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Consignado CLT avança no acesso ao crédito, mas baixar juros ainda é um desafio
Reportagem

Consignado CLT avança no acesso ao crédito, mas baixar juros ainda é um desafio

Endividamento| No Ceará, mais de 89,3 mil cearenses já contrataram o crédito. Mas, dados do Banco Central aponta para uma disparada da taxa de juros da modalidade, que chegou a59,06% em abril
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EXPECTATIVA é injetar R$ 3,3 bi na economia cearense (Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil)
Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil EXPECTATIVA é injetar R$ 3,3 bi na economia cearense

Mais de 89,3 mil cearenses contrataram o novo crédito consignado privado desde o lançamento do programa Crédito do Trabalhador, em 21 março deste ano. O Ceará é o 9º estado com maior volume de contratações, movimentando R$ 412 milhões.

No Brasil, o número já passa de R$ 13,5 bilhões até o último dia 2 de junho, conforme os dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). São mais de 2,4 milhões de trabalhadores que tomaram o empréstimo.

Com contratação pela carteira de trabalho digital, a proposta do Governo era desburocratizar e ampliar o acesso o crédito ao trabalhador, uma vez que a exigência de convênio entre a empresa e a instituição financeira não seria mais necessária. Também tornaria esse financiamento mais barato ao usar os recursos do FGTS deste trabalhador como garantia da operação.

A primeira premissa de fato se cumpriu. Mas a segunda, por enquanto, está ainda só na promessa. Dados divulgados pelo Banco Central mostraram que, em abril, primeiro mês cheio com o programa em operação, a taxa média dos juros do consignado privado disparou no País.

Saiu de uma média de 44% ao ano, em março, para 59,06% ao ano, em abril. Aumento de 15,1 pontos percentuais (p.p.). No comparativo com abril de 2024, o aumento é de 20,56% p.p. 

A modalidade também passou a ser 35,08 p.p. mais cara do que outras modalidades consideradas de baixo risco por ser descontada na fonte, como o consignado de aposentado do INSS (23,98%). Em abril do ano passado, a diferença era de 16,35 p.p.

Na avaliação do MTE, pasta responsável pelo programa, não faz sentido comparar os juros atuais com os da formatação antiga, que antes era restrita a grandes empresas com menor risco de inadimplência, porque agora a modalidade passou a contar com mais diversidade de empregadores e perfis de trabalhadores.

Antes, 68% do consignado privado era destinado a pessoas que ganham mais de 8 salários mínimos, já o Crédito do Trabalhador destina 47,1% dos recursos para trabalhadores que ganham até 4 salários mínimos, compara o ministério.

Também tem reforçado que, a medida em que as novas fases do programa avancem, como a portabilidade (liberada somente no último dia 6) e o próprio uso do FGTS como garantia que precisa ser regulamentado, a tendência é que a taxa de juros caia.

O economista Raul Aragão, diretor do Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças (Ibef), atribui ainda a disparada dos juros a um risco operacional inicial das operações, considerando que o credor se comunicava diretamente com a empresa conveniada e agora não.  “Os credores estão tentando precificar eventuais problemas operacionais. Para se ter uma ideia, em abril, ainda não tinha tido o primeiro repasse das primeiras parcelas dos créditos originados. Na medida em que as plataformas do governo, do Dataprev e da Caixa funcionarem bem, isso vai trazer mais segurança para o mercado."

Há ainda, segundo ele, um fator comportamental que impactou o início das operações. Embora tivesse uma recomendação do governo para que o trabalhador aguardasse pelo menos 24 horas antes de fechar contrato, para dar tempo de mais bancos fazerem a proposta e o consumidor escolhesse a melhor, muitos contratos foram fechados tão logo o sistema foi liberando. Para se ter uma ideia, um dia depois do lançamento, mais de 11 mil contratos já estavam assinados.

“Na teoria, o programa foi lançado para que as instituições fizessem, vamos dizer, um leilão reverso, e o consumidor pudesse verificar a melhor taxa para escolher. Mas a realidade é que a população está extremamente endividada, então, a pessoa quer o recurso o quanto antes. Em situações como essas, ele não consegue ser tão racional, vai na comodidade e na facilidade de acessar o dinheiro com dois, três botões.”

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Trabalhador deve ficar atento à margem de crédito

Uma pesquisa da SalaryFits, empresa da Serasa Experian, divulgada na semana passada, mostra que no primeiro mês do programa Crédito do Trabalhador, 24% dos colaboradores que demandaram pelo recurso ultrapassaram o comprometimento salarial de 35% estabelecido pelo governo. Isso porque o novo cálculo não leva em consideração possíveis descontos em folha que podem ocorrer mensalmente, como coparticipações de plano de saúde, que reduzem o salário líquido.

O levantamento aponta ainda que 35% dos contratos foram feitos com financeiras que não tinham parceria estabelecida com os empregadores. Ou seja, o trabalhador não teria acesso a ofertas fora do programa.

Délber Lage, CEO da SalaryFits, acredita que, embora haja benefícios, as empresas precisam reforçar o cuidado na operação. Isso porque o empregador passa a ser responsável por acessar manualmente o Portal Emprega Brasil para baixar os arquivos dos colaboradores, inserir os descontos na folha, escriturar as informações no eSocial e recolher os valores via guia única do FGTS para a Caixa Econômica Federal, que redistribui os montantes aos bancos.

"Ampliar o acesso do trabalhador a diversas empresas credoras é muito positivo, pois o funcionário poderá comparar propostas e adquirir a que for mais vantajosa. Entretanto, esse cenário também pode ser desafiador, porque quanto mais instituições financeiras envolvidas, maior o número de dados e reportes que o RH precisará fazer para garantir a gestão desses financiamentos."

O educador financeiro Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin) e da DSOP Educação Financeira, vê com preocupação a nova modalidade. "Com os descontos de INSS, plano de saúde e mais os 35%, temos, muitas vezes, trabalhadores recebendo apenas 40% do seu líquido. Ou seja, ele acaba tendo uma queda vertiginosa da capacidade de pagamento."

As maiores críticas ao projeto giram em torno de dois eixos: não há teto para os juros e há o potencial de comprometer o FGTS do trabalhador. "Para quem não tem dinheiro nenhum, é natural que vá buscar onde está mais fácil. Porém, ele se esquece que aquele fundo de garantia é a única reserva que tem e vai começar também a ser deteriorada por não se corrigir a causa do problema, que é a falta de organização financeira."

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