É perto das 15 horas de uma quarta-feira quando o silêncio toma uma extensa parte do litoral de Aquiraz, a 29,07 km de Fortaleza. Espaço é preenchido somente pelo barulho do mar, que em dia de maré cheia avança mais faminto pela areia e chega a lamber muros de edificações, "engolindo" o que vê pela frente.
O POVO esteve semana passada no município e visitou a orla da cidade, que segundo Plano de Ações de Contingência é uma das mais afetadas pela erosão. Nesse período uma audiência pública chegou a ser realizada pela Câmara de Vereadores para debater os impactos erosivos no litoral do município.
Além disso, a Sema solicitou um estudo ao Instituto de Ciência do Mar (Labomar/UFC) sobre as praias de Iguape, Icapuí e Jericoacoara. Intuito é analisar condições físicas, geológicas, oceanográficas e sociais das áreas, para elaborar ações a serem adotadas nesses setores, que apresentam degradação mais intensa.
Conforme Luis Ernesto Arruda, Cientista Chefe do Meio Ambiente, essas regiões são alvos do estudo devido ao fato de acumularem mais pontos erosivos próximos à urbanização. Ele explica que quando a erosão ocorre em áreas onde não há construções o ambiente consegue se recuperar naturalmente. No caso contrário, "além da perda da praia, perde-se as estruturas urbanas, como ruas, estradas e casas".
Em Aquiraz, por exemplo, o cenário de degradação fica perceptível quando se anda nas proximidades ou pela longa faixa de areia que compreende as praias do Presidio, do Iguape e do Barro Preto.
Na região, casas de veraneio fechadas e edificações cercadas por engenhocas como sacos e pedras dão o tom de que natureza e ser humano "estão brigando por espaço". Uma luta nem sempre justa e aparentemente longe de um fim. Por lá, não é difícil achar quem tenha uma história sobre essa disputa.
É o caso de José Carvalho, de 28 anos. Morador do Iguape, ele conta que a água já chegou a invadir uma barraca de praia da área, levando parte da piscina e da mureta de pedra. Há cerca de um ano o jovem vive sob risco de que algo semelhante aconteça no local onde trabalha como garçom: um hotel no Barro Preto, também em Aquiraz.
Entre a edificação e o mar há somente uma faixa de areia de pouco mais de dez metros. Quando a maré está alta, ele conta que a água chega a ficar muito perto da porta do imóvel, restringindo a movimentação.
"(Impacta) Tanto na questão dos clientes quanto na população. (...) Nessa nossa parte aqui quando está mais cheio (de água) não vem tanta gente, (ninguém) frequenta tanto porque não tem nem como," diz, lembrando que, quando começou a trabalhar no local há um ano, a faixa de areia era muito maior.
Intensidade em que a erosão acontece afeta também a atividade de bugueiros que atuam na área, como João Carlos, 32. "A gente quer ir para os trechos (do outro lado), mas a gente só tem acesso lá se a maré estiver grande, mas seca. Se a maré estiver cheia, a gente não consegue", conta, dizendo perder clientes.
Perto dali, na Praia do Presídio, algumas edificações já adotam estratégias de proteção contra o avanço da água. Em um condomínio de veraneio, situado muito perto do mar, sacolas de areias e pedras rodeiam o espaço como uma espécie de contenção à fúria marítima. Cenário que nem sempre foi assim.
Antônio Clamentino, 48, trabalha como zelador na estrutura e conta que a engenhoca foi colocada depois que a água invadiu o espaço, chegando a alcançar a grama. Ele relata que há vinte anos a faixa de areia entre a edificação e o mar chegava a ser de 100 metros, mas que foi encurtada de forma muito acelerada durante o passar do tempo. "O mar deu uma avançada e não voltou mais. Não recuou mais", diz.
Em meio as edificações que resistem, há aquelas que encerraram ciclos e fecharam suas portas— seja pelo avanço do mar ou por outros motivos. Na região é possível observar vários imóveis com arquitetura desgastada, transparecendo abandono, ou ainda outros com placas de "aluga-se". Entre eles uma barraca a beira mar, deteriorada e isolada quase de forma desértica. Cena é digna de filme, assusta.