Geração Z. O que fazem? O que comem? Como vivem? Como gastam? Não são poucas as matérias, os vídeos, os livros que tentam explicar os comportamentos dessa geração marcada pela digitalização. Os primeiros nativos digitais viraram objeto de estudo pelo mundo inteiro.
No universo financeiro não seria diferente. Economistas tentam descobrir o que os motiva a investir. Grandes indústrias tentam descobrir o que os motiva a gastar. Já os jovens tentam descobrir como viver com saúde mental em um mundo em colapso.
Assim como tudo em toda ciência, entender o comportamento de um grupo é uma questão complexa. Embora compartilhem algumas características, em muitos outros recortes e realidades, os membros desse grupo podem ser totalmente distintos.
O termo Geração Z surgiu nos Estados Unidos por volta de 1990 e início dos anos 2000. Passou a ganhar popularidade quando empresas especializadas em pesquisas de mercado começaram a usar a expressão para descrever jovens que cresceram com acesso à internet, redes sociais e tecnologias móveis.
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Para quem ganha pouco, poupar para o que vem significa não viver o agora
Catherine Prato, 27, trabalha como educadora ambiental e aponta que, no mês, seus principais gastos são com compras de mercado e saídas com amigos para restaurantes e cafés. Um momento de lazer que considera precioso e indispensável. Um relatório divulgado pela Night Time Industries Association (e conduzido por uma consultora inglesa, a Obsurvant), apontou que 68% dos jovens ingleses afirmam que a condição econômica é um dos fatores que mais influenciam a participação, ou não, em atividades noturnas.
Realizado com jovens entre 18 e 30 anos do Reino Unido, o estudo também reflete uma realidade imposta aos jovens brasileiros. A falta de dinheiro e a insegurança são fatores que podem impedir os jovens de socializar. Um impasse injusto para quem está na flor da idade e precisa escolher entre deixar de sair, encontrar com amigos, viver um momento especial, ou poupar. O equilíbrio entre todas as esferas da vida econômica de um jovem é possível?
O economista Érico Veras explica que sim. "Quando se trata de poupar dinheiro, ter objetivos concretos é fundamental. A falta de um objetivo claro pode levar a pessoa a priorizar o presente em vez de guardar dinheiro para o futuro". O alto custo dos produtos e serviços pode dificultar uma vida equilibrada entra gastos e poupança, mas é preciso ter perseverança. Tarefa ainda mais complicada para os jovens que a cada dia envelhecem com a perspectiva de que não conseguirão conquistar a casa própria, um carro ou uma vida estável.
Consumo sentimental e imediatista: comprar não significa só "comparar"
Eduarda Araújo, 21, e Amanda Nara, 20, são estudantes de Agronomia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e consideram que o hábito de consumo dos jovens está relacionado com a impulsividade motivada por emoções.
"A nossa sociedade, com certeza, influencia você a ser consumista, até sem você querer. É algo quase inconsciente. A gente tá num ambiente até um tanto ameaçador e hostil nesse sentido de gastar e consumir, que pode afetar até sua saúde mental", comenta Eduarda.
Um estudo sobre os hábitos de consumo da Geração Z, publicado pela Universidade Potiguar, do Rio Grande do Norte, pelas administradoras Simone Beatriz e Lurdes Marlene, aponta que, embora valorizem qualidade e preço, a busca por autoafirmação e status social influencia as decisões de compra dos jovens, especialmente em moda e cosméticos.
"Nossa relação com dinheiro é pura emoção", explica Érico Veras. Se compramos algo de marca, queremos que vejam. Se estamos tristes, compramos para nos sentirmos melhor. Quem nunca ouviu falar da shoppingterapia?
Entre os principais gastos apontados por Eduarda e Amanda, estavam: alimentação, transporte, livros, cosméticos e academia. Elas também comentaram sentir ser muito mais fácil consumir por meio da internet e já fizeram compras impulsivas após "um dia ruim".
São essas compras mais emocionais, que deixam alguns jovens felizes por adquirir e depois tristes, por sentir estar gastando de mais. As incertezas com o futuro, os preços altos de bens maiores e os efeitos climáticos que tornam o futuro ainda mais incerto, deixam a relação da Geração Z com o dinheiro ainda mais delicada.
Principalmente quando atividade simples, como sair com os amigos e ir a uma festa, podem representar um gasto significante para quem ganha pouco. O direito ao lazer esbarra na esperança de conseguir juntar uma poupança para o futuro.
Cartões de crédito a um clique: A Geração Z tem acesso facilitado a cartões de crédito
"O crédito no Brasil, lá atrás, era bastante restrito. Só para a gente ter uma ideia, quem tinha cartão de crédito? Quem tinha dinheiro. Hoje mais da metade dos brasileiros tem cartão de crédito. Você abre uma conta numa fintech qual for e ganha um cartão de crédito", explica Érico Veras, economista.
O professor pontua que falar de acesso a crédito é complexo, principalmente entre jovens. "Temos que pegar extratos sociais separados. Se você for universitário, por exemplo, os bancos te oferecem cartão de crédito com a maior facilidade". O economista exemplifica que quando tratamos da juventude universitária precisamos considerar outros fatores que os bancos também consideram na hora de oferecer crédito. Um exemplo do que pode influenciar a liberação de crédito para jovens são seus financiadores soberanos.
"A maioria dos estudantes com condições de frequentar a universidade, unicamente a faculdade, vem de famílias com condição (financeira) um pouquinho melhor. E aí o banco dá crédito para eles, porque se eles não pagarem a conta, provavelmente os pais vão ajudar. Então isso é o que chamamos de ter um financiador soberano", detalha.
Realidade que muda, por exemplo, nos casos em que o jovem trabalha e ajuda a sustentar a família. Érico explica que questões familiares podem levar ao endividamento. O professor diz que, atualmente, a juventude sofre principalmente por não conhecer os produtos financeiros. "Tem muita gente que confunde. Cartão de crédito é meio de pagamento. Não é dinheiro, não é renda". "Não, você não paga muito cartão de crédito, você gasta muito e isso vem no cartão de crédito".
Não é difícil encontrar nas redes sociais, como o TikTok, vídeos em tom humorísticos de pessoas relatando os seus relacionamentos, quase tóxicos, com cartões de crédito. Para Érico, esse comportamento pode ser resultado de uma série de fatores. Não se trata somente de uma falta de educação financeira. Para entender os hábitos de consumo de alguém, precisamos entender o significado do dinheiro na vida dela.
As incertezas e as esperanças para o futuro
"Atualmente tenho dois planejamentos, um é para uma viagem para fora do País e outro para me mudar de casa com a minha irmã", conta Catherine. Para seus planos, ela junta mensalmente um dinheiro e busca anotar todos os gastos em uma planilha.
A jovem relata que foi ensinada a poupar seu dinheiro desde a infância. Talvez por isso sinta que tem uma relação responsável com o dinheiro. Fator que não a impediu de ficar desanimada com as perspectivas econômicas.
"A minha angústia é pensar que estou juntando esse recurso para me mudar e mesmo assim as coisas darem errado. Tento trabalhar a cabeça e pensar na minha rede de apoio, mas imagine aqueles que não têm (rede de apoio). Imagina viver com medo das coisas darem errado e não ter um lugar para voltar?"
Não é incomum ver na internet artigos com títulos pretensiosos alegando que a Geração Z não quer ter bens como casas e carros. Muitas vezes, análises desonestas com as condições do mundo que estão deixando aos jovens. Não é questão de não querer, mas de não conseguir.