Por trás dos tecidos, costuras e tendências, a moda feminina não apenas executa a função de vestir, mas também atua como um código social e ferramenta que tanto molda quanto reflete os papéis das mulheres na sociedade.
Do espartilho à calça jeans, as vestimentas podem simbolizar tanto status social para as classes privilegiadas como reforçar a ideia de fragilidade, subordinação e restrição ao ambiente doméstico.
Conforme explica a professora Francisca Mendes, do curso de Design-Moda da Universidade Federal do Ceará (UFC), o papel da mulher é construído de acordo com cada contexto histórico e pode ser acompanhado pelas roupas.
Nos povos originários, por exemplo, o ato de tecer já apontava para uma divisão de tarefas na sociedade. “As mulheres fiavam para poder construir uma roupa. A tecelagem era geralmente uma tarefa feminina, o que já indicava seu lugar social”, observa.
Com o tempo, essa função foi se tornando símbolo de uma mulher submissa, como se viu ao longo da Idade Média e da Idade Moderna. Durante séculos, a vestimenta feminina reforçou a ideia de submissão e aprisionamento.
“Você vai ter as roupas mais pesadas, os espartilhos no século XVII e XVIII, até a Revolução Francesa. Essa mulher não tinha expressão em termos de totalidade, e a roupa confirmava essa prisão social”, analisa a pesquisadora.
Segundo Francisca Mendes, um pequeno respiro surgiu após a Revolução Francesa, com o "vestido império", caracterizado como leve, solto, sem amarras. Porém, foi com a inserção das mulheres no mercado de trabalho, principalmente depois das guerras mundiais, que o cenário começou a se inverter.
“Depois da Segunda Guerra, as mulheres precisam ocupar postos que eram dos homens. E aí a roupa feminina passa a se aproximar do que era considerado masculino, como forma de se impor profissionalmente.”
É nesse contexto que surgem as roupas com linhas mais retas, ombreiras largas e o uso recorrente de calças.
Marlene Neves Strey, professora de psicologia da Universidade Feevale, com especialização em recortes de gênero, também entende que o cinema, principalmente o hollywoodiano, foi um dos grandes difusores da moda para a mulher trabalhadora.
"As “mocinhas” dos filmes inspiravam não apenas atitudes, mas também o que vestir para ir trabalhar ou para um encontro romântico com o “mocinho” do filme. Agora as mulheres precisavam sair todos os dias para o trabalho e, dependendo que que faziam, necessitavam roupas condizentes."
Além disso, cita as revistas de moda , pois lgumas traziam moldes para as mulheres fazerem suas próprias roupas. "Mas, com a produção em massa e o prêt-a-porter, costurar a própria roupa foi aos poucos deixando de ser atrativa mesmo para as mulheres com pouco poder aquisitivo. "
A especialista Francisca Mendes, no entanto, avalia que a relação entre moda e controle do corpo feminino não ficou completamente no passado, apesar de uma maior liberdade.
“Hoje, a gente vive numa sociedade onde ainda existe essa prisão, essa exigência. A roupa continua sendo reflexo disso. A gente precisa seguir um padrão, e a moda está em todo lugar — nas mídias, nas redes sociais”, destaca.
“Um dia você pode ser gótica suave, outro dia funkeira, no outro bela, recatada e do lar. Isso está muito ligado ao que a gente chama de vestuário de adequação: a roupa está sempre a serviço de um acontecimento, e você precisa acertar no look para aquele evento — sob pena de ser criticada”, complementa.
A professora também chama atenção para a pressão por estar sempre na moda, mesmo com discursos de empoderamento. “É como se você tivesse a obrigação de ser múltipla, de performar vários estilos, mas sem nunca sair do padrão imposto.”