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O Dragão Asiático na Terra da Luz: imigrantes chineses no comércio da Capital
Reportagem

O Dragão Asiático na Terra da Luz: imigrantes chineses no comércio da Capital

No Centro de Fortaleza, a presença de comerciantes de origem chinesa chama a atenção dos consumidores e aumenta o interesse nas lojas da Capital
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CE Liang, 25, é um dos comerciantes de origem chinesa na Capital cearense (Foto: AURÉLIO ALVES/O POVO)
Foto: AURÉLIO ALVES/O POVO CE Liang, 25, é um dos comerciantes de origem chinesa na Capital cearense

A relação comercial entre o Brasil e a China movimentou US$ 157 bilhões em 2023. O informe do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços também aponta que o país asiático foi o responsável por 31% do total exportado pelo território nacional no mesmo ano, além de 23% das importações.

Em Fortaleza, a conexão entre os dois países é representada atualmente pelas 352 empresas ativas na capital cearense com sócios estrangeiros de origem chinesa, segundo dados fornecidos pela Junta Comercial do Estado do Ceará (Jucec). Entre os empreendimentos, está o de Ce Liang.

Diferente das relações diplomáticas do Brasil e da China, que já alcançaram meio século de parceria desde o seu início em 1974, a colaboração de Ce Liang com os brasileiros é mais recente: começou há 11 anos, justamente na Terra da Luz. Agora, aos 25 anos de idade, o comerciante celebra a abertura de uma filial da sua loja.

A inauguração do local, na avenida Bezerra de Menezes, reuniu um público considerável. Ainda não é final de semana, mas a tarde de terça-feira, 8 de abril, presencia um vaivém de consumidores que pode lembrar a movimentação no Centro da Capital, onde outro estabelecimento de Liang também recebe os fortalezenses.

Em perfil na rede social, o empreendimento soma mais de 450 mil seguidores. Nas legendas, algumas publicações anunciam que a loja vende produtos mais baratos que plataforma de comércio eletrônico, muito popular entre os brasileiros.

Apesar de seguir o caminho dos pais no comércio, Liang escolheu um ramo diferente e, ao lado de amigos, decidiu montar uma loja de variedades. “Meus pais vieram primeiro, conquistar alguma coisa, e meio que deu certo, né?”, comenta.

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O Dragão Asiático na Terra da Luz: trajetória em Fortaleza

O empreendedor confessa que, antes de chegar ao Brasil, o conhecimento sobre o País se relacionava ao samba e ao futebol, mas que “se acostumou muito rápido”.

“O pessoal aqui é mais aberto, gosta de conversar, né? E o clima, principalmente. Lá (na China) a gente tem quatro estações. Quando estava quente, era muito quente, quando estava frio, chegava a -15° C”, explica.

No comércio, Liang aponta que a maior diferença entre os países é a concorrência. “Aqui no Brasil tem (concorrência), porém não tanto que nem lá”, diz. “Se você ver no Centro, tem muita loja parecida, mas mesmo assim a gente consegue manter nossos clientes fiéis”.

Os consumidores podem ser conquistados “com promoções, novidades, variedades”. Os produtos mais requisitados na loja incluem itens para casa, decoração, artigos para pets, eletrônicos e papelaria.

“Para uma loja ter todo esse movimento, não depende só de uma coisa. É gerenciamento, renovação de mercadoria, tem a ver com marketing”, afirma. “A gente também estuda sobre mercado: o que está em alta, o que está saindo, o que o povo tá mais atrás de procurar. E assim, vai renovando”.

“Porém não podem ser sempre as mesmas coisas, tem que ter novidade também. Alguns produtos vêm diretamente da China. Hoje em dia, se não for 100%, estamos com 90% de importados”, acrescenta.

Os dados fornecidos pela Jucec apontam que, nos últimos quatro anos (de 2020 até 2024), o número de aberturas de empresas com sócios chineses em Fortaleza (CNAE referente ao comércio) saltou de 11 em 2020, um equivalente a 9,17% do percentual para o ano, a 38 em 2024 (31,67%). 

Até o fechamento da reportagem, em maio de 2025, a junta comercial indicou a abertura de 13 empresas na Capital (10,83%) nos primeiros meses do ano.

O Dragão Asiático na Terra da Luz: evolução da China no mercado

Para 2024, um informe divulgado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) no lado das importações indica que a China passou a ser o principal país a vender produtos para o Estado. Na sequência, estão Estados Unidos, Rússia e Argentina.

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“Nos últimos anos, a China passou de uma mera exportadora de produtos baratos para uma potência em inovação tecnológica. Isso se deve principalmente aos investimentos massivos, muito expressivos em pesquisa e desenvolvimento”, inicia Bruno Lessa, professor do programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Fortaleza (Unifor).

Lessa explica que, em Fortaleza, é possível identificar um modelo de gestão “tipicamente chinês”, especialmente no varejo popular.

“Muitos imigrantes chineses se inseriram em nichos de comércio de baixo custo, como as lojas de variedades. Aí esses empreendedores atuam com foco em volume de vendas, margens reduzidas, alto giro de estoque e horários de funcionamento ampliados”, avalia.

“Essa presença, por sua vez, tem influenciado o nosso comércio local, criando uma cultura de consumo que valoriza um preço acessível, uma diversidade de itens e um atendimento rápido”, completa.

O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Fortaleza, Assis Cavalcante, argumenta que os comerciantes de origem chinesa "estão tornando o Centro de Fortaleza como se fosse uma 25 de março". A rua é um centro comercial na cidade de São Paulo, conhecida pelos produtos com preços competitivos. 

"Outro fato importante é que os produtos deles atraem pessoas para o centro de Fortaleza. Como nós tínhamos muitas lojas fechadas e hoje esse número diminuiu substancialmente, então, é importante a presença deles", explica Cavalcante. 

"Entre a gente (comerciantes cearenses) ter preço competitivo, e o chinês ter preço competitivo, nós temos que nos moldar a essa situação. Buscar também ter um preço, um desconto, uma condição melhor, para ofertar ao consumidor", diz.

O presidente também afirma que a chegada de imigrantes chineses e sua participação no comércio, em especial no Centro de Fortaleza, "não foi motivo de fechamento de lojas de cearenses".

"As lojas já estavam fechadas. Eles se aproveitaram desse momento e estão lotando lojas e fazendo todo esse movimento aqui no Centro de Fortaleza", conclui.

Sobre as características próprias do comerciante cearense, Cavalcante ressalta que o diferencial do comércio local está em seu foco pelo atendimento, incluindo a abordagem da venda consultiva. A prática considera a escuta das necessidades dos clientes, seguindo além da oferta do produto e do serviço. 

"Você vai pegar a mercadoria, o preço tá lá, e vai embora, não é? É aí onde está o diferencial do nosso comerciante cearense: ele preza pelo atendimento", indica.

O Dragão Asiático na Terra da Luz: consumidores da Geração Z elogiam variedade

Para a estudante de Jornalismo Isadora Lima, 24, a rede social TikTok é uma das principais aliadas na divulgação dos produtos. A plataforma da empresa chinesa ByteDance costuma reunir parte da Geração Z (nascidos entre 1997 e 2012) entre seus principais usuários.

Uma pesquisa divulgada pelo TikTok Business sobre os consumidores brasileiros (conduzida em 2022 e intitulada ‘TikTok Marketing Science Global Creators Drive Commerce’) aponta que dois em cada cinco usuários da Geração Z do TikTok concordam que os criadores de conteúdo os apresentaram a novos itens.

“Já me interessei por muitos produtos depois de assistir a um vídeo de recomendação. Mas em relação à compra física, eu costumo descobrir sozinha”, diz Isadora.

“As lojas de chineses no Centro são grandes e com muita variedade, geralmente chama atenção de quem passa em frente. Acho que o que mais chama atenção são os produtos diferenciados e os preços”, completa.

A abundância de opções oferecidas por lojas de origem chinesa também atraiu a estudante de Administração Ana Fontes, 18, que afirma nem sempre encontrar no mercado nacional a mesma variedade.

”A qualidade às vezes não é boa, mas geralmente o produto entrega o que propõe. Logo, fico satisfeita com o que deu certo e deixo para lá outro que não foi bom”, indica.

Ana ainda confessa que os preços baratos dos itens ajudam a evitar o “peso na consciência” de comprar apenas para testar — “Sempre tem algo que gera um desejo de levar”.

Por outro lado, a estudante de Moda Eduarda Maciel, 21, afirma que, apesar do interesse por produtos chineses, continua a preferir o mercado nacional na escolha de algumas roupas.

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“Na questão de vestuário, eu prefiro lojas daqui (de Fortaleza). Como eu sou ‘gordinha’, o tecido sofre bem mais para se adequar ao meu corpo, e os de lojas como a Shein acabam descosturando mais rápido, com uma durabilidade bem inferior do que já é esperado”, ressalta.

A variedade dos objetos, citada por Isadora Lima e Ana Fontes, também entra na conversa com Eduarda, embora outro ponto a surpreenda mais: a rapidez.

“Não só na questão dos produtos de atacado, mas nas roupas”, explica. “Por exemplo, uma roupa que lançou essa semana em uma marca de grife, no outro dia (quase) já está disponível”.

O professor Bruno Lessa acrescenta que, por serem consumidores "hiperconectados", "ávidos por novidades", e com "uma forte cultura de experimentação", a Geração Z sem dúvida cumpre o seu papel na popularização dos produtos chineses. Contudo, o fenômeno vai além. 

Em pesquisa compartilhada pela empresa de consultoria McKinsey, 31% dos consumidores brasileiros revelaram optar por marcas mais baratas. O estudo sobre os hábitos da população em 2024 ainda indica que um a cada três brasileiros compram produtos mais baratos do que o habitual. 

A escolha do consumidor tem nome: trade down. O termo de origem inglesa significa, em tradução direta, "negociar para baixo", ou seja, estar disposto a trocar uma marca cara por uma opção mais barata. De acordo com o levantamento, o trade down subiu sete pontos percentuais em relação a 2023, tornando o Brasil um "líder" no quesito entre os países pesquisados.

"Aqui em Fortaleza, como em outras capitais do Nordeste, há uma sensibilidade maior ao preço e ao apelo visual dos produtos. Os gadgets chineses atendem bem a esse desejo de novidade acessível", explica Lessa sobre os consumidores fortalezenses.

Ainda segundo os dados coletados pela McKinsey, os hábitos do consumidor médio no Brasil também consideram as "experiências de compra omnicanal", quando o físico e o digital (citado na pesquisa por meio da aglutinação 'figital') andam lado a lado na hora da aquisição. Dos entrevistados, 55% preferem a jornada de compra online ou omnicanal (comunicação integrada). 

Quando os produtos se relacionam aos essenciais básicos, a compra acontece, na maioria das vezes, em lojas físicas, já que os objetos estão "atrelados a produtos de mercado e perecíveis". Já os bens e serviços não-essenciais pendem para o domínio do omnicanal (lojas físicas aliadas à venda pelo Whatsapp, por exemplo). 

"Também tem um fator cultural bem importante aí, sabe? A presença constante desses itens nas redes sociais e marketplaces digitais cria um efeito de contágio, estimulando o consumo por impulso mesmo", finaliza o professor. "Além disso, muitos desses produtos oferecem soluções criativas para o dia a dia, o que contribui para a sua popularidade".

Produtos e preços fazem a diferença

Em 2024, um informe divulgado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) indicou que a China passou a ser o principal país a vender produtos para o Estado. Na sequência, estão Estados Unidos, Rússia e Argentina.

"Nos últimos anos, a China passou de uma mera exportadora de produtos baratos para uma potência em inovação tecnológica. Isso se deve principalmente aos investimentos massivos, muito expressivos em pesquisa e desenvolvimento", inicia Bruno Lessa, professor do programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Fortaleza (Unifor).

Lessa explica que, em Fortaleza, é possível identificar um modelo de gestão "tipicamente chinês", especialmente no varejo popular.

"Muitos imigrantes chineses se inseriram em nichos de comércio de baixo custo, como as lojas de variedades. Aí esses empreendedores atuam com foco em volume de vendas, margens reduzidas, alto giro de estoque e horários de funcionamento ampliados", avalia.

Essa presença, conforme Bruno, tem influenciado o comércio local, criando uma cultura de consumo que valoriza um preço acessível, uma diversidade de itens e um atendimento rápido.

O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Fortaleza, Assis Cavalcante, argumenta que os comerciantes de origem chinesa "estão tornando o Centro de Fortaleza como se fosse uma 25 de Março (".

Assis destaca que os produtos vendidos pelos chineses atraem pessoas para o Centro."Entre a gente (comerciantes cearenses) ter preço competitivo, e o chinês ter preço competitivo, nós temos que nos moldar a essa situação. Buscar também ter um preço, um desconto, uma condição melhor, para ofertar ao consumidor", diz.

Cavalcante ressalta que o diferencial do comércio cearense está em seu foco pelo atendimento, incluindo a abordagem da venda consultiva.

"Você vai pegar a mercadoria, o preço tá lá, e vai embora, não é? É aí onde está o diferencial do nosso comerciante cearense: ele preza pelo atendimento", indica.

Consumidores da Geração Z elogiam variedade

Para a estudante de Jornalismo Isadora Lima, 24, a rede social TikTok é uma das principais aliadas na divulgação dos produtos. A plataforma da empresa chinesa ByteDance costuma reunir parte da Geração Z (nascidos entre 1997 e 2012) entre seus principais usuários.

Uma pesquisa divulgada pelo TikTok Business sobre os consumidores brasileiros (conduzida em 2022 e intitulada 'TikTok Marketing Science Global Creators Drive Commerce') aponta que dois em cada cinco usuários da Geração Z do TikTok concordam que os criadores de conteúdo os apresentaram a novos itens.

"Já me interessei por muitos produtos depois de assistir a um vídeo de recomendação. Mas em relação à compra física, eu costumo descobrir sozinha", diz Isadora.

"As lojas de chineses no Centro são grandes e com muita variedade, geralmente chama atenção de quem passa em frente. Acho que o que mais chama atenção são os produtos diferenciados e os preços", completa.

A abundância de opções oferecidas por lojas de origem chinesa também atraiu a estudante de Administração Ana Fontes, 18, que afirma nem sempre encontrar no mercado nacional a mesma variedade.

"A qualidade às vezes não é boa, mas geralmente o produto entrega o que propõe. Logo, fico satisfeita com o que deu certo e deixo para lá outro que não foi bom", indica.

Ana ainda confessa que os preços baratos dos itens ajudam a evitar o "peso na consciência" de comprar apenas para testar — "Sempre tem algo que gera um desejo de levar".

Por outro lado, a estudante de Moda, Eduarda Maciel, 21, afirma que, apesar do interesse por produtos chineses, continua a preferir o mercado nacional na escolha de algumas roupas.

"Na questão de vestuário, eu prefiro lojas daqui (de Fortaleza). Como eu sou 'gordinha', o tecido sofre bem mais para se adequar ao meu corpo, e os de lojas virtuais acabam descosturando mais rápido, com uma durabilidade bem inferior do que já é esperado", ressalta.

A variedade dos objetos, citada por Isadora Lima e Ana Fontes, também entra na conversa com Eduarda, embora outro ponto a surpreenda mais: a rapidez.

"Não só na questão dos produtos de atacado, mas nas roupas", explica. "Por exemplo, uma roupa que lançou essa semana em uma marca de grife, no outro dia (quase) já está disponível".

O professor Bruno Lessa acrescenta que, por serem consumidores "hiperconectados", "ávidos por novidades", e com "uma forte cultura de experimentação", a Geração Z sem dúvida cumpre o seu papel na popularização dos produtos chineses. Contudo, o fenômeno vai além.

Em pesquisa compartilhada pela empresa de consultoria McKinsey, 31% dos consumidores brasileiros revelaram optar por marcas mais baratas. O estudo sobre os hábitos da população em 2024 ainda indica que um a cada três brasileiros compra produtos mais baratos do que o habitual.

A escolha do consumidor tem nome: trade down. O termo de origem inglesa significa, em tradução direta, "negociar para baixo", ou seja, estar disposto a trocar uma marca cara por uma opção mais barata. De acordo com o levantamento, o trade down subiu sete pontos percentuais em relação a 2023, tornando o Brasil um "líder" no quesito entre os países pesquisados.

"Aqui em Fortaleza, como em outras capitais do Nordeste, há uma sensibilidade maior ao preço e ao apelo visual dos produtos. Os gadgets chineses atendem bem a esse desejo de novidade acessível", explica Lessa sobre os consumidores fortalezenses.

Ainda segundo os dados coletados pela McKinsey, os hábitos do consumidor médio no Brasil também consideram as "experiências de compra omnicanal", quando o físico e o digital (citado na pesquisa por meio da aglutinação 'figital') andam lado a lado na hora da aquisição. Dos entrevistados, 55% preferem a jornada de compra online ou omnicanal (comunicação integrada).

Quando os produtos se relacionam aos essenciais básicos, a compra acontece, na maioria das vezes, em lojas físicas, já que os objetos estão "atrelados a produtos de mercado e perecíveis". Já os bens e serviços não-essenciais pendem para o domínio do omnicanal (lojas físicas aliadas à venda pelo Whatsapp, por exemplo).

"Também tem um fator cultural bem importante. A presença constante desses itens nas redes sociais e marketplaces digitais cria um efeito de contágio, estimulando o consumo por impulso mesmo", finaliza o professor.

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