Conhecida por ter o turismo como uma das atividades econômicas mais predominantes, a região do Nordeste brasileiro também vem se consolidando nos polos de inovação e tecnologia. É o que aponta um estudo do Observatório Sebrae de Startups, que revela um aumento da diversidade regional no mercado de empreendedorismo tecnológico.
O ecossistema de startups brasileiro colocou, pela primeira vez, uma nova região entre as duas primeiras em termos de iniciativas digitais, saindo do eixo Sul e Sudeste. Foi o Nordeste, com 18 mil startups mapeadas, aparece como o segundo maior polo, com 23,53% do total nacional, atrás apenas do Sudeste, que lidera com 36,15%.
Na análise do Relatório Sebrae Startups Brasil 2024, Gabriel Gurgueira, gerente de Aceleração e Impacto da Casa Azul, destacou principalmente a presença de dois grandes estados do Nordeste, Ceará e Pernambuco. Pernambuco já é referência também pela questão do Porto Digital. E vemos o Ceará cada vez mais presente nessa iniciativa, devido ao apoio oferecido pelos hubs de inovação locais, como Casa Azul, ComunicaHub, Atlântico e Cordel Ventures.
"Então, essa pesquisa é urgente como uma grande validação do trabalho que a gente tem feito com esses vários pontos de inovação, de quantos têm gerado bons resultados e como isso vem alavancando todo o Nordeste, e também dando a cada um deles mais representatividade para o nosso Estado."
Outro ponto, considerado fundamental pelo gestor, é que no Nordeste e no Ceará o capital humano qualificado se reflete em ideias inovadoras, somando-se a isso um estado de maturidade em termos de capacidade intelectual dos empreendedores.
Consequentemente, ele frisa que as startups são bem geridas e isso resulta em trilhas de cases de sucesso, que se tornam reconhecidos nacionalmente, como os Mercadapp, Agenda Edu e Tallos.
Apesar disso, a questão da atração de recursos e até mesmo do amadurecimento do mercado é um cenário em que o Sul e o Sudeste continuam mais desenvolvidos, na avaliação do especialista.
"Isso acaba gerando um indicador de migração de startups. A Lovel, startup cearense reconhecida pelo Google, teve recentemente empreendedores se mudando para São Paulo em busca de maior acesso a capital e possibilidades no mercado", complementa.
Porém, ele relembra haver incentivos para o crescimento da inovação localmente, citando o programa Delta-V, que há um ano era lançado pela Casa Azul em parceria com o Branco do Nordeste (BNB), em Fortaleza, visando buscar soluções e produtos inovadores para o Brasil, e por meio da aceleração de 60 startups nordestinas.
A pesquisa destacou ainda o aumento da participação feminina como sócias em startups. O percentual antes era de 8,65% em 2023 e saltou para 30,18% em 2024.
Segundo Herbart Melo, gerente da Unidade de Gestão de Ambiente de Inovação do Sebrae, essa evolução aconteceu devido a diversos fatores que se combinaram.
"Houve um aumento na conscientização e nos incentivos à igualdade de gênero, impulsionados tanto por políticas públicas quanto por instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)."
Ele diz que, nos últimos anos, a entidade passou a promover programas voltados ao empreendedorismo feminino, fortalecendo redes de apoio às mulheres empreendedoras.
"Essas redes passaram a oferecer mentorias e eventos exclusivos focados em liderança empresarial, além de ampliar o acesso à capacitação tecnológica e empreendedora para mulheres", acrescenta.
Para o Melo, muitas dessas iniciativas incluem bolsas de estudo e programas específicos que buscam corrigir desigualdades históricas.
"Para ilustrar esse avanço, os exemplos de lideranças femininas bem-sucedidas na Região e no País serviram de inspiração e demonstraram a viabilidade da liderança feminina no setor. Essas histórias ajudam a traçar o perfil das novas gestoras dessas empresas inovadoras e revelam a busca constante por refletir a diversidade e o potencial das mulheres na liderança", afirma Herbart.
Do Ceará para o Brasil: Agenda Edu impulsiona inovação nas escolas
O perfil do empreendedor cearense, Anderson Morais, 34, revela um forte orgulho de manter a origem local, valorizando o ecossistema de startups regionais e buscando consolidar o Ceará como um centro de inovação tecnológica no Brasil.
Sob os olhares de futuro, o CEO e cofundador da Agenda Edu brinca, mas afirma que todos estão trabalhando para transformar o Ceará no "Vale do Silício" brasileiro, somando esforços coordenados para atrair talentos, melhorar a infraestrutura e ampliar o acesso a recursos.
De acordo com Anderson, a história da Agenda Edu, criada em 2014, é um exemplo de inovação impulsionada por uma necessidade real de modernizar a comunicação escolar. "Eu sempre costumo dizer que bons produtos nascem de necessidade reais. Então, assim, uma startup boa não é aquela que inventou um problema. É aquela que identificou um problema que estava acontecendo com um determinado público e viu que aquele problema merecia ser resolvido", afirma o empresário.
Em mais de 3 mil escolas no Brasil, o "SuperApp" já conta com mais de 2,5 milhões de usuários, tendo gerado no ano de 2023, cerca R$ 140 milhões. Inicialmente criada como uma agenda escolar digital, a plataforma, com o decorrer dos anos, digitalizou informações que iam além dos recados deixados pelos professores aos pais ou responsáveis.
"O projeto inicial evoluiu para um superapp nesses 11 anos e, atualmente, estamos com um ecossistema completo, integrando diversas soluções escolares e oferecendo mais de 20 funcionalidades que vão desde comunicação ativa até organização e engajamento familiar como, por exemplo, a questão do pagamento das mensalidades e das matrículas, que hoje é super bem desenvolvido com várias opções de recebimento."
Além disso, a Agenda Edu, dentro das diversas funções que possui, vem atuando com uma credencial única, permitindo login único para diferentes plataformas, fomentando conexões de soluções próprias e de terceiros, possibilitando também que escolas desenvolvam funcionalidades dentro de sua estrutura, como mural de fotos e enquetes sobre conteúdos disciplinares.
A agência de Anderson, que hoje conta 130 funcionários, sendo destes 90 cearenses, sempre esteve alocada em Fortaleza e segundo ele, exemplifica como o cuidado da empresa em se manter genuinamente cearense foi fundamental para quebrar a arrebentação e não migrar sua sede para outro local.
"Nós sempre tivemos essa pauta de defender muito o ecossistema local, se os empreendimentos crescem e se mudam, quem vai sobrar? Então, a gente tem sim esse orgulho de ter crescido e estar fazendo nossas operações no Ceará, porque foi a partir dele que tudo isso começou." (Filipe Vasconcelos/Especial para O POVO)
Senium: educação e inclusão digital
Fundada por Tereza Furtado e Mário Moura, a Senium é uma startup cearense que atua como um hub de educação e inovação voltado ao público com mais de 50 anos. O negócio surgiu após uma experiência pessoal de Tereza, que enfrentou etarismo ao tentar se recolocar no mercado, após longa trajetória como executiva de RH.
A ideia da Senium começou a ser desenhada em 2019, durante sua participação no Startup Weekend do Sebrae, voltado para negócios idealizados por mulheres. A proposta inicial foi reconhecida como uma das dez melhores do evento. No entanto, o empreendimento só tomou forma anos depois, com o foco definido na longevidade ativa.
Hoje, prestes a completar dois anos de existência, a Senium atua com base em quatro pilares: longevidade financeira, inclusão digital, qualidade de vida e empregabilidade. As soluções oferecidas variam entre cursos online e presenciais, mentorias, rodas de conversa, eventos e feiras. A startup também organiza a Feira Senium, voltada para o empreendedorismo prateado, onde pessoas maduras expõem e comercializam seus produtos em espaços públicos e privados.
De acordo com Tereza, o Brasil vive um processo de envelhecimento populacional acelerado e desigual. Segundo ela, mais de 60% dos aposentados brasileiros recebem apenas um salário mínimo e muitos são responsáveis pelo sustento de suas famílias.
A ausência de políticas públicas voltadas à maturidade, aliada ao alto índice de endividamento e à exclusão digital, motivou a criação de um negócio que promovesse educação financeira, competências digitais e reinserção no mercado de trabalho. "Não faz sentido que uma pessoa, no auge de sua experiência, seja descartada", comenta.
Além da atuação direta com o público 50 , a Senium busca se inserir em um contexto mais amplo de transformação social, promovendo a diversidade etária nas empresas e fomentando lideranças mais inclusivas.
A startup também atua como parceira do Sebrae e da Bilebs, por meio do programa Sebrae Delas e da metodologia Efeito Furacão, voltada à aceleração de negócios liderados por mulheres. Tereza, que hoje é mentora e facilitadora da metodologia, destaca que o Nordeste tem se consolidado como um polo de empreendedorismo feminino e de negócios de impacto.
A Senium também integra o Rapadura Valley, ecossistema cearense de startups. Tereza aponta o apoio da rede como essencial para a trajetória da empresa, citando o suporte colaborativo e a troca com outros empreendedores como diferenciais importantes no desenvolvimento do negócio.
Ao comentar sobre os desafios de empreender no Nordeste, Tereza reconhece as desigualdades econômicas ainda presentes na região, mas afirma que o cenário está em transformação. (Mariah Salvatore/Especial para O POVO)
A democratização do acesso à fisioterapia no Brasil
Foi durante atendimentos na pandemia que surgiu o insight que deu origem à startup. O Dr. Lucas Melo, fundador da empresa Strallo, percebeu que muitos pacientes em pós-operatório não teriam condições de fazer fisioterapia presencial. A partir de pesquisas em bases acadêmicas, encontrou referências sobre o uso da fisioterapia digital no tratamento de problemas ortopédicos. A constatação virou oportunidade: levar o cuidado fisioterapêutico para quem mais precisa, independentemente da localização.
A proposta deu origem à primeira Central de Prestação de Serviços de Saúde Integrada (CPSI) do Brasil. A empresa já soma no portfólio atendimentos de peso, como o realizado no Hospital das Clínicas da USP no ano passado. A aposta está no uso da tecnologia como ferramenta para reduzir custos e ampliar o acesso à saúde, especialmente em regiões mais remotas.
"Nossa missão é ganhar tanta eficiência a ponto de permitir que todo brasileiro tenha acesso às orientações de saúde de alta qualidade", resume Daniel Peixoto, cofundador. A startup combina protocolos validados na literatura científica e análise de dados para metrificar todas as interações com os pacientes. Segundo Daniel, a prioridade é a qualidade assistencial — uma lógica que se diferencia do modelo de crescimento acelerado.
A visão também é clara quando o assunto é o papel dos profissionais. "Enquanto muitos buscam robotizar a empatia, usamos a tecnologia para liberar o profissional de saúde, permitindo que ele tenha mais tempo de interação com o paciente", explica.
A jornada da empresa começou no programa de aceleração da Antler, com duração de dez semanas. À época, os dois fundadores sequer se conheciam. Hoje, além de integrarem o Rapadura Valley, um dos principais ecossistemas de inovação do Nordeste, compartilham da visão de que o Brasil, que já possui o maior sistema de saúde pública do mundo, também tem potencial para abrigar "a maior healthtech do planeta".
Para Daniel, diversidade também é estratégia. "Empresas que entendem isso saem na frente. Contextos diferentes trazem soluções inovadoras, e as mulheres do nosso time lideram projetos fundamentais", afirma. (Mariah Salvatore/Especial para O POVO)