Sob o céu límpido e o sol forte do sertão central cearense, entre os municípios de Quixadá e Quixeramobim, desponta uma paisagem que combina ciência, cultura e potencial turístico. Em uma área de 5,3 km² repleta de formações rochosas que parecem tocar o horizonte, uma iniciativa ambiciosa está em curso: transformar esse território em um Geoparque reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
Intitulado “Projeto Geoparque Sertão Monumental”, a iniciativa segue os passos do pioneiro Geoparque Araripe, no Cariri, o primeiro das Américas reconhecido pela Unesco, em 2006.
O geoparque é uma área reconhecida pela Unesco para promover o desenvolvimento sustentável. Conforme explica o geógrafo, espeleólogo e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Felipe Monteiro, esse conceito surgido nos anos 1990 e tem como base transformar riquezas naturais, como fósseis e formações rochosas, em recursos para educação, turismo e preservação ambiental.
“Costumo dizer que o geoparque é como um "livro aberto" onde podemos aprender sobre a história e os processos da Terra. A ideia é que o geoparque permita às pessoas usufruírem desse conhecimento e o valorizem, aproveitando-o de forma sustentável”, explica Felipe Monteiro.
De acordo com o especialista, o conceito de geoparque se baseia em três pilares fundamentais:
Geoconservação: Protege o patrimônio geológico para as futuras gerações, garantindo a perpetuação de sua importância científica e cultural.
Geoeducação: Promove o ensino das geociências, tanto em escolas e universidades quanto por meio de experiências turísticas interativas.
Geoturismo: Incentiva o desenvolvimento econômico local com atividades sustentáveis que respeitam a geodiversidade.
Se no Geoparque Araripe o grande destaque são os fósseis, no caso do Sertão Monumental os famosos Inselbergs, como são conhecidos cientificamente, formam o coração do projeto.
Para transformar a área dos monólitos de Quixadá e Quixeramobim em um Geoparque, o primeiro passo foi elaborar um relatório que identificasse as potencialidades locais. Estudiosos mapearam cerca de 20 geossítios — locais com relevância geológica, paleontológica ou geomorfológica — para serem apresentados à avaliação da Unesco.
Entre os destaques está, por exemplo, a icônica Pedra da Galinha Choca, cartão-postal de Quixadá e atração conhecida mundialmente. Essas formações geológicas representam uma janela para a evolução da Terra e possuem grande relevância em nível internacional, nacional e regional.
A designação de Geoparque Mundial da UNESCO contempla 213 unidades em 48 países diferentes. Somente no Brasil há seis: o Geoparque Araripe (CE), Geoparque Seridó (RN), Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul (Reg. Sul), Geoparque Caçapava (RS), Geoparque Quarta Colônia (RS) e Geoparque Uberaba (MG).
O processo para tornar uma região um Geoparque reconhecido pela Unesco é um caminho longo e meticuloso. Segundo João Luís Sampaio Olímpio, doutor em Geografia e responsável pela candidatura do Sertão Monumental, tudo começou em 2019.
“A equipe do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) nos visitou para identificar áreas com potencial para Geoparques. O estudo foi publicado no site do Serviço Geológico e deu início às etapas que envolvem educação ambiental e sensibilização da população para a importância da conservação sustentável”, explica.
Agora, a prioridade é mobilizar governos e comunidades para apoiar a iniciativa, fortalecer ações de conservação e turismo sustentável antes de enviar o projeto ao Ministério das Relações Exteriores. Se aprovado pelo Itamaraty, o Sertão Monumental se tornará um Geoparque aspirante, seguindo para a última etapa: a avaliação da Unesco, quando especialistas validarão se o território atende aos critérios para o reconhecimento oficial.
Os especialistas cearenses estimam que o processo pode levar até dez anos. A oficialização do Geoparque trará benefícios como maior visibilidade internacional e apoio da Unesco para capacitação e intercâmbio com geoparques no mundo. “É um trabalho de longo prazo, mas com impacto duradouro para a região”, conclui João Luís.
Início do Projeto (2019)
Primeiro passo:
Fase Atual: Estruturando o Projeto
O que está acontecendo agora:
Próximo Passo: Reconhecimento como Geoparque Aspirante (próximos anos)
O que vem depois:
Etapa Final: Candidatura Oficial à UNESCO (chancela)
Como será feito:
Benefícios do Reconhecimento pela UNESCO
O que vai mudar:
Os sítios geológicos de Quixadá e Quixeramobim têm relevância histórica e científica que ajudam a contar a evolução do planeta. É o que comenta outra especialista por trás da candidatura do Geoparque, a doutora em Geografia e professora do IFCE de Quixadá, Caroline Loureiro.
“Os monólitos, ou ‘Inselbergues’, são rochas resistentes com cerca de 500 milhões de anos, formadas na subsuperfície entre 10 e 30 km de profundidade e expostas pela erosão ao longo dos milênios. Eles foram moldados por processos climáticos e erosivos, adquirindo formas únicas”, explica.
Em Quixadá, por exemplo, há o monólito mais famoso: a Pedra da Galinha Choca, nomeada por seu formato que se assemelha a uma galinha chocando ovos. Mas a região também conta com a Lago dos Monólitos, a Gruta de São Francisco e a Pedra do ET, que chama atenção por lembrar a cabeça de um extraterrestre, entre outros.
Já em Quixeramobim, está o Poço da Serra, a Lagoa do Fogo, o inselberg da Fazenda Salva-Vidas, o Serrote da Fortuna e o Letreiro da Fazenda Canhotinho, que se destaca por suas gravuras rupestres de povos pré-colombianos.
Além disso, estudos já apontam que a região tem potencial paleontológico. "Estamos em levantamento de evidências que essa área pode ter abrigado a megafauna, como a preguiça-gigante e o tatu-gigante", diz Caroline Loureiro.
Pedra do Cruzeiro (Relevância Internacional)
Pedra da Galinha (Relevância Internacional)
Lagoa dos Monólitos (Relevância Nacional)
Gruta de São Francisco (Relevância Nacional)
Gruta do Magé (Relevância Nacional)
Pedra do ET (Relevância Regional/Local)
Poço da Serra (Relevância Nacional)
Lagoa do Fofô (Relevância Nacional)
Inselbergues da Fazenda Salva Vidas (Relevância Regional/Local)
Letreiro do Canhotinho (Relevância Regional/Local)
Serrote da Fortuna (Relevância Regional/Local)
Pedra da Baleia (Relevância Regional/Local)
Serra do Urucum (Relevância Nacional)
Pedra dos Ventos (Relevância Nacional)
Mirante da Serra do Estevão (Relevância Regional/Local)
Pedra Corisco (Relevância Regional/Local)
Pedra do Letreiro (Relevância Nacional)
Gnaisse Milonítico de Quixadá (Relevância Nacional)
Serrote de Santa Maria (Relevância Nacional)
Campo Pegmatítico de Berilândia (Relevância Nacional)
Fonte: Projeto Geoparque Sertão Monumental, Serviço Geológico do Brasil (CPRM), 2019.
Por critério, um Geoparque é mais apenas um espaço geológico; é também aprendizado e cultura. Quixadá é berço de ícones como Rachel de Queiroz, pioneira na literatura cearense, e Cego Aderaldo, poeta e repentista que exaltou o sertão. Já Quixeramobim é terra de Antônio Conselheiro, líder do movimento de Canudos.
Michelle Maciel é historiadora e gestora cultural na Casa de Saberes Cego Aderaldo, equipamento em Quixadá. Ela reforça a conexão entre o território e sua riqueza cultural: "Nós estamos em um lugar ancestral, com comunidades tradicionais como os quilombos Sítio Veiga e Marinho, além de outras comunidades remanescentes. Essa herança se traduz em manifestações culturais coletivas, envolvendo diversas instituições."
As danças tradicionais, como o Reisado Boi Coração e a Dança de São Gonçalo, mantêm viva a tradição centenária da região. Outro aspecto do local são os Profetas da Chuva, que utilizam saberes tradicionais para prever o clima, unindo conhecimento popular à ciência.
Michelle também falou sobre um dos atrativos mais curiosos: a ufologia. "Quixadá é conhecida como a capital dos discos voadores. A Lagoa do Eurípedes, chamada de 'Aeroporto dos ETs', atrai curiosos pelo seu misticismo, algo que até Raquel de Queiroz mencionou em suas obras."
Os municípios também serviram de cenário para diversas produções cinematográficas que retratam a vida no sertão central e o típico humor cearense. Segundo Humberto Cunho, especialista em Direito Cultural e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), é curioso notar que não são apenas os humoristas que tornam a narrativa engraçada, mas sim a própria cultura local.
“Esse estilo de humor cearense, marcado pela capacidade de 'mangar' uns dos outros sem ofensa, tem paralelos com práticas já reconhecidas pela Unesco. Aqui, o humor vai além do entretenimento: é uma linguagem de afeto e mediação social”, aponta.
Se oficialmente reconhecida pela Unesco, a expectativa é que as cidades se tornem um ponto estratégico para o turismo sustentável. Segundo Felipe Monteiro, um dos idealizadores do projeto Sertão Monumental e professor do IFCE, sua localização, a pouco mais de duas horas de Fortaleza, é uma vantagem importante para atrair visitantes.
"Quem não gostaria de explorar um patrimônio da Unesco? Será possível fazer uma visita em um único dia", destaca Felipe.
Outro aspecto importante é que a implementação do geoparque não exige a desapropriação de terras. Isso permite que os proprietários de áreas com geossítios, como fazendas, possam se beneficiar economicamente por meio do turismo.
“Os proprietários podem oferecer visitas guiadas ou até cobrar pelo acesso a locais específicos se esses ficarem em suas propriedades. É uma relação de ganha-ganha, desde que o planejamento seja cuidadoso e o respeito à conservação ambiental seja prioridade”, conclui o especialista.
Para formatar a candidatura do Geoparque Sertão Monumental, foi criado um grupo de trabalho (GT) em 2022 composto por 16 organizações. As entidades são:
O Ministério Público do Ceará (MPCE) declara que tem o papel de fiscalizar e incentivar as iniciativas desse grupo de trabalho. Ao O POVO, os municípios de Quixeramobim e Quixadá declararam que já para 2025 planejam ações com foco em capacitação local, como cursos para guias de geoturismo e melhorias nas infraestruturas turísticas.
O Governo do Estado, por sua vez, explica que entre as ações que seguem no próximo ano incluem as melhorias nas rodovias BR-122 e CE-060, que facilitam o acesso aos "Geossítios". Já a parceria com o Sebrae impulsiona investimentos em hospedagens, capacitação de trabalhadores locais, criação de roteiros integrados e melhorias na infraestrutura turística, como centros de visitantes.
Em relação à candidatura junto ao Itamaraty, o GT declarou que está em processo de organização de todos os documentos exigidos pela Unesco. “Em 2025, as reuniões periódicas do GT serão retomadas e avanços mais concretos poderão ser divulgados”, disse o Governo do Estado.
A solicitação foi feita pelo governo brasileiro, por meio do Iphan, em 2015. A obra, a primeira grande construção hídrica do Brasil, foi autorizada por D. Pedro II e construída entre 1890 e 1906.
O IFCE propõe o reconhecimento dos monólitos de Quixadá e Quixeramobim como Patrimônio Paisagístico Estadual. Eles são únicos no mundo e possuem grande valor histórico e cultural.
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Casa de Saberes Cego Aderaldo - R. Pascoal Crispino, 167 - Centro, Quixadá
Memorial Rachel de Queiroz - R. Oscar Barbosa 344 Chalé da Pedra, Quixadá
Casa de Antônio Conselheiro - R. Cônego Áureliano Mota, 210 - Centro, Quixeramobim
Fazenda Não Me Deixes (Casa de Rachel de Queiroz) - O Quinze - Daniel de Queiróz, Quixadá - CE