Ao dirigir o carro de volta para casa com a família, o servidor público Rosemblatt Lima, de 54 anos, foi surpreendido por uma ligação e, no visor do celular, apareceu o número do seu banco. Atento, o homem atendeu e se deparou com todos os trâmites que pareciam ser reais: a música bancária e o fornecimento dos seus dados pessoais.
Os falsos funcionários alegaram ao homem que transferências bancárias de valores altos foram identificadas em sua conta, persuadindo Rosemblatt, ao chegar em casa, a instalar um programa em seu computador. A partir daí, eles alegaram que estavam tentando fazer a contestação dos valores, mas, na verdade, estavam roubando-o.
“A resposta deles era sempre muito convincente, como se eles tivessem resposta para tudo. Eles criam um cenário em que você não consegue raciocinar. Na minha opinião, existem dois motivos principais para alguém cair num golpe: ou a pessoa cai por ambição ou cai por medo. No meu caso, foi por medo. Eles apavoram você, e você não consegue pensar com clareza”.
Rosemblatt teve R$ 43 mil roubados neste dia, em 2022. Até hoje, quando retornou ao assunto em entrevista ao O POVO, ainda é algo que mexe com ele. O servidor entrou com um processo judicial quando se deu conta do golpe, mas a situação não foi resolvida por enquanto. O seu banco, por outro lado, alegou que não tinha responsabilidade.
“O grande problema é que, no meu caso, o golpe começou com uma ligação que parecia vir do próprio banco. Era o número do banco, tudo certo. Essa tecnologia adulterada deu uma credibilidade muito grande para os golpistas. Além disso, eles já tinham vários dados meus: CPF, endereço... não passei nenhuma informação, mas eles já sabiam muita coisa”, explicou.
O homem é mais um a vivenciar uma situação assim. No caso da administradora Regina Oliveira, de 60 anos, o golpe ocorreu pelo aplicativo WhatsApp: um número utilizou a imagem da filha para solicitar dinheiro. O esquema a enganou devido a uma coincidência: a garota havia comentado que estava pensando em mudar de número.
“Uma pessoa me adicionou dizendo que era minha filha, com foto e tudo, e que estava com outro número. Não desconfiei porque ela realmente tinha comentado sobre isso”, explicou. A falsa filha iniciou uma conversa casual e, em seguida, pediu ajuda financeira. “Ele pediu R$ 3.500, mas eu só tinha R$ 1.600 para transferir”, contou.
O impacto emocional foi grande tanto para a administradora quanto para Rosemblatt. Ela descreveu uma sensação de impotência e de raiva. “A gente se sente burra, arrasada. É como se estivesse sendo cegada. Você se justifica o tempo todo e acaba não fazendo algo tão simples como ligar para a pessoa para confirmar”, detalhou a mulher.
Para especialistas, a tecnologia tem facilitado o trabalho dos criminosos, e o uso da inteligência artificial (IA) deve dificultar o cenário em 2025. O advogado e presidente da Comissão de Propriedade Intelectual da Ordem dos Advogados do Estado do Ceará (OAB/CE), Roberto Reial Linhares, vê desafios na IA, apesar de não deixar de lado os benefícios.
O ritmo de desenvolvimento da IA é tão rápido que os golpes também se atualizam constantemente. “Golpistas podem clonar vozes, criar mensagens falsas e enganar suas vítimas”, conforme Roberto. Recentemente, golpistas se passaram por um dono de lotérica em Fortaleza usando IA. Eles alteraram um vídeo que encaminhava para um site falso da Caixa.
“Eu acho que a gente está passando por uma fase de transição com a chegada dessas novas tecnologias, que trazem tantos benefícios, mas que, claro, a criminalidade também utiliza dessas ferramentas”, avaliou a advogada civilista, Lenda Tariana. “As instituições financeiras precisam investir em tecnologia para proteção de dados e prevenção de fraudes.”
Roberto destacou que já houve avanços neste tema, com a aprovação, no Senado Federal, do projeto de lei (PL) Nº 2338/2023, que regulamenta o uso da IA no Brasil. Segundo o advogado, é interessante que o texto seja mais abstrato, baseado em princípios gerais que não devem ficar desatualizados logo, com classificação de alto, médio e baixo risco, incluindo os golpes.
Criminosos migram para o virtual pelos ganhos rápidos e punições mais brandas
As organizações criminosas mudaram o perfil das suas práticas ilícitas ao longo dos anos com o avanço da tecnologia no Brasil. Antes era mais comum se deparar com roubos a bancos, explosões de carro-forte e sequestros, mas hoje a facilidade e o custo baixo de praticar golpes digitais têm sido mais vantajosos, além das penas serem menores.
A avaliação da titular da Delegacia de Defraudações e Falsificações (DDF) - unidade especializada da Polícia Civil -, Keyla Lacerda, é de que tal mudança de comportamento é notável, pois não há mais a necessidade de toda aquela estrutura física que crimes antigos exigiam. Muitas vezes, basta apenas um computador ou celular.
"Embora sejam crimes considerados sem violência ou grave ameaça juridicamente, os impactos são indiscutivelmente graves. Muitas pessoas perdem as economias de toda a vida com um simples clique. Esses crimes ainda têm penas mais leves comparadas, por exemplo, a latrocínio ou sequestro, o que os torna atrativos para criminosos", disse.
Keyla detalhou, também, que as práticas criminosas foram aperfeiçoadas com técnicas de convencimento para manipular emocionalmente as vítimas, que são, em sua maioria, compostas por idosos. Isso porque eles, às vezes, não têm familiaridade com a tecnologia e acabam caindo nos golpes de engenharia social, isto é, aqueles que manipulam. Sentimentos como medo, sedução, carência ou ilusão de dinheiro fácil são explorados pelos criminosos, segundo a titular da Delegacia. O POVO demandou os dados recentes relacionados aos golpes digitais no Ceará à Polícia Civil, mas não obteve retorno das informações até a publicação desta reportagem.
Ao sofrer um golpe, a orientação, em primeiro lugar, é buscar uma delegacia para realizar um boletim de ocorrência (BO). Em seguida, entrar em contato com o banco para bloquear a conta. A pessoa pode, ainda, entrar em contato com o Departamento Municipal de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor (Procon Fortaleza) ou entrar com processo judicial.
"O Procon, como se trata de uma instituição que também lida com questões financeiras, pode ajudar, mesmo quando ainda não se sabe se é, de fato, um golpe ou não. Caso a instituição financeira se recuse a dar assistência ao consumidor que se sentiu lesado, ele pode recorrer ao órgão", acrescentou a presidente do Procon Fortaleza, Eneylândia Rabelo.
Em 2024, o Procon Fortaleza recebeu alguns problemas relacionados ao tema, como 85 falhas bancárias em transações eletrônicas (transferências e saques indevidos), 45 lançamentos não reconhecidos na fatura e 19 falhas bancárias (cheques, ordem de pagamento, entre outros). Números praticamente estáveis em relação a 2023.
Todavia, Eneylândia pontuou que os números são baixos, pois as pessoas, às vezes, não sabem que podem procurar o órgão nesses casos. O POVO também solicitou informações do tema ao Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), vinculado ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), mas não obteve retorno.
Golpes digitais crescem 45%, com uma em cada quatro pessoas afetadas no Brasil
O número de crimes digitais no Brasil registrou um aumento de 45% em 2024, totalizando cerca de cinco milhões de fraudes. A ameaça afeta uma em cada quatro pessoas no País, e metade dessas vítimas realmente sofreu prejuízos, de acordo com um levantamento da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP).
As fraudes bancárias, os ataques de phishing - para que a pessoa revele informações pessoais aos criminosos - e os golpes sociais continuam a dominar o cenário. O presidente da ADDP e especialista em direito digital e cibersegurança, Francisco Gomes Júnior, afirmou que os números são preliminares, mas já se mostram preocupantes. "O que temos neste momento é uma amostra confiável que nos permite as primeiras considerações e balanço sobre o ano de 2024 levando em consideração os dados oficiais disponibilizados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública e por outras consultorias, mostrando aumento de quase 50% no número de golpes praticados em 2024", explicou.
Para o especialista, o uso da inteligência artificial tem sido crucial para a dinamização dos golpes. "O prejuízo certamente é bilionário e em breve teremos um número mais definitivo, mas golpes do Pix, do falso contato bancário, que se combinam com roubos e furtos de celular com a tela desbloqueada contribuíram decisivamente para esse crescimento".
O crescimento nos crimes digitais está diretamente relacionado à migração do crime organizado para o ambiente virtual, uma vez que exige investimentos e riscos reduzidos, em comparação com ações mais tradicionais, como assaltos a bancos. Para os criminosos, o retorno financeiro é alto, e os riscos de captura são significativamente mais baixos.
O presidente da ADDP enfatiza, também, a importância de manter a vigilância. "É importante que as vítimas de golpes procurem órgãos de defesa do consumidor ou realizem boletim de ocorrência, para se ter números mais precisos e saber como agem os criminosos. Todo cuidado é pouco", alerta.
Veja os 10 golpes mais comuns
1. Golpe do WhatsApp
O golpista se passa por outra pessoa no WhatsApp e pede dinheiro emprestado
2. Golpe da falsa central de atendimento
O golpista entra em contato se passando pelo funcionário de um banco e solicita dados
3. Golpe do Pix errado
O golpista envia um Pix "errado" para a conta da vítima e pede a devolução
4. Golpe do link falso
O golpista envia um link malicioso para a vítima clicar
5. Golpe da troca de cartão
O golpista trabalha como vendedor e troca o cartão ao passar as compras
6. Golpe do falso motoboy
O golpista se passa por funcionário do banco, diz que o cartão foi fraudado e pede para a vítima cortar o cartão sem danificar o chip, mandando um motoboy para buscar
7. Golpe da maquininha quebrada
O golpista não te mostra o valor cobrado na maquininha antes de passar o cartão
8. Golpe do falso leilão
O golpista cria sites falsos de leilão para enganar as pessoas
9. Golpe do acesso remoto ou mão fantasma
O golpista entra em contato se passando pelo funcionário de um banco e solicita instalação de um aplicativo
10. Golpe do falso empréstimo
O golpista oferece crédito com condições atrativas na internet e pede o pagamento de taxas
Fonte: Febraban
Veja 10 orientações para evitar golpes
Nunca compartilhe senhas ou dados pessoais
Nunca compartilhe ou confirme dados bancários
Confira a situação do cartão após a compra
Ative fatores de autenticação em suas contas
Desconfie de ligações suspeitas
Nunca clique em links desconhecidos
Compre
on-line em sites confiáveis
Confira dados antes de fazer transferências
Não tire foto ou filme o uso de caixa eletrônico
Atente-se a informações compartilhadas nas redes
Fonte: Febraban