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Repercussões da "trégua" entre CV e PCC no Ceará
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Reportagem

Repercussões da "trégua" entre CV e PCC no Ceará

| SEGURANÇA PÚBLICA |Acordo entre as duas maiores organizações criminosas do País, rivais desde meados de 2016, veio à tona nesta semana. Comando Vermelho é considerado a maior facção do Ceará
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As duas maiores facções criminosas do País, Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), firmaram uma "trégua" no conflito mantido pelas organizações desde meados de 2016. As informações foram divulgadas pelo portal Metrópoles na segunda-feira, 10 e, posteriormente, pelo UOL nesta quinta-feira, 13, e foram confirmadas pelo O POVO.

Nas redes sociais, "salves" atribuídos ao CV do Ceará passaram a circular mencionando a trégua. Um desses textos, obtidos pelo O POVO por meio de uma fonte ligada às Forças de Segurança do Estado, afirma que vem acontecendo um "diálogo" entre as cúpulas das duas facções para firmar o pacto.

"A partir de hoje (quarta-feira, 12) está sendo dada uma trégua nessa guerra dentro e fora do sistema (prisional), visando a paz e a harmonia no crime, independentemente de bandeira, pois sabemos que na guerra existem perdas entre ambas as partes, como também vitória entre ambas as partes a partir do momento que foi determinada essa trégua", diz a mensagem, editada pelo O POVO visando uma melhor compreensão.

"Nós não vamos atacar eles nem eles vão nos atacar até a segunda ordem", também diz o comunicado. Já um salve atribuído ao PCC do Pará afirma que está "brekado qualquer tipo de ataque contra os lixos do CV", (SIC) devido a uma "decisão de nossas hierarquias acima" (SIC).

No Ceará, entre os locais onde PCC e CV travam conflitos está o bairro Quintino Cunha, em Fortaleza. Em 2024, O POVO contabilizou, pelo menos, 21 assassinatos no bairro, a maioria motivados pela disputa entre as duas facções. Em outubro passado, O POVO mostrou que a disputa teve início em meados de abril, quando criminosos da comunidade do Sossego, até então ligados ao PCC, passaram a integrar o CV.

Com isso, os dois homens que "dividiam" entre si a comunidade do Sossego declaram guerra um ao outro. Tanto Francisco Lindolfo de Souza, de 32 anos, conhecido como "Gogó", e Laudênio Rodrigues Santos Gomes, o "Russo", de 35 anos, foram presos, mas a disputa entre as facções persistiu no bairro.

No ano passado, PCC e CV também estiveram guerreando no bairro Praia do Futuro II. Em maio, O POVO mostrou que a facção paulista agia na maior parte das comunidades do Caça e Pesca, enquanto o CV era presente em comunidades como o Morro da Embratel.

Em busca de ampliar seus domínios na região, o CV promoveu diversos ataques, gerando vários homicídios, tiroteios e expulsões de moradores. O POVO contabilizou que ocorreram, ao menos, 18 homicídios no bairro em 2024. Atualmente, é o CV quem se mantém na maior parte das comunidades da região.

O CV também é considerada a facção presente em mais territórios do Estado, conforme estimativas feitas pelas Forças de Segurança. Já o PCC está em menos territórios que a Guardiões do Estado (GDE) e a Massa Carcerária (também conhecidos como Neutros ou TDN). Com este último grupo, o PCC realizou uma aliança em 2021, enquanto, com a GDE, houve ruptura em meados de 2019, embora os dois grupos possam ter se reaproximado recentemente.

Conforme uma fonte familiarizada com a inteligência da Segurança Pública do Estado, o mais preocupante no acordo firmado entre CV e PCC é a possibilidade deles se unirem para enfrentar o Estado. "É importante ver quais são, de fato, os fatores que estão empurrando (as facções) para essa trégua, que, com certeza, é momentânea", afirma a fonte, que pediu para não se identificada.

"É da característica do criminoso — não só no Brasil, mas em toda a América Central e América do Sul — a beligerância, a discórdia", acrescenta ele, para quem o acordo não tem motivações humanísticas, como as perdas de vidas no conflito ou a amizade histórica mantida pelos dois grupos.

Acordo de facções visa afrouxar regras em cadeias, compartilhar e ampliar negócios

O pacto que estaria emendando as siglas criminosas CV e PCC numa só, iniciando uma grande trégua pelos estados brasileiros, teria objetivos muito bem traçados. Se a guerra nas ruas entre as duas facções cessar de fato, sem grandes taxas de homicídios ou de crimes hediondos de maior monta, entre as pretensões dos dois grupos estão desde flexibilizar regras rígidas do sistema penitenciário federal a compartilhar estratégias, rotas e ações do crime e ampliar negócios.

No caso dos lucros, a regra antiga deve continuar como antes: cada um seguirá juntando os seus separadamente. CV e PCC têm expertises diferentes. Enquanto o Primeiro Comando da Capital tem o perfil mais "empresarial", de transações em maior volume e com o mercado internacional mais visado, o Comando Vermelho se concentra no controle territorial e no mercado nacional/local.

As informações e análises são de uma fonte ativa da segurança pública do Ceará, que conversou com O POVO sobre o assunto. As autoridades locais, segundo ele, ainda estão se inteirando dos fatos. É cenário recente, mesmo que o plano já venha sendo costurado desde 2019. "É conversa de antes da pandemia", disse outra, um advogado, procurado a falar e que pediu para não se estender. Também contatado, o promotor de justiça Adriano Saraiva, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do Ministério Público do Ceará (MPCE), foi ainda mais breve na resposta: "Ainda estamos confirmando essa informação".

O vento dessa notícia já estaria percorrendo os xadrezes e alas de cadeias desde antes da pandemia. Agora foi soprado para o restante do País. No caso do policial ouvido pela reportagem, ele descreve que são visíveis as repercussões, a curto e médio prazos, que podem acontecer no mapa cearense do crime. O apalavrado, se durar de fato, é uma divisão estratégica, mas também dependerá de conexões com outros grupos em cada Estado. "No Ceará, o PCC é aliado da GDE. E o CV e a Massa vão continuar se matando. Tem que ver como isso ficará", descreveu, citando o cenário com as outras facções locais.

Uma motivação tida como central no acordo seria garantir a volta imediata da visita íntima nas cadeias federais. As vozes de comando dessas duas facções estão trancafiadas em prisões diferentes e teriam selado a trégua à distância. Marcinho VP (Márcio dos Santos Nepomuceno, do CV) está na penitenciária de Campo Grande (MS); Marcola (Marco Willian Herbas Camacho, do PCC) está em Brasília.

A ideia formatada é que se as taxas de homicídios forem reduzidas, na disputa territorial das facções, o argumento de bloquear as visitas será estremecido via lobbies. Aí o pacto terá feito sucesso. No caso do crime corporativo, ampliariam ainda mais as atuações em vendas de combustíveis, água, gás, bebidas, telefonia, internet, meios de hospedagem, transporte coletivo e contrabando.

As empresas de fachada de comércio e serviços de bebidas, ouro, cigarro e postos de combustíveis já estariam mais lucrativas que o tráfico de cocaína, segundo estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgado no último dia 12. A receita movimentada ultrapassou R$ 146 bilhões em 2022, ante R$ 15 bilhões no período com a venda da droga. CV PCC deverá ser uma variável na próxima atualização dessa conta.

 

Linha do tempo da atuação das facções no Ceará

1979 —
A facção criminosa Comando Vermelho (CV) é criada no presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro

1993 —
Surge o Primeiro Comando da Capital (PCC). O primeiro "estatuto" da facção cita nominalmente o CV como referência e afirma que ambos iriam "revolucionar" o País

2005 —
Integrantes do PCC financiam e promovem o Furto ao Banco Central de Fortaleza, que, ao subtrair R$ 164,7 milhões, tornou-se o maior da história do País até então

2013 —
Ministério Público de São Paulo (MPSP) diz, no Ceará, estão 120 dos 11,4 mil membros que o PCC tinha, ao todo, no País naquela época

2015 —
O POVO mostra que, a partir do segundo semestre, criminosos de diversas comunidades do Estado estavam firmando "acordos de paz" entre si sob a bandeira de CV e PCC. Pacto era negado pelo então secretário Delci Teixeira

2016 —
No dia 1º daquele ano, é criada, em presídios cearenses, a facção Guardiões do Estado (GDE). Grupo surgiu como uma resposta à expansão das facções do Sudeste, mas inicialmente também fez parte da "pacificação"

2017 —
Chega ao fim o pacto entre CV e PCC, provocando um aumento recorde no número de homicídios no Brasil. No Ceará, a GDE, até então aliada ao PCC, passa a antagonizar com o CV. Essa "guerra" esteve por trás do ano mais violento já registrado no Estado, que, em 2017, computou 5.133 assassinatos

2019 —
Motivadas pela chegada do secretário Mauro Albuquerque, as facções que atuavam no Ceará estabelecem uma "trégua" com o objetivo de enfrentar o Estado. Janeiro registra uma onda de mais de 400 atentados, mas o ano termina com queda recorde no número de homicídio, caindo pela metade em relação a 2018

2019 —
Operação Reino de Aragão, da Polícia Feral, identifica que PCC e GDE romperam a aliança que tinham

2020 —
Com a paralisação da PM e a pandemia do coronavírus, facções voltam a declarar "guerra" e homicídios crescem quase 80% no Estado

2021 —
Integrantes do CV decidem deixar a facção e passam a se intitular "neutros" ou "Massa". Parte da nova organização se alia ao PCC

2022 —
Faccionados da GDE também "rasgam a camisa" e aderem à Massa

2024 —
Criminosos cearenses passaram a integrar a carioca Terceiro Comando Puro (TCP), que se torna a quinta facção a atuar no Estado

2024 —
Facção paraibana Nova Okaida (NKD) expande atuação para municípios cearenses localizados na divisa entre os dois estados. Operação da Polícia Civil do Ceará cumpriu mandados de prisão contra 20 suspeitos de integrar a facção no Estado

Domínio

O CV é considerada a facção presente em mais territórios do Estado, enquanto o PCC está em menos territórios que a Guardiões do Estado (GDE) e a Massa Carcerária

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