, passaria no hostel antes de seguir para Aracati e Mirian buscava saber se elachegara ao estabelecimento.
“A ultima vez q a vi foi as 13:30 de ontem, e ela nao responde ao whatsap”, escreveu Mirian. Seria através de um telefonema da dona da pousada em que se hospedara em Jericoacoara que Mirian soube, já em Aracati, que Gaia foi encontrada morta.
A farmacêutica foi procurada por policiais militares ainda na noite do dia 25. À funcionária do hostel, Mirian chegou a dizer que “eles (os policiais) estao com tanto descado q me mandaram prestar depoimento so na segunda-feira (29)”. A carioca chegou a dizer que queria que gostaria que o caso fosse “parar nos jornais” porque “acho q so assim p policia fazer alguma coisa”. No dia 26, porém, Mirian escreveu que estava “sentindo firmeza” na investigação policial.
Foram supostas contradições existentes nos primeiros depoimentos de Mirian que fizeram dela uma suspeita. Mirian disse em seu primeiro depoimento à delegada Patrícia Bezerra que Gaia teria aula de windsurf com um italiano, a quem as duas conheceram quando chegaram na pousada.
Esse homem, porém, negou ter saído com Gaia e, em sede de acareação, Mirian recuou e disse que provavelmente se confundiu. Ela também voltou atrás ao dizer que os italianos não tomaram café da manhã todos os dias, conforme havia dito antes, assim como reconheceu não ser verdade que ele havia demonstrado interesse em Gaia, chegando a fazer carícias em seu braço no dia do crime.
Outra suposta contradição levantada pela Polícia Civil ao pedir a prisão temporária de Mirian foram relatos de funcionários da pousada afirmando que haviam visto Gaia na piscina da pousada por volta das 18h30min, sendo impossível, portanto, ter sido por volta das 14 horas a última vez que as duas se viram.
(Uma testemunha que havia prestado essa informação em depoimento afirmou, depois, que pode ter confundido Gaia com uma outra pessoa. Esse novo relato surgiu após a Perícia Forense constatar que Gaia foi morta antes das 18 horas).
Além disso, a delegada Patrícia Bezerra argumentou à Justiça que Mirian, conforme depoimento de funcionários, deixou a pousada por volta das 19 horas, afirmando que iria a uma sorveteria. Imagens de segurança mostraram Mirian entrando no referido estabelecimento às 19h42min, sendo que esse percurso poderia ser feito, destacou a delegada, entre 6 e 14 minutos (Mirian diria depois que foi à sorveteria por volta das 19h30min).
“[...] por que MIRIAN omitiu em sua reinquirição [...] que teria ido à sorveteria à noite[?]”, argumentou Bezerra em contraponto ao que disseram os defensores públicos que passaram a acompanhar o caso. “Acreditamos que ela foi presa por detalhes circunstanciais e dados periféricos”, afirmou a defensora Gina Moura durante entrevista coletiva em 6 de janeiro de 2015.
O fato de morar no Rio de Janeiro também foi outro fator que pesou no decreto da prisão temporária. Com um prazo inicial de 30 dias em casos de crimes hediondos, a prisão temporária tem como intuito garantir que a investigação policial consiga êxito em obter provas — diferentemente, por exemplo, da prisão preventiva, que pode servir para a garantia da ordem ou, então, da instrução judicial.
Enquanto na preventiva, deve haver “prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria” — conforme preceitua o Código de Processo Penal — na temporária, pesam, além da imprescindibilidade para as investigações policiais, elementos como o investigado não ter residência fixa ou “não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade”.
Assim, a prisão serviu também para garantir que Mirian permanecesse no Ceará. Mais tarde, ela diria que não se recusaria a ficar no Estado se isso tivesse sido solicitado a ela. Mirian teve a prisão pedida no dia 28, tendo sido presa no dia seguinte, data para a qual estava marcado o retorno dela ao Rio. Ela ficou encarcerada até o dia 13 de janeiro de 2015.
A prisão motivou uma campanha — sobretudo, nas redes sociais — em defesa dela. Familiares, colegas de trabalho e de universidade (Mirian fazia doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro) e até mesmo pessoas que não a conheciam denunciaram que ela estava sendo vítima de uma injustiça, que teria, inclusive, componentes racistas. A página “Liberdade para Mirian França - Justiça para Mirian - Justiça para Gaia” no Facebook chegou a ter mais de 7 mil curtidas e abaixo-assinados foram realizados.
Além da acareação, Mirian prestou três depoimentos, o último já acompanhada de por defensores públicos. Nesta oitiva, que durou dois dias, ela disse que, durante a tarde, “saiu um pouco na rua para comprar besteira para comer” e que foi, ainda, a um restaurante quando o sol já estava se pondo. Ela narrou ter voltado à pousada e, desta vez, incluiu que saiu, por volta das 19h30min, para comprar sorvete, tendo saído mais uma vez, por volta das 20 horas, para comprar um xilito e cerveja.
Até ali, Mirian disse não ter estranhado o sumiço de Gaia, já que ela costumava atrasar-se sempre. Mirian disse que dormiu, acordando por volta das 22 horas, cerca de 30 minutos antes do horário programado para o ônibus sair de Jericoacoara. Antes de pegar o ônibus, porém, ela falou com o italiano, perguntando sobre o paradeiro de Gaia, o que ele não soube responder.
Em 15 de janeiro de 2015, laudo pericial atestou que não foi encontrado material genético compatível com o de Mirian no corpo e nos objetos encontrados com Gaia na cena do crime.Dessa forma, a farmacéutica não mais voltou a ser citada como suspeita do assassinato. Inicialmente, ela chegou a ser proibida pela Justiça de deixar o Ceará, mas retornou ao Rio em 14 de fevereiro.