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Mulheres na Ciência: A busca pela equidade de gênero nas universidades públicas do CE
Reportagem

Mulheres na Ciência: A busca pela equidade de gênero nas universidades públicas do CE

|Educação|Com projetos e premiações, UFC, Uece e IFCE promovem a equidade de gênero nas áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (Stem) para alunas e profissionais da área
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TIFANY Niorhana, 16, participa do programa Futuras Cientistas (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS TIFANY Niorhana, 16, participa do programa Futuras Cientistas

A cada quatro homens apenas uma mulher consegue emprego nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (Stem, em inglês). Os dados são do relatório da British Council, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Para combater a desigualdade entre homens e mulheres na Ciência, instituições de ensino do Ceará, como a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Universidade Estadual do Ceará (Uece) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) desenvolvem projetos e premiações que visam incentivar alunas e profissionais no campo científico.

Segundo a doutora em Ciências e professora titular no Laboratório de Pesquisas em Educação Química e Inclusão (LPEQI), da Universidade Federal de Goiás (UFG), Anna Canavarro, o principal obstáculo que faz com mulheres tenham dificuldades para ingressar na área de Stem é o modelo patriarcal na sociedade, que faz com que a presença feminina seja interditada e a divisão de trabalho doméstico das funções de cuidado não seja igualitárias.

"Isso é sempre uma dificuldade, porque a gente precisa se desdobrar para cumprir agendas de trabalho, uma vez que a gente não consegue uma parceria adequada dentro das nossas famílias e de núcleos como o nosso trabalho. Nós estamos sempre tendo que produzir jornadas triplas e quádruplas de trabalho", declara. A fala ecoa o relatório da British Council com a Unesco, publicado em 2021.

A professora também destacou que as políticas públicas precisam adotar e entender que as mulheres competem em pé de desigualdade, e por isso precisam atuar na reserva de vagas.

"A reserva de vagas não é para sempre, mas a gente precisa corrigir uma distorção histórica que a sociedade criou, do patriarcado, da misoginia, da divisão não igualitária, do racismo. Se nós temos uma sociedade que cria lugares de interdição para corpos femininos, sobretudo para corpos femininos negros, a política pública tem que criar reserva de vagas", declarou.

O programa Futuras Cientistas, criado pelo Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene), é uma iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e incentiva alunas e professoras da rede pública de ensino nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. O objetivo é apoiar a equidade de gênero no mercado profissional. As frentes do programa são: Imersão Científica, Banca de Estudos, Mentoria e Estágios.

Quatro alunas da rede pública de Fortaleza, Itapiúna, Guaramiranga e Pacoti, por meio do projeto "Magia das Engenharias", que foi aprovado no programa Futuras Cientistas, participaram da Imersão Científica 2025, que ocorreu, presencialmente, em janeiro, no Centro de Tecnologia da UFC, no campus do Pici.

A estudante Tifany Niorhana, 16, contou ao O POVO como seu interesse pela área científica começou: "Na minha antiga escola, tinha um eletivo do clube de ciências, e havia três tutores que estavam cursando na área de ciências biológicas". Foi através de uma feira de ciências, onde ela apresentou projeto de uma composteira, que um dos tutores viu a possibilidade de ela participar do Futuras Cientistas.

"Vi que só podia participar se estivesse no segundo ano, só que nessa época eu estava no primeiro. E então eu fiquei muito empolgada com isso, sabe? Agradeço muito aos meus tutores por terem me mostrado [o projeto]", relata a fortalezense.

Na apresentação final, Tifany relata que focou na parte de bioeletroquímica e, com a ajuda dos tutores, foi feita uma célula eletrolítica convencional, que serve para fazer hidrogênio verde. "O professor nos ajudou a soldar, porque tinha 98% de ácido sulfúrico e nós não podíamos mexer. A solução oxidava pelo metal, que pegava energia de uma máquina e com isso ajudava a fazer [o hidrogênio]", explica.

Tifany conta que antigamente pretendia seguir carreira nas áreas da saúde e cursar Medicina Veterinária, mas, atualmente, a jovem está estudando para prestar vestibular na UFC e na Uece, e conta que pretende seguir na área da tecnologia: "Eu pretendo fazer Ciência de Dados e, quem sabe, Engenharia de Software, no futuro".

Sobre a dificuldade que mulheres enfrentam na área, a jovem comenta: "Senti um pouco de medo, porque realmente é uma área mais dominada por homens. Eu acho muito importante iniciativas como essa, porque dá mais empoderamento e mostra que o lugar da mulher é onde ela quiser".

Na foto, a estudante Quécia Barboza, 16, participante do programa Futuras Cientistas
Na foto, a estudante Quécia Barboza, 16, participante do programa Futuras Cientistas

As descobertas que englobam o mundo

Cursando o terceiro ano do ensino médio e natural de Pacoti, 98,45 km de Fortaleza, a Beatriz Santos, 16, relata que a área científica lhe chamou atenção desde o ensino fundamental. Para ela, o campo é essencial: "Querendo ou não, as áreas (científicas) sempre me chamaram atenção pela forma que englobam o mundo inteiro em si".

Para Beatriz, participar do programa do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) proporcionou momentos incríveis e intensos: "Desde as vivências dentro dos laboratórios, as novas descobertas, linha de pesquisa, a vivência em si na universidade, aprender coisas novas".

Projetando o futuro acadêmico, Beatriz revela que pretende cursar a área de engenharia ambiental: "[Vai] de acordo com o curso que eu faço no meu colégio profissionalizante — Ensino Médio Técnico Profissionalizante (EEEP) Maria Giselda Coelho Teixeira — e com a experiência que eu pude vivenciar na UFC".

"Muitas vezes essas meninas são desmotivadas, principalmente nas áreas de engenharia e matemática, que na maioria das vezes são mais ocupadas por homens. O (projeto) Futuras Cientistas (da UFC) veio justamente para isso, para poder quebrar esses paradigmas que existem na sociedade", completa.

Moradora de Guaramiranga, 105,76 km de Fortaleza, a estudante Quécia Barboza, 16, conta que conheceu o programa (Futuras Cientistas) por meio da professora de química, que incentivou a participação dela e de outras alunas da classe: "Eu sempre tive o sonho de descobrir mais sobre o mundo. Então, sempre fui muito interessada nessa parte da ciência e da tecnologia".

"Nós estudamos sobre energias renováveis, elétrica e eólica. Mexemos em vários instrumentos e materiais incríveis, que eu também nunca imaginei utilizar. Foi uma experiência gratificante", conta.

A jovem comenta que seu desejo é atuar na área de Segurança do Trabalho: "Você começa na área de engenharia, e depois faz uma pós do trabalho. Eu fiquei fascinada pelo universo da engenharia".

Quécia destaca que a iniciativa abre portas para mulheres que querem ingressar nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática: "Ainda persiste um grande preconceito em relação a essas áreas na sociedade, que é algo que precisamos combater, e é com programas como esse que essa barreira será quebrada".

Vinda de Itapiúna, 113,70 km de Fortaleza, Yandra Tavares, 17, compartilha que sempre teve muita facilidade na área de exatas: "Conforme eu ia fazendo as olimpíadas e me destacando, as pessoas perguntavam 'por que você não faz engenharia?' e eu sempre achei que não ia conseguir, pois era algo muito distante".

Yandra ressalta que o programa lhe deu "vivência". "Entrar no lugar da faculdade e conhecer pessoas que estavam engajadas ali, quando explicavam seus projetos com um brilho no olhar, dava pra ver a alegria [no rosto]", conta animada.

"Eu não teria outra possibilidade na minha vida, que eu passaria um mês em Fortaleza frequentando a UFC, antes sequer de ter me formado no ensino médio. Então (o projeto) dá essa visão de expandir os horizontes dessas meninas. Ele muda vidas", acrescenta.

As alunas também tiveram a oportunidade de imprimir pás eólicas na impressora 3D e testar algumas pás no túnel de vento do Laboratório de Ensaios Aerodinâmicos, que faz parte dos Laboratórios Associados de Inovação e Sustentabilidade da Uece.

Ao O POVO, a professora universitária da Uece e coordenadora do Túnel de Vento, Mona Lisa Moura, explica que os Laboratórios Associados de Inovação e Sustentabilidade (Lais) é um espaço multidisciplinar para pesquisa aplicada, com o objetivo de atender o setor produtivo e promover a inovação e sustentabilidade."São realizados estudos de viabilidade de aproveitamento de recursos energéticos de diversas naturezas, incluindo solar, eólica, da biomassa e do hidrogênio". Também são realizadas pesquisas em pirólise de biomassa e do lodo oriundo de tratamento de água e esgoto.

O Lais possui o único Túnel de Vento de circuito fechado do Ceará, que atende diversas empresas do setor de energias renováveis. "Esse equipamento já calibrou mais de mil anemômetros para mais de 20 empresas, desde 2020", conta. O funcionamento do aparelho é realizado em parceria com a M&M Instrumentação.

Dados no Brasil

Confira os dados sobre os estudantes da área Stem divididos por gênero, de acordo com dados do Censo da Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2018:

Engenharia Civil | mulheres 29,86% - 70,14%

Sistemas de Informação | mulheres 13,7% - 86,3% homens

Arquitetura e Urbanismo | mulheres 65,76% - homens 34,64%

Engenharia de Produção | mulheres 33,64% - homens 66,36%

Engenharia Mecânica | mulheres 10,1% - homens 89,9%

Engenharia Elétrica | mulheres 12,71% - homens 87,29%

Ciência da Computação | mulheres 11,11% - homens 88,89%

Engenharia Química | mulheres 52,76% - homens 47,24%

Biologia |
mulheres 64,48% - homens 35,52%

Gestão Ambiental | mulheres 43,77% - homens 56,23%

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